sábado, 25 de maio de 2019

Homilia: VI Domingo da Páscoa - Ano C

Santo Agostinho
Tratado sobre a 1ª Carta de São João
Toda a vida do bom cristão é um santo desejo

Vede que amor o Pai nos tem para chamar-nos filhos de Deus, pois nós o somos! Pois aqueles que se chamam e não são, de que lhes aproveita o nome se não corresponde à realidade? Quantos se chamam “médicos” e não sabem curar! Quantos se chamam “serenos” e passam a noite dormindo! Igualmente sobram os que se chamam “cristãos” e dos quais sua conduta não rima com seu nome, pois não são o que dizem ser: na vida, nos costumes, na fé, na esperança, no amor. Todo o mundo é cristão, e todo o mundo é ímpio; existem ímpios por todo o mundo, e por todo o mundo existem pios: uns e outros não se reconhecem entre si. Por isso o mundo não nos conhece, porque não conheceu a Ele. O próprio Senhor Jesus caminhava, na carne era Deus, oculto na debilidade da carne. E por que não foi reconhecido? Porque reprovava aos homens todos os seus pecados. Eles, amando os deleites do pecado, não reconheciam a Deus; amando o que o ímpeto das paixões lhes sugeria, injuriavam o médico.
E nós, o quê? Nós nascemos d’Ele; porém, como vivemos sob a economia da esperança, disse: Queridos, agora somos filhos de Deus. Desde agora? Então, o que é que esperamos, se já somos filhos de Deus? E ainda, disse, não se manifestou o que seremos. Será que seremos outra coisa além de filhos de Deus? Ouçam o que segue: Sabemos que, quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como é. O que é que nos foi prometido? Seremos semelhantes a Ele porque o veremos tal como é. A língua expressou o que pôde; o restante deve ser meditado pelo coração. Em comparação daquele que é, o que pode dizer o próprio João? E o que podemos dizer, nós que estamos tão longe de igualar seus méritos?
Voltemos, pois, àquela unção de Cristo, voltemos àquela unção que nos ensina a partir de dentro o que nós não podemos expressar, e, já que agora vos é impossível a visão, seja vossa tarefa o desejo. O que desejas não o vês ainda, mas por teu desejo tornas-te capaz de ser saciado quando chegar o momento da visão.
Portanto, irmãos, desejemos, já que temos de ser saciados. Vede de que maneira Paulo dilata seu desejo, para tornar-se capaz de receber aquele que há de vir. Diz, de fato: Não é que eu já tenha conseguido o prêmio, ou que já esteja na meta; irmãos, eu não penso ter alcançado o prêmio. Que fazes, então, nesta vida, se ainda não conseguiste o prêmio? Somente busco uma coisa: esquecendo-me do que fica para trás, e lançando-me até o que virá, corro até a meta para ganhar o prêmio ao que Deus desde o alto me chama.
Afirma de si mesmo que se lançou para o que virá, e que vai correndo para a meta final. É porque se sentia demasiado pequeno para captar aquilo que nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem o homem pode imaginar. Esta é nossa vida: exercita-nos no desejo. Contudo, este santo desejo que suscita está em proporção direta com nosso desprendimento dos desejos que suscita o amor do mundo. Dilatemos, então, nosso coração, para que, quando Ele vier, satisfaça os nossos desejos, já que seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como Ele é.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 608-609. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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