Santo Agostinho
Tratado sobre a 1ª Carta de São João
“Toda
a vida do bom cristão é um santo desejo”
Vede que amor o Pai nos tem para chamar-nos
filhos de Deus, pois nós o somos! Pois aqueles que se chamam e não são, de
que lhes aproveita o nome se não corresponde à realidade? Quantos se chamam
“médicos” e não sabem curar! Quantos se chamam “serenos” e passam a noite
dormindo! Igualmente sobram os que se chamam “cristãos” e dos quais sua conduta
não rima com seu nome, pois não são o que dizem ser: na vida, nos costumes, na
fé, na esperança, no amor. Todo o mundo é cristão, e todo o mundo é ímpio;
existem ímpios por todo o mundo, e por todo o mundo existem pios: uns e outros
não se reconhecem entre si. Por isso o mundo não nos conhece, porque não
conheceu a Ele. O próprio Senhor Jesus caminhava, na carne era Deus, oculto na
debilidade da carne. E por que não foi reconhecido? Porque reprovava aos homens
todos os seus pecados. Eles, amando os deleites do pecado, não reconheciam a
Deus; amando o que o ímpeto das paixões lhes sugeria, injuriavam o médico.
E nós, o quê?
Nós nascemos d’Ele; porém, como vivemos sob a economia da esperança, disse: Queridos, agora somos filhos de Deus.
Desde agora? Então, o que é que esperamos, se já somos filhos de Deus? E ainda, disse, não se manifestou o que seremos. Será que seremos outra coisa além
de filhos de Deus? Ouçam o que segue: Sabemos
que, quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como
é. O que é que nos foi prometido? Seremos semelhantes a Ele porque o
veremos tal como é. A língua expressou o que pôde; o restante deve ser meditado
pelo coração. Em comparação daquele que é, o que pode dizer o próprio João? E o
que podemos dizer, nós que estamos tão longe de igualar seus méritos?
Voltemos, pois,
àquela unção de Cristo, voltemos àquela unção que nos ensina a partir de dentro
o que nós não podemos expressar, e, já que agora vos é impossível a visão, seja
vossa tarefa o desejo. O que desejas não o vês ainda, mas por teu desejo
tornas-te capaz de ser saciado quando chegar o momento da visão.
Portanto,
irmãos, desejemos, já que temos de ser saciados. Vede de que maneira Paulo
dilata seu desejo, para tornar-se capaz de receber aquele que há de vir. Diz,
de fato: Não é que eu já tenha conseguido
o prêmio, ou que já esteja na meta; irmãos, eu não penso ter alcançado o prêmio.
Que fazes, então, nesta vida, se ainda não conseguiste o prêmio? Somente busco
uma coisa: esquecendo-me do que fica para
trás, e lançando-me até o que virá, corro até a meta para ganhar o prêmio ao
que Deus desde o alto me chama.
Afirma de si
mesmo que se lançou para o que virá, e que vai correndo para a meta final. É
porque se sentia demasiado pequeno para captar aquilo que nem o olho viu, nem o
ouvido ouviu, nem o homem pode imaginar. Esta é nossa vida: exercita-nos no
desejo. Contudo, este santo desejo que suscita está em proporção direta com
nosso desprendimento dos desejos que suscita o amor do mundo. Dilatemos, então,
nosso coração, para que, quando Ele vier, satisfaça os nossos desejos, já que seremos semelhantes a Ele, porque o veremos
como Ele é.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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