São Cirilo de Alexandria
Comentário sobre o Evangelho de São João
“Nosso
Senhor Jesus Cristo nos inaugurou um caminho novo e vivo”
Se na casa de
Deus Pai não houvesse muitas moradas - dizia o Senhor - seria causa suficiente
para antecipar-me a preparar mansões para os santos; mas como sei que já
existem muitas preparadas esperando a chegada dos que amam a Deus, não é esta a
causa da minha partida, mas a de preparar-vos o retorno ao caminho do céu, como
se prepara uma estância, e aplainar o que um tempo era intransitável. De fato,
o céu era absolutamente inacessível ao homem e jamais, até então, a natureza
humana tinha penetrado no puro e santíssimo âmbito dos anjos. Cristo foi o que
primeiro inaugurou para nós esta via de acesso, e facilitou ao homem o modo de
lá subir, oferecendo-se a si mesmo a Deus Pai como primícias dos mortos e dos
que jazem na terra. Ele é o primeiro homem que se manifestou aos espíritos
celestiais.
Por esta razão,
os anjos do céu, ignorando o majestoso e grandioso mistério daquela vinda na
carne, contemplavam atônitos e maravilhados àquele que ascendia, e, assombrados
frente ao inovador e inaudito espetáculo, não puderam deixar de exclamar: Quem é este que vem de Edom?, isto é, da
terra. Mas o Espírito não permitiu que aquela multidão celeste continuasse na
ignorância da maravilhosa sabedoria de Deus Pai, antes mandou que se lhes
abrissem as portas do céu como a Rei e Senhor do universo, exclamando: Portões! Erguei os frontões, que se ergam as
antigas portas, que o Rei da glória vai entrar.
Portanto, nosso
Senhor Jesus Cristo nos inaugurou um caminho novo e vivo, como diz Paulo: Entrou em um santuário não construído por
homens, mas no próprio céu, para colocar-se diante de Deus, intercedendo por
nós. Na realidade, Cristo não subiu ao céu para manifestar-se a si mesmo
diante de Deus Pai: ele estava, está e estará sempre no Pai e à vista do que o
gerou; ele é sempre o objeto de suas complacências. Porém, agora sobe em sua
condição de homem, dando-se a conhecer de uma maneira extraordinária e
desacostumada o Verbo que anteriormente estava desprovido da humanidade. E isto
por nós e em nosso proveito, de maneira que, apresentando-se como simples
homem, apesar de ser Filho onipotente, e tendo ouvido na carne aquele convite
real: Senta-te a minha direita,
mediante a adoção pudesse transmitir por si mesmo a todo gênero humano a glória
da filiação.
Realmente ele é
um de nós, enquanto que apareceu á direita de Deus Pai na qualidade de homem,
se bem que superior a toda criatura e consubstancial ao Pai, já que ele é o
reflexo de sua glória, Deus de Deus, luz da luz verdadeira. Se apareceu, pois,
por nós diante do Pai, foi para colocar-nos novamente junto ao Pai, a nós que,
em força da antiga prevaricação, tínhamos sido afastados de sua presença.
Sentou-se como Filho, para que também nós, como filhos, fôssemos nele chamados
filhos de Deus. Por isso, Paulo, que pretende ser portador de Cristo que fala
nele, ensina que as coisas acontecidas de forma especial a respeito de Cristo
são comuns à natureza humana, dizendo: Nos
ressuscitou com Cristo e nos fez assentar no céu com ele.
Propriamente
falando, é exclusivo de Cristo enquanto Filho por natureza, a dignidade e a
glória de sentar-se com o Pai, glória que afirmamos somente a Ele se há de
atribuir de forma adequada e verdadeiramente. Mas dado que quem se senta é
nosso semelhante enquanto que se manifestou como homem e ao mesmo tempo é
reconhecido como Deus de Deus, resulta que de alguma maneira comunica a nós a
graça de sua própria dignidade.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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