Viagem Apostólica do Papa Francisco à Tailândia e Japão
Santa
Missa
Homilia
do Santo Padre
Tóquio
Dome
Segunda-feira,
25 de novembro de 2019
O Evangelho que ouvimos (Mt 6,24-34) faz
parte do primeiro grande discurso de Jesus; é conhecido como o «Sermão da
Montanha» e descreve-nos a beleza do caminho que somos convidados a percorrer.
Segundo a Bíblia, a montanha é o lugar onde Deus Se manifesta e dá a conhecer:
«sobe ao encontro do Senhor» (Ex 24,1), disse Deus a Moisés. Uma
montanha cujo cimo se alcança, não com a força de vontade nem com o
carreirismo, mas apenas com a escuta atenta, paciente e delicada do Mestre no
meio das encruzilhadas do caminho. O cimo transforma-se em planura para nos dar
uma perspetiva sempre nova de tudo o que nos rodeia, centrada na compaixão do
Pai. Em Jesus, encontramos o cimo do que significa ser humano e indica-nos o
caminho que nos leva à plenitude capaz de ultrapassar todos os cálculos
conhecidos; n’Ele encontramos uma vida nova, onde se experimenta a liberdade de
nos sentirmos filhos amados.
Mas estamos cientes de que, ao longo do
caminho, esta liberdade filial pode ver-se sufocada e enfraquecida, quando
ficamos prisioneiros do círculo vicioso da ansiedade e da competição, ou quando
concentramos toda a nossa atenção e as nossas melhores energias na busca
obstinada e frenética de produtividade e consumismo como único critério para
medir e avaliar as nossas opções ou definir quem somos e quanto valemos. Medida
essa, que pouco a pouco nos torna impermeáveis ou insensíveis às coisas
importantes, levando o coração a palpitar pelas coisas supérfluas ou efémeras.
Como oprime e enreda a alma a ânsia gerada por pensar que tudo pode ser
produzido, conquistado e controlado!
Os jovens fizeram-me notar esta manhã
(no encontro que tive com eles) que, numa sociedade como o Japão com uma
economia altamente desenvolvida, não são poucas as pessoas socialmente isoladas
que permanecem à margem, incapazes de entender o significado da vida e da sua
própria existência. A casa, a escola e a comunidade, destinadas a ser lugares
onde cada um apoia e ajuda os outros, estão a deteriorar-se cada vez mais pela
excessiva competição na busca do lucro e da eficiência. Muitas pessoas
sentem-se confusas e inquietas, ficam sobrecarregadas pelas demasiadas
exigências e preocupações que lhes tiram a paz e o equilíbrio.
Ressoam, como bálsamo reparador, as
palavras do Senhor que convidam a não nos inquietarmos, mas a termos confiança.
Insiste nisso três vezes: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o dia de
amanhã (cf. Mt 6,25.31.34).
Não se trata de nos desinteressarmos do que sucede ao nosso redor nem de nos
desleixarmos relativamente às nossas ocupações e responsabilidades diárias;
antes pelo contrário, é um desafio a abrirmos as nossas prioridades para um
horizonte de sentido mais amplo e, assim, criar espaço para olhar na mesma
direção: «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se
vos dará por acréscimo» (Mt 6,33).
O Senhor não nos diz que as
necessidades básicas, como alimento e roupa, não sejam importantes; mas
convida-nos a repensar as nossas opções diárias para não acabarmos entalados ou
fechados na busca do êxito a todo o custo, incluindo a custo da própria vida.
As atitudes mundanas que buscam e perseguem apenas o próprio lucro ou benefício
neste mundo, e o egoísmo que pretende a felicidade individual, subtil mas
realmente conseguem apenas tornar-nos infelizes e escravos, para além de
dificultar o desenvolvimento duma sociedade verdadeiramente harmoniosa e humana.
O oposto de um «eu» isolado, fechado e
até sufocado só pode ser um «nós» partilhado, celebrado e comunicado (cf. Papa Francisco, Audiência Geral de 13/02/2019). Este convite do Senhor lembra-nos que «precisamos de reconhecer
alegremente que a nossa realidade é fruto dum dom, e aceitar também a nossa
liberdade como graça. Isto é difícil hoje, num mundo que julga possuir algo por
si mesmo, fruto da sua própria originalidade e liberdade» (Gaudete et exsultate, 55). Por isso, na
primeira Leitura, a Bíblia lembra-nos como o nosso mundo, cheio de vida e
beleza, seja antes de tudo um dom maravilhoso do Criador que nos precede:
«Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1,31);
beleza e bondade oferecidas para podermos também compartilhá-las e oferecê-las
aos outros, não como senhores ou proprietários, mas como participantes dum
mesmo sonho criador. «O cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas
relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade
aos outros» (Laudato si’, 70).
Perante isto, como comunidade cristã
somos convidados a proteger toda a vida e testemunhar, com sabedoria e coragem,
um estilo marcado pela gratuidade e compaixão, pela generosidade e a escuta
simples, um estilo capaz de abraçar e receber a vida como se apresenta «com
toda a sua fragilidade e pequenez e, muitas vezes, até com todas as suas contradições
e insignificâncias» (XXXIV Jornada Mundial da Juventude, Panamá, Vigília, 26/01/2019). Somos convidados a ser comunidade que desenvolva uma pedagogia
capaz de acolher «tudo o que não é perfeito, tudo o que não é puro nem
destilado, mas lá por isso não menos digno de amor. Por acaso uma pessoa
portadora de deficiência, uma pessoa frágil não é digna de amor? (…) Uma
pessoa, mesmo que seja estrangeira, tenha errado, se encontre doente ou numa
prisão, não é digna de amor? Assim fez Jesus: abraçou o leproso, o cego e o
paralítico, abraçou o fariseu e o pecador. Abraçou o ladrão na cruz, abraçou e
perdoou até àqueles que O estavam a crucificar» (ibid.).
O anúncio do Evangelho da Vida
impele-nos e exige de nós, como comunidade, que nos tornemos um hospital de
campanha preparado para curar as feridas e sempre oferecer um caminho de
reconciliação e perdão. Com efeito, para o cristão, a única medida possível com
que julgar cada pessoa e situação é a da compaixão do Pai por todos os seus
filhos.
Unidos ao Senhor, cooperando e
dialogando sempre com todos os homens e mulheres de boa vontade, e também com
as pessoas de convicções religiosas diferentes, podemos tornar-nos fermento
profético duma sociedade que protege e cuida cada vez mais de toda a vida.
Fonte: Santa Sé
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