São Cesário de Arles
Sermões
“Os
benefícios de Deus, motivo de juízo”
Se pensamos nos
bens que Deus derramou sobre nós chegando até a morte, não haveríamos de temer
aquele juízo; mas por desgraça muitos o convertem em motivo de sentença contra
eles. Não paguemos o bem com o mal pois, do contrário, o que faremos naquele
dia temível quando o Senhor se sentar em seu trono cercado da milícia celestial
no meio da luz, enquanto os anjos ressoam suas trombetas e o mundo estremece?
Então, além da
própria consciência, aquele Juiz, já mais justo que misericordioso, começará a
acusar os réus como severidade por terem desprezado a sua misericórdia: “Eu
plasmei a ti, ó homem! Com minhas mãos eu te infundi o espírito e tu,
desprezando os meus preceitos de vida perfeita, segues ao mentiroso antes que a
Deus... Entrei em um seio virginal para nascer dele sem diminuição de sua
pureza; reclinei-me em um presépio envolto em panos, com as dores e sofrimentos
da infância; sofri as bofetadas e cusparadas daqueles que zombavam de mim, bebi
vinagre com fel, fui ferido pelos açoites, coroado de espinhos, cravado na
cruz, atravessado pela lança, e para que tu te libertasses da morte entreguei a
minha vida em meio a tormentos. Aqui tens os sinais dos cravos dos quais fui
suspenso. Olhai aqui para meu lado ferido. Aceitei as dores para dar a ti a
glória, sofri a morte para que vivesses por toda a eternidade. Jazi escondido
em um sepulcro para que tu reinasses no céu. Por que perdeste o que te dei? Por
que, ingrato, rejeitastes os dons de tua redenção? Não reclamo de minha morte,
mas dai-me a tua vida, já que por ela entreguei a minha... Por que maculaste a
habitação que consagrei para mim com as imundícies da luxúria? Por que me
carregaste com a cruz dos teus crimes, mais pesada que aquela na qual estive
suspenso? Mais pesada, de fato, é a cruz de teus pecados, da qual pendo à
força, do que aquela que, compadecido de ti, subi satisfeito. Sendo impassível
me dignei padecer por ti, e tu desprezaste a Deus no homem, a saúde no enfermo,
a chegada no caminho, o pai no juiz, a vida na cruz e o remédio na agonia”.
Examinai a
embarcação de vossa vida, e se observais as cavernas (*) desfeitas pela
soberba, a avareza e a luxúria, apressai-vos em repará-las com as boas obras e
a esmola. Assim como ao bom sua virtude não lhe beneficia de nada se morre em
pecado, assim ao pecador os vícios não lhe prejudicam se morre arrependido.
Vivei bem, não
me digais que sois jovens e casados, porque não é o traje do monge que dá a
virtude. Em qualquer estado de vossas vidas podeis vestir o hábito da religião
e da caridade.
(*) Cavernas:
chapas verticais no fundo da embarcação para aumentar sua resistência.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
761-762. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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