Santo Hilário de Poitiers
Tratado sobre o Salmo 14
O
fundamento do nosso edifício é Cristo
O primeiro e
mais importante degrau que deve ascender aquele que tende às coisas celestiais
é habitar nesta tenda e ali - afastado das preocupações mundanas e abandonando
os negócios deste mundo -, passar toda a sua vida, noite e dia, à imitação de
muitos santos que jamais se afastaram da tenda.
Sob o nome de
“monte” - sobretudo quando se trata das coisas celestiais - temos de imaginar o
mais alto e sublime. E existe algo mais sublime do que Cristo? Mais digno do
que o nosso Deus? “Seu monte” é o corpo que assumiu a nossa natureza, e no qual
agora habita, sublime e excelso acima de todo principado e potestade, e acima
de todo nome. Sobre este monte está edificada a cidade que não pode permanecer
oculta, pois como diz o Apóstolo: Ninguém
pode pôr outro fundamento além do que já foi posto, que é Jesus Cristo.
Portanto, como os que pertencem a Cristo foram eleitos no seu corpo antes da
fundação do mundo, e a Igreja é o corpo de Cristo, e Cristo é o fundamento de
nosso edifício - assim como a cidade edificada sobre o monte -, disto
concluímos que Cristo é aquele monte em que se perguntam quem poderá habitar.
Em outro salmo
lemos a respeito deste mesmo monte: Quem
pode subir ao monte do Senhor? Quem pode habitar no recinto sagrado? E
Isaías confirma a asserção dizendo: Ao
final dos tempos estará firme o monte da casa do Senhor e dirão: Vinde, subamos
ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó. E também Paulo afirma: Vós vos aproximastes do Monte Sião, a cidade
do Deus vivo, a Jerusalém do céu. Ora, se toda nossa esperança de repouso
se radica no corpo de Cristo, e se, por outro lado, temos de descansar no
monte, não podemos entender por “monte” nada mais que o corpo que Cristo
assumiu de nós, antes do qual era Deus, no qual era Deus, e mediante o qual
transformou nosso humilde corpo, segundo o protótipo do seu corpo glorioso,
contanto que cravemos em sua cruz os vícios de nosso corpo, para ressuscitar
conforme o seu modelo.
Com efeito, a
ele se ascende depois de haver pertencido à Igreja, nele se descansa a partir
da sublimidade do Senhor, nele seremos associados aos coros angélicos, quando
também formos cidade de Deus. Repousa-se, porque cessou a dor produzida pela
enfermidade, cessou o medo procedente da necessidade, e gozando todos da plena
harmonia, fruto da eternidade, descansarão nos bens fora dos quais nada mais se
pode desejar.
Por isso a
pergunta: Senhor, quem pode hospedar-se
em tua tenda e habitar em teu monte santo? Responde o Espírito Santo pela
boca do profeta: O que procede
honestamente e pratica a justiça. Portanto, na resposta nos é dito que
aquele que procede honestamente e vive afastado de qualquer mancha de pecado, é
aquele que, depois do banho batismal, não voltou a se manchar com nenhuma espécie
de imundície, mas permanece imaculado e resplandecente. Já é uma grande coisa
abster-se do pecado; contudo, não é este o descanso que segue o itinerário
estabelecido: na pureza de vida inicia-se o caminho, mas não é o seu ápice. De
fato, o texto continua: E pratica a
justiça. Não basta projetar o bem, é necessário colocá-lo em prática; e a
boa vontade não é suficiente para iniciá-lo: é mister levá-lo à perfeição.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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