quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 9

A reflexão sobre Jesus como Filho de Deus está no centro das Catequeses nn. 12-13 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo.

Para acessar a postagem introdutória, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO


12. Jesus Cristo, Filho de Deus
João Paulo II - 13 de maio de 1987

1. Como vimos nas Catequeses anteriores, o nome “Cristo”, na linguagem do Antigo Testamento, significa “Messias”. Israel, o povo de Deus da antiga aliança, viveu na expectativa da realização da promessa do Messias, que se cumpriu em Jesus de Nazaré. Por isso desde o começo Jesus é chamado “Cristo” - isto é, “Messias” - e foi aceito como tal por todos aqueles que “o receberam” (Jo 1,12).

2. Vimos que, segundo a tradição da antiga aliança, o Messias é Rei e que este Rei messiânico é chamado também Filho de Deus, nome que no âmbito do monoteísmo javista do Antigo Testamento tem um significado exclusivamente analógico, e mesmo metafórico. Não se trata nesses livros do Filho “gerado” por Deus, mas de alguém que Deus escolhe, confiando-lhe uma particular missão ou ministério.

Jesus Cristo, Filho Unigênito do Pai
(Viktor Vasnetsov)

3. Neste sentido também todo o povo é às vezes denominado “filho”, como, por exemplo, nas palavras de Yahweh a Moisés: “Tu dirás ao faraó: (...) Israel é meu filho, meu primogênito... deixa ir o meu filho para que me sirva” (Ex 4,22-23; cf. também Os 11,1; Jr 31,9). Se, pois, o rei é chamado “filho de Deus” na antiga aliança, é porque, na teocracia israelita, ele é um particular representante de Deus.

Vemo-lo, por exemplo, no Salmo 2, em relação à entronização do rei: “O Senhor me disse: ‘Tu és o meu filho, Eu hoje te gerei!’” (v. 7). Também no Salmo 88 lemos: “Ele (Davi) me invocará: ‘Tu és meu pai...’. Eu o constituirei como meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra” (vv. 27-28). Na sequência, o profeta Natã dirá a respeito da descendência de Davi: “Eu serei para ele pai e ele será para mim filho. Se proceder mal, Eu o castigarei...” (2Sm 7,14).

Todavia, no Antigo Testamento, através do seu significado analógico e metafórico, parece que a expressão “filho de Deus” diz respeito a outro, que permanece obscuro. Assim, no citado Salmo 2, Deus diz ao rei: “Tu és o meu filho, Eu hoje te gerei!” (v. 7); e, no Salmo 109: “Do seio, antes da aurora Eu te gerei” (v. 3).

4. É preciso ter presente este “pano de fundo” bíblico-messiânico para dar-se conta de que o modo de agir e de expressar-se de Jesus indica a consciência de uma realidade completamente nova.
Ainda que nos Evangelhos Sinóticos Jesus jamais se defina como Filho de Deus (assim como não se autodenomina Messias), de diversos modos Ele afirma e faz compreender que é o Filho de Deus, e não em sentido analógico ou metafórico, mas natural.

5. Ele inclusive enfatiza a exclusividade da sua relação filial com Deus. Nunca diz de Deus: “nosso Pai”, mas só “meu Pai”, ou então distingue: “meu Pai e vosso Pai”. Não hesita em afirmar: “Tudo me foi entregue por meu Pai” (Mt 11,27).

Esta exclusividade da relação filial com Deus se manifesta particularmente na oração, quando Jesus se dirige a Deus como Pai usando a palavra aramaica “Abbá”, que indica uma particular proximidade filial e, na boca de Jesus, constitui uma expressão da sua total entrega à vontade do Pai: “Abbá, Pai! Tudo te é possível. Afasta de mim este cálice!” (Mc 14,36).

Outras vezes Jesus usa a expressão “vosso Pai”; por exemplo: “como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36); “vosso Pai, que está nos céus” (Mc 11,25). Ele enfatiza assim o caráter específico da sua própria relação com o Pai, desejando ao mesmo tempo que esta paternidade divina se comunique a outros, como atesta a oração do “Pai nosso” que Jesus ensinou aos seus Apóstolos e seguidores.

6. A verdade sobre Cristo como Filho de Deus é o ponto de convergência de todo o Novo Testamento. Os Evangelhos, especialmente o Evangelho de João, e os escritos dos Apóstolos, de modo particular as Cartas de São Paulo, nos oferecem testemunhos explícitos. Nesta Catequeses nos centraremos apenas em algumas afirmações particularmente significativas que, em certo sentido, nos “abrem o caminho” para a descoberta da verdade sobre Cristo como Filho de Deus e nos aproximam da correta percepção desta “filiação”.

7. É importante constatar que a convicção da filiação divina de Jesus foi confirmada por uma voz do céu durante o batismo no Jordão (cf. Mc 1,11; Mt 3,17; Lc 3,22) e no monte da Transfiguração (cf. Mc 9,7; Mt 17,5; Lc 9,35). Em ambos casos, os evangelistas nos falam da proclamação feita pelo Pai acerca de Jesus, seu “Filho amado”.

Os Apóstolos tiveram uma confirmação análoga de parte dos espíritos malignos que protestavam contra Jesus: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos arruinar? Eu sei quem tu és: o Santo de Deus!” (Mc 1, 24). “Que queres de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?” (Mc 5,7).

8. Se depois escutamos o testemunho dos homens, merece especial atenção a confissão de Simão Pedro próximo a Cesareia de Filipe: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Note-se que esta profissão de fé foi confirmada de modo insolitamente solene por Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17).

Não se trata de um fato isolado. No mesmo Evangelho de Mateus lemos que, ao ver Jesus caminhar sobre as águas do lago de Genesaré, acalmar o vento e salvar Pedro, os Apóstolos se prostraram diante do Mestre, dizendo: “Verdadeiramente tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33).

9. Assim, pois, aquilo que Jesus fazia e ensinava alimentava nos Apóstolos a convicção de que Ele era não só o Messias, mas também o verdadeiro “Filho de Deus”. E Jesus confirmou tal convicção.

Foram precisamente algumas das afirmações proferidas por Jesus que suscitaram contra Ele a acusação de blasfêmia. Disso resultaram momentos particularmente dramáticos, como atesta o Evangelho de João, onde se lê que os judeus “procuravam matá-lo, porque não só violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5,18).

O mesmo problema foi levantado no processo movido contra Jesus diante do Sinédrio: Caifás, sumo sacerdote, o interpelou: “Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus”. A esta pergunta, Jesus responde simplesmente: “Tu o disseste”, isto é, “Sim, Eu sou” (cf. Mt 26,63-64). Também no processo diante de Pilatos, embora houvesse outra acusação, isto é, a de fazer-se proclamar rei, os judeus repetem a acusação fundamental: “Nós temos uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus” (Jo 19,7).

10. Assim, podemos dizer que definitivamente Jesus morreu na cruz pela verdade acerca da sua filiação divina. Ainda que a inscrição colocada sobre a cruz, a declaração oficial da condenação, dizia: “Jesus Nazareno, o Rei dos judeus”, São Mateus faz notar que “os que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça e dizendo: ‘(...) Se és o Filho de Deus, desce da cruz” (Mt 27,39-40). E ainda: “Confiou em Deus, que o livre agora, se é que o ama! De fato, Ele disse: ‘Eu sou Filho de Deus’” (v. 43).

Esta verdade se encontra no centro do acontecimento do Gólgota. No passado foi objeto da convicção, da proclamação e do testemunho dado pelos Apóstolos, agora se converteu em objeto de escárnio. E, no entanto, também aqui, o centurião romano que vigia a agonia de Jesus e ouve as palavras com as quais Ele se dirige ao Pai, no momento da morte, ele - um pagão - oferece um último e surpreendente testemunho da identidade divina de Cristo: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39).

11. As palavras do centurião romano sobre a verdade fundamental do Evangelho e de todo o Novo Testamento nos remetem àquelas que o Anjo dirige a Maria no momento da Anunciação: “Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo...” (Lc 1,31-32). E quando Maria pergunta “Como acontecerá isso?”, o mensageiro lhe responde: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus” (vv. 34-35).

12. Em virtude da consciência que Jesus tinha de ser Filho de Deus no sentido real, natural da palavra, Ele “dizia que Deus era seu Pai...” (Jo 5,18). Com a mesma convicção, não hesitou em dizer aos seus adversários e acusadores: “Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo 8,58).
Neste “Eu sou” está a verdade sobre a filiação divina que precede não só o tempo de Abraão, mas todo tempo e toda a existência criada.

Dirá São João na conclusão do seu Evangelho: “Estes (sinais) foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo 20,31).

13. No coração do testemunho evangélico
João Paulo II - 20 de maio de 1987

1. O ciclo das Catequeses sobre Jesus Cristo aproxima-se gradualmente do seu centro, permanecendo em relação constante com o artigo do Símbolo no qual confessamos: “Creio em... Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus”. As Catequeses anteriores nos prepararam para esta verdade central, mostrando antes de tudo o caráter messiânico de Jesus de Nazaré. Verdadeiramente a promessa do Messias - presente em toda a Revelação da antiga aliança como principal conteúdo das expectativas de Israel - encontra seu cumprimento n’Aquele que costumava autodenominar-se “Filho do homem”.

À luz das obras e das palavras de Jesus fica cada vez mais claro que Ele é, ao mesmo tempo, o verdadeiro Filho de Deus. Esta é uma verdade muito difícil de admitir para uma mentalidade enraizada em um rígido monoteísmo religioso, como era a mentalidade dos israelitas contemporâneos de Jesus. Nossas Catequeses sobre Jesus Cristo entram agora justamente no âmbito desta verdade, que determina a novidade essencial do Evangelho - e da qual depende toda a originalidade do Cristianismo como religião fundada na fé no Filho de Deus que se fez homem por nós.

2. Os Símbolos da fé se centram nesta verdade fundamental a respeito de Jesus Cristo.
No Símbolo Apostólico confessamos: “Creio em Deus, Pai todo-poderoso... e em Jesus Cristo, seu único Filho...”. Só sucessivamente o Símbolo Apostólico enfatiza o fato de que o Filho Unigênito do Pai é o mesmo Jesus Cristo como Filho do homem: “Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria”.

O Símbolo Niceno-Constantinopolitano expressa a mesma realidade com palavras ligeiramente distintas: “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus: e se encarnou (em latim: incarnatus est) pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”.

Antes ainda, no entanto, o mesmo Símbolo apresenta de modo muito mais amplo a verdade da filiação divina de Jesus Cristo, Filho do homem: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso... Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas”. Estas últimas palavras enfatizam ainda mais a unidade na divindade do Filho com o Pai, que é “criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”.

3. Os Símbolos expressam a fé da Igreja de modo conciso, mas, precisamente graças à sua concisão, captam as verdades mais essenciais: aquelas que constituem como que a “medula”, o “núcleo da fé cristã, a plenitude e o ápice da autorrevelação de Deus. Segundo a expressão do autor da Carta aos Hebreus, “muitas vezes e de muitos modos Deus falou outrora” e, por fim, falou à humanidade “por meio do Filho” (Hb 1,1-2). Difícil não reconhecer indicada aqui a autêntica plenitude da Revelação. Deus não só fala de Si por meio dos homens chamados a falar em seu nome, mas, em Jesus Cristo, Deus mesmo, falando “por meio do Filho”, se torna o sujeito da Palavra que revela. Ele mesmo fala de Si mesmo. Sua palavra contém em si a autorrevelação de Deus, autorrevelação em sentido estrito e imediato.

4. Essa autorrevelação de Deus constitui a grande novidade e “originalidade” do Evangelho. Professando a fé com as palavras dos Símbolos, tanto o Apostólico como o Niceno-Constantinopolitano, a Igreja bebe plenamente do testemunho evangélico e atinge a sua essencial profundidade. À luz deste testemunho, ela professa e dá testemunho de Jesus Cristo como Filho, que é “consubstancial ao Pai”. O nome “Filho de Deus” podia ser usado - e o foi - também em sentido amplo, como se vê em alguns textos do Antigo Testamento (Sb 2,18; Eclo 4,11; Sl 81,6; e, com maior clareza: 2Sm 7,14; Sl 2,7; Sl 109,3). O Novo Testamento, especialmente os Evangelhos, falam de Jesus Cristo como Filho de Deus em sentido estrito e pleno: Ele é “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”.

5. Prestaremos atenção agora a esta verdade central da fé cristã analisando o testemunho do Evangelho a partir deste ponto de vista. Trata-se, antes de tudo, do testemunho do Filho sobre o Pai e, em particular, do testemunho de uma relação filial que é própria d’Ele e somente d’Ele.

De fato, tão significativas como as palavras de Jesus: “Ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27), são estas outras: “Ninguém conhece o Filho senão o Pai” (ibid.). É o Pai quem realmente revela o Filho. Cabe observar que no mesmo contexto são relatadas as palavras de Jesus: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25; cf. Lc 10,21-22). São palavras que Jesus pronuncia - como anota o evangelista - com particular alegria de coração: “Naquela hora, Jesus exultou no Espírito Santo” (Lc 10,21).

6. A verdade sobre Jesus Cristo, Filho de Deus, pertence, portanto, à própria essência da Revelação trinitária. Nela e mediante ela Deus revela a Si mesmo como unidade da inescrutável Trindade: do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Assim, pois, a fonte definitiva do testemunho que os Evangelhos (e todo o Novo Testamento) dão de Jesus Cristo como Filho de Deus é o próprio Pai: o Pai que conhece o Filho e a Si mesmo no Filho. Jesus, revelando o Pai, compartilha de certo forma conosco o conhecimento que o Pai tem de Si mesmo no seu eterno e Unigênito Filho. Mediante esta eterna filiação, Deus é eternamente Pai. Verdadeiramente, com espírito de fé e de alegria, admirados e comovidos, façamos nossa a confissão de Jesus: “Tudo foi confiado a ti pelo Pai, ó Jesus, Filho de Deus, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem o Pai senão o Filho e aquele a quem Tu, o Filho, o quiser revelar”.

Crucificação (Paolo Veneziano):
“Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (13 de maio e 20 de maio de 1987).

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