O Papa São João Paulo II prosseguiu sua reflexão sobre a relação entre o Pai e o Filho nas Catequeses nn. 18-19 sobre Jesus Cristo.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
18. Jesus Cristo, Filho
intimamente unido ao Pai
João Paulo II - 08 de julho de
1987
1. “Abbá, meu Pai”: tudo o
que dissemos na Catequese anterior nos permite penetrar mais profundamente na
única e excepcional relação do Filho com o Pai, que encontra sua expressão nos
Evangelhos - tanto nos Sinóticos como em João - e em todo o Novo Testamento. Se
no Evangelho de João são mais numerosas as passagens que destacam esta
relação (poderíamos dizer “em primeira pessoa”), nos Sinóticos, porém, se encontra
a frase que parece conter a chave desta questão: “Ninguém conhece o Filho, senão
o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser
revelar (Mt 11,27; Lc 10,22).
O Filho, pois, revela o Pai como Aquele que o “conhece”
e enviou-o como Filho para “falar” aos homens por meio d’Ele (cf. Hb 1,2)
de forma nova e definitiva. Mais ainda: precisamente este Filho Unigênito o Pai
“o entregou” para a salvação do mundo, a fim de que o homem alcance n’Ele e por
meio d’Ele a vida eterna (cf. Jo 3,16).
Trindade (Lorenzo Lotto) Note-se atrás de Cristo a silhueta do Pai |
2. Muitas vezes, mas especialmente
durante a Última Ceia, Jesus insiste em dar a conhecer aos seus discípulos que
está unido al Pai por um vínculo de particular pertença. “Tudo
o que é meu, é teu; e tudo o que é teu, é meu” (Jo 17,10), diz na
oração sacerdotal, despedindo-se dos Apóstolos para ir ao encontro da sua
Paixão. E pede então a unidade para os seus discípulos, atuais e futuros, com palavras
que destacam o vínculo dessa união e “comunhão” com aquela existente entre o Pai
e o Filho. Ele, com efeito, pede: “Que todos sejam um, como Tu, Pai,
estás em mim, e Eu em ti. Que também eles estejam em nós, a fim de que o
mundo creia que Tu me enviaste. Eu lhes dei a glória que Tu me deste, para que
eles sejam um, como nós somos um. Eu neles e Tu em mim, sejam,
assim, consumados na unidade, e o mundo reconheça que Tu me enviaste e os amaste,
como amaste a mim” (Jo 17,21-23).
3. Rezando pela unidade dos seus
discípulos e testemunhas, Jesus ao mesmo tempo revela que unidade, que “comunhão”
existe entre Ele e o Pai: o Pai está “no” Filho e o Filho está “no” Pai.
Esta particular “imanência”, a recíproca compenetração - expressão da comunhão
das pessoas - revela a medida da recíproca pertença e a intimidade da recíproca
realização do Pai e do Filho. Jesus a explica afirmando: “Tudo o que é
meu, é teu; e tudo o que é teu, é meu” (Jo 17,10). É uma relação de
posse recíproca na unidade da essência e, ao mesmo tempo, é uma relação de
dom. Com efeito, Jesus diz: “Agora eles reconhecem que tudo quanto me deste
vem de ti” (Jo 17,7).
4. Podemos perceber no Evangelho
de João os sinais da atenção, do assombro e do recolhimento com que os
Apóstolos escutaram estas palavras de Jesus no Cenáculo de Jerusalém na véspera
dos acontecimentos pascais. Mas a verdade da oração sacerdotal de certa forma já
havia sido expressa publicamente por Jesus anteriormente no dia
da solenidade da dedicação do templo. Ao desafio dos presentes: “Se tu és o Cristo,
dize-nos abertamente”, Jesus responde: “Eu já vos disse, mas vós não credes.
As obras que Eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo
10,24-25). A seguir Jesus afirma que aqueles que o ouvem e creem n’Ele pertencem
ao seu rebanho em virtude de um dom do Pai: “Minhas ovelhas ouvem a minha voz.
Eu as conheço e elas me seguem... Meu Pai, me as deu a mim, é maior do que
todos, e ninguém pode arrancá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um” (vv.
26.29-30).
5. A reação dos adversários neste
caso é violenta: “Apanharam pedras para apedrejá-lo”. Jesus lhes pergunta por
quais obras provenientes do Pai e realizadas por Ele querem apedrejá-lo, e eles
respondem: “Por causa da blasfêmia, pois tu, sendo apenas homem, te fazes
Deus” (vv. 31-33). A resposta de Jesus é inequívoca: “Se não faço as obras
do meu Pai, não creiais em mim; mas, se Eu as faço, mesmo que não queirais crer
em mim, crede nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai
está em mim e Eu no Pai” (vv. 37-38).
6. Notemos bem o significado deste
ponto crucial da vida e da revelação de Cristo. A verdade sobre o particular
vínculo, sobre a particular unidade que existe entre o Filho e o Pai, encontra a
oposição dos judeus: “Se tu és o Filho no sentido que resulta das tuas palavras,
então tu, sendo homem, te fazes Deus. Neste caso, tu proferes a maior das blasfêmias”.
Os ouvintes, portanto, compreenderam o sentido das palavras de Jesus de
Nazaré: como Filho, Ele é “Deus de Deus” - “da mesma natureza do
Pai” -, e precisamente por isso não as aceitaram, antes, as rejeitaram da forma
mais absoluta, com toda a firmeza. Ainda que no conflito daquele momento não tenha
chegado ao apedrejamento (cf. Jo 10,39), todavia, no dia
seguinte à oração sacerdotal no Cenáculo, Jesus será submetido à morte na cruz.
E os judeus presentes gritarão: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz” (Mt 27,40),
e comentarão com escárnio: “Confiou em Deus; que o livre agora, se é que o ama!
De fato, Ele disse ‘Eu sou Filho de Deus’” (v. 43).
7. Também na hora do Calvário Jesus
afirma a unidade com o Pai. Como lemos na Carta aos Hebreus: “Mesmo
sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência por aquilo que Ele
sofreu” (Hb 5,8). Mas esta “obediência até a morte” (cf. Fl 2,8)
era a ulterior e definitiva expressão da intimidade da sua união com o Pai.
Com efeito, segundo o texto de Marcos, durante a agonia na cruz, Jesus
gritou: “Eloí, Eloí, lemá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Este grito - ainda que as palavras
manifestem o sentido do abandono provado na sua psicologia de homem sofredor por
nós - era a expressão da mais íntima união do Filho com o Pai no
cumprimento do seu mandato: “Eu levei a termo a obra que me deste a fazer” (cf. Jo 17,4).
Naquele momento a unidade do Filho com o Pai se manifestou com uma definitiva
profundidade divino-humana no mistério da redenção do mundo.
8. Ainda no Cenáculo, Jesus diz aos
Apóstolos: “Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se vós me conheceis, conhecereis
também o meu Pai”. Filipe lhe disse: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta”.
Jesus lhe respondeu: “Filipe, há tanto tempo estou convosco e não me conheces? Quem
me viu, viu o Pai... Não crês que Eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14,6-10).
“Quem me viu, viu o Pai”. O
Novo Testamento está inteiramente marcado pela luz desta verdade evangélica. O Filho
é “resplendor da glória do Pai”, é “expressão do seu ser” (Hb 1,3).
É “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15). É a epifania de Deus.
Quando se fez homem, “assumindo a forma de servo” e “fazendo-se obediente até a
morte” (Fl 2,7-8), Ele tornou-se ao mesmo tempo, para todos que o escutaram,
“o Caminho”: o caminho para o Pai, com o qual é “a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
Na cansativa subida para conformar-se à imagem de Cristo, os que creem n’Ele,
como diz São Paulo, “se revestem do homem novo” e “se renovam sem cessar, para alcançar
um conhecimento cada vez mais perfeito de Deus” (cf. Cl 3,10), segundo
a imagem d’Aquele que é o “modelo”. Este é o sólido fundamento da esperança
cristã.
19. Jesus Cristo, Filho que “vive
para o Pai”
João Paulo II - 15 de julho de
1987
1. Na Catequese anterior
consideramos Jesus Cristo como Filho intimamente unido ao Pai. Esta união lhe
permite e lhe exige dizer: “O Pai está em mim e Eu estou no Pai”, não
só na conversação confidencial no Cenáculo (cf. Jo 14,10-11), mas também
na declaração pública feita durante a celebração da Festa das Tendas (cf. Jo 7,28-29).
Jesus chega a afirmar ainda mais claramente: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
Essas palavras são consideradas blasfemas e provocam a reação violenta dos ouvintes:
“Apanharam pedras para apedrejá-lo” (v. 31). Com efeito, segundo a lei de
Moisés a blasfêmia deveria ser punida com a morte (cf. Dt 13,10-11).
2. É importante reconhecer que
existe um vínculo orgânico entre a verdade dessa íntima união do Filho com o Pai
e o fato de que Jesus-Filho vive totalmente “para o Pai”. Sabemos,
com efeito, que toda a vida, toda a existência terrena de Jesus está constantemente
voltada para o Pai, é uma doação ao Pai sem reservas. Já aos
12 anos, Jesus, Filho de Maria, tem uma consciência precisa da sua relação com o
Pai e assume uma atitude coerente com a sua certeza interior. Por isso, diante da
reprovação da sua Mãe, quando junto a José o encontra no templo depois de tê-lo
buscado por três dias, responde: “Não sabíeis que Eu devo estar naquilo que é
de meu Pai?” (Lc 2,49).
3. Também na Catequese de hoje nos
referimos sobretudo ao texto do Quarto Evangelho, porque a consciência e
a atitude manifestadas por Jesus aos 12 anos encontram sua profunda raiz naquilo
que lemos no início do grande discurso de despedida que, segundo João, Ele pronunciou
durante a Última Ceia, no final da sua vida, quando estava para levar a cumprimento
sua missão messiânica. O evangelista diz que, “chegada a sua hora” (cf. Jo
13,1), Ele sabia “que o Pai tinha entregue tudo em suas mãos e
que saíra de junto de Deus e para Deus voltava” (v. 3).
A Carta aos Hebreus enfatiza
a mesma verdade, referindo-se de certo modo à própria preexistência de Jesus, Filho
de Deus: “Ao entrar no mundo, Cristo declara: (...) ‘Não foram do teu agrado holocaustos
nem sacrifícios pelo pecado. Então Eu disse: Eis que venho, ó Deus, para
fazer a tua vontade, como no livro está escrito a meu respeito’” (Hb 10,5-7).
4. “Fazer a vontade” do
Pai, nas palavras e nas obras de Jesus, quer dizer “viver para” o
Pai totalmente. “Como o Pai, que vive, me enviou e Eu vivo pelo Pai...” (Jo 6,57),
diz Jesus no contexto do anúncio da instituição da Eucaristia. Que cumprir a vontade
do Pai seja sua própria vida, Ele mesmo o manifesta com as palavras dirigidas aos
discípulos depois do encontro com a samaritana: “O meu alimento é fazer
a vontade d’Aquele que me enviou e leva a termo sua obra” (Jo 4,34).
Jesus vive da vontade do Pai. Este é o seu “alimento”.
5. E Ele vive deste modo - ou seja,
totalmente voltado para o Pai - porque “saiu” do Pai e “vai” ao Pai, sabendo
que o Pai “entregou tudo em suas mãos” (Jo 3,35). Deixando-se
guiar em tudo por essa consciência, Jesus proclama diante dos filhos de Israel:
“Eu tenho um testemunho maior que o de João (isto é, maior do que aquele que lhes
deu João Batista): as obras que o Pai me deu para levá-las a termo, essas
mesmas obras que Eu faço, dão testemunho em meu favor, de que o Pai me enviou”
(Jo 5,36). E, no mesmo contexto: “Em verdade, em verdade vos digo: o
Filho não pode fazer nada por si mesmo; Ele faz apenas o que vê o Pai fazer. O que o Pai faz, o Filho faz de
modo semelhante” (v. 19). E acrescenta: “Como o Pai ressuscita os mortos e os
faz viver, o Filho também faz viver a quem Ele quer” (v. 21).
6. A passagem do discurso eucarístico
(Jo 6) que citamos há pouco: “Como o Pai, que vive, me enviou e Eu
vivo pelo Pai...” (Jo 6,57), às vez se traduz de outra forma: “Eu
vivo por meio do Pai”. As palavras de Jo 5 que acabamos de
mencionar se harmonizam com esta segunda interpretação. Jesus vive “por meio do
Pai” - no sentido de que tudo o que faz corresponde plenamente à vontade
do Pai: é o que o próprio Pai faz. Precisamente por isso a vida
humana do Filho, o seu agir, a sua existência terrena, está dirigida de modo tão
completo ao Pai - Jesus vive plenamente “para o Pai” - porque n’Ele a fonte de
tudo é sua eterna unidade com o Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
As suas obras são a prova da estreita comunhão das Pessoas divinas. Nelas a
mesma divindade se manifesta como unidade do Pai e do Filho, verdade
que provocou tanta oposição entre os seus ouvintes.
7. Quase em previsão das ulteriores
consequências dessa oposição, Jesus diz em outro momento do seu conflito com os
judeus: “Quando tiverdes levantado o Filho do Homem,
então sabereis que ‘Eu sou’ e que nada faço por mim mesmo, mas falo
conforme o Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo.
Ele não me deixou só, porque Eu sempre faço o que é do seu agrado” (Jo 8,28-29).
8. Verdadeiramente Jesus cumpriu a
vontade do Pai até o fim. Com a Paixão e Morte na cruz confirmou “que fazia sempre
o que era do agrado do Pai”: cumpriu a vontade salvífica para a redenção
do mundo, na qual o Pai e o Filho estão unidos porque eternamente são
“um só” (Jo 10,30). Quando estava morrendo na cruz, Jesus “clamou
com voz forte: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’” (Lc 23,46).
Estas suas últimas palavras testemunham que, até o fim, toda a sua existência
terrena estava orientada ao Pai. Vivendo - como Filho - “por meio do Pai”, vivia
totalmente “para o Pai”. E o Pai, como Ele havia predito, “não o
deixou só”. No Mistério Pascal da Morte e Ressurreição se cumpriram as palavras:
“Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então sabereis que ‘Eu sou’”. “Eu
sou”: as mesmas palavras com as quais uma vez o Senhor - o Deus vivo - respondera
à pergunta de Moisés a respeito do seu nome (cf. Ex 3,13-14).
9. Lemos na Carta aos Hebreus
expressões extremamente reconfortantes: “Por isso Ele (Jesus) tem poder ilimitado
para salvar aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, pois
vive sempre para interceder por eles” (Hb 7,25). Aquele que como Filho
“da mesma natureza do Pai” vive “por meio do Pai”, revelou ao homem o caminho da
salvação eterna. Empreendamos também nós este caminho e permaneçamos nele,
participando nessa vida “para o Pai”, cuja plenitude dura para
sempre em Cristo.
O Filho diante do Pai (Basílica do Getsêmani) |
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (08 de julho e 15 de julho de 1987).
Nenhum comentário:
Postar um comentário