Nesta
postagem propomos as Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos das Vésperas
da quinta-feira da IV semana do Saltério, proferidas nos dias 30 de novembro
(Sl 136) e 07 de dezembro de 2005 (Sl 137).
Como afirmamos anteriormente, não
foram retomados os cânticos do Apocalipse, sobre os quais João Paulo II já
havia refletido.
157. Junto dos rios da Babilônia: Sl 136(137),1-6
30 de novembro de 2005
1. Nesta primeira
quarta-feira do Advento, tempo litúrgico de silêncio, vigilância e oração em
preparação para o Natal, meditamos o Salmo 136, que se tornou célebre na versão
latina do seu início, Super flumina
Babylonis. O texto recorda a tragédia vivida pelo povo hebraico durante a
destruição de Jerusalém, que aconteceu em 586 a. C., e o sucessivo e
consequente exílio na Babilônia. Estamos diante de um canto nacional de
sofrimento, marcado por uma saudade crescente do que se perdeu.
Esta insistente invocação ao
Senhor para que liberte os seus fiéis da escravidão babilônica, exprime bem
também os sentimentos de esperança e de expectativa da salvação com os quais
iniciamos o nosso caminho do Advento.
A primeira parte do Salmo
(vv. 1-4) tem como pano de fundo a terra do exílio, com os seus rios e canais,
precisamente os que irrigam a planície babilônica, sede dos deportados hebreus.
É quase a antecipação simbólica dos campos de extermínio nos quais o povo
hebreu - no século que há pouco terminou - foi encaminhado através de uma
opressão aviltante de morte, que permaneceu como vergonha indelével na história
da humanidade.
A segunda parte do Salmo (vv.
5-6), ao contrário, está impregnada pela recordação amorosa de Sião, a cidade
perdida mas viva no coração dos exilados.
"Junto aos rios da Babilônia" (Gebhard Fugel) |
2. Nas palavras do salmista
estão incluídos a mão, a língua, a boca, a voz, as lágrimas. A mão é
indispensável para quem toca a harpa: mas agora ela está paralisada pela dor (v.
5), também porque as harpas estão penduradas nos salgueiros.
A língua é necessária ao
cantor, mas agora está “colada ao céu da boca” (v. 6). Em vão os “opressores”
babilônicos “pediram nossos cânticos... exigiam alegria” (v. 3). Os “cânticos
de Sião” são “cânticos do Senhor” (vv. 3-4), não são canções folclóricas e de
espetáculo. Só na Liturgia e na liberdade de um povo podem elevar-se ao céu.
3. Deus, que é o último
árbitro da história, saberá compreender e acolher segundo a sua justiça também
o grito das vítimas, além dos acentos ásperos que por vezes ele assume.
Gostaríamos de nos confiar a
Santo Agostinho para uma ulterior meditação sobre o nosso Salmo. Nela o grande
Padre da Igreja introduz uma nota surpreendente e de grande atualidade: ele
sabe que entre os habitantes da Babilônia se encontram pessoas que se
comprometem pela paz e pelo bem da comunidade, mesmo se não partilham a fé
bíblica, isto é, se não conhecem a esperança da cidade eterna pela qual nós
aspiramos. Eles levam consigo uma centelha de desejo do desconhecido, do maior,
do transcendente, de uma verdadeira redenção. E ele diz que também entre os
perseguidores, entre os não-crentes, existem pessoas com esta centelha, com uma
espécie de fé, de esperança, na medida que lhes é possível nas circunstâncias
em que vivem. Com esta fé, também em uma realidade desconhecida, eles estão
realmente a caminho rumo à verdadeira Jerusalém, a Cristo.
E com esta abertura de
esperança também para os babilônicos - como lhes chama Agostinho -, para os que
não conhecem Cristo, nem sequer Deus, e todavia desejam o desconhecido, o
eterno, ele adverte-nos também a nós que não nos fixemos simplesmente nas
coisas materiais do momento presente, mas que perseveremos no caminho para
Deus. Só com esta esperança maior podemos também, do modo justo, transformar
este mundo. Santo Agostinho diz isto com as seguintes palavras: “Se somos
cidadãos de Jerusalém... e devemos viver nesta terra, na confusão do mundo
presente, na atual Babilônia, onde não habitamos como cidadãos, mas somos
presos, é preciso que quanto foi dito pelo Salmo não só o cantemos, mas
vivamos: o que se faz com uma aspiração profunda do coração, plena e
religiosamente desejoso da cidade eterna”.
E acrescenta em relação à
“cidade terrestre, chamada Babilônia”: ela “tem pessoas que, movidas pelo amor
por ela, se esforçam para garantir a paz - a paz temporal - sem alimentar no coração
outra esperança, aliás, pondo nisto toda a sua alegria, sem promover outra
coisa. E nós vemo-los fazer todos os esforços para se tornarem úteis à
sociedade terrena. Mas, se se esforçam com consciência pura nestas tarefas,
Deus não permitirá que pereçam com Babilônia, tendo-os predestinado para serem
cidadãos de Jerusalém: mas contanto que, vivendo na Babilônia, não tenham a
ambição da soberba, a pompa caduca e a arrogância irritante... Ele vê a sua
disponibilidade e lhes mostrará a outra cidade, pela qual devem verdadeiramente
suspirar e à qual devem orientar todos os seus esforços” (Exposições sobre os Salmos, 136, 1-2; Nova Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma, 1977, pp. 397.399).
Peçamos ao Senhor que
desperte em todos nós este desejo, esta abertura a Deus, e que também os que
não conhecem a Cristo possam ser tocados pelo seu amor, para que todos juntos
nos coloquemos em peregrinação para a cidade definitiva e a luz desta cidade
possa surgir também neste nosso tempo e neste nosso mundo.
158. Ação de graças: Sl 137(138),1-8
07 de dezembro de 2005
1. Colocado pela tradição
judaica sob o patrocínio de Davi, embora provavelmente tenha surgido numa época
sucessiva, o hino de ação de graças que agora escutamos e que constitui o Salmo
137, abre-se com um cântico pessoal do orante. Ele eleva a sua voz no âmbito da
assembleia do templo ou, pelo menos, tendo como referência o santuário de Sião,
sede da presença do Senhor e do seu encontro com o povo dos fiéis.
De fato, o salmista confessa:
“ante o vosso templo vou prostrar-me” (v. 2); ele canta diante de Deus que está
nos céus com a sua corte de anjos (v. 1), mas que também está à escuta no
espaço terreno do templo de Jerusalém. O orante tem a certeza de que o “nome”
do Senhor, isto é, a sua realidade pessoal, viva e operante, e as suas virtudes,
a fidelidade-verdade e a misericórdia-amor, sinais da aliança com o seu povo,
são a base de qualquer confiança e esperança (v. 2).
2. O olhar dirige-se então,
por um instante, ao passado, ao dia do sofrimento: o grito do fiel angustiado
tinha sido então respondido pela voz divina. Ela tinha infundido coragem na
alma perturbada (v. 3). O original hebraico fala literalmente do Senhor que
“agita a força na alma” do justo oprimido: é como se fosse a irrupção de um
vento impetuoso que elimina as hesitações e os receios, imprime uma energia
vital nova, faz florescer a fortaleza e a confiança.
Depois desta promessa
aparentemente pessoal, o salmista alarga o olhar ao mundo e imagina que o seu
testemunho envolve todo o horizonte: “os reis de toda a terra”, em uma espécie
de adesão universalista, se associam ao orante hebreu num louvor comum em honra
da grandeza e do poder soberano do Senhor (vv. 4-6).
3. O conteúdo deste louvor
coral, que se eleva de todos os povos, já mostra a futura Igreja universal.
Este conteúdo tem como primeiro tema a “glória” e os “caminhos” do Senhor (v.
5), isto é, os seus projetos de salvação e a sua revelação. Assim, descobre-se
que Deus é certamente “Altíssimo” e transcendente, mas “olha os pobres” com
afeto, enquanto afasta do seu rosto o soberbo, em sinal de rejeição e de
julgamento (v. 6).
Como proclamava Isaías:
“Pois assim diz Aquele que está no alto, lá em cima, Aquele que mora na
eternidade e que tem um nome santo: Eu moro na Altura santa, mas estou com os
oprimidos e humilhados, para reanimar o espírito dos humilhados e reanimar o
coração dos oprimidos” (Is 57,15).
Por conseguinte, Deus escolhe declarar-se em defesa dos débeis, das vítimas,
dos últimos: isto é dado a conhecer a todos os reis, para que saibam qual deve
ser a sua posição ao governar as nações.
Naturalmente isto é dito não
só aos reis e a todos os governos, mas a todos nós, porque também nós devemos
saber que escolha fazer, qual é a opção: colocarmo-nos ao lado dos humildes, dos
últimos, dos pobres e fracos.
4. Depois desta interpelação,
a nível mundial, aos responsáveis das nações, não só daquele tempo, mas de
todos os tempos, o orante volta ao louvor pessoal (vv. 7-8). Com um olhar que
se orienta para o futuro da sua vida, ele implora a ajuda de Deus também para
as provações que a existência ainda vai apresentar. E todos nós rezamos assim
com este orante daquele tempo.
Fala-se de modo sintético da
“ira dos inimigos” (v. 7), uma espécie de símbolo de todas as hostilidades que
podem apresentar-se ao justo durante o seu caminho na história. Mas ele sabe -
e com ele também nós sabemos - que o Senhor jamais o abandonará e que estenderá
a sua mão para ampará-lo e guiar. O fim do Salmo é, então, uma última e apaixonada
profissão de confiança em Deus, cuja bondade é “para sempre”: Ele “não deixará
inacabada a obra de suas mãos”, isto é, sua criatura (v. 8). Nesta confiança,
nesta certeza da bondade de Deus, devemos viver também nós.
Podemos estar seguros de
que, por mais pesadas e tempestuosas que sejam as provas que nos esperam, nós
jamais seremos abandonados, nunca agiremos fora das mãos do Senhor, aquelas
mãos que nos criaram e que agora nos acompanham no itinerário da vida. Como
confessará São Paulo: “Deus, que em vós começou esse bom trabalho, vai
continuá-lo até que seja concluído” (Fl
1,6).
5. Assim, também nós rezamos
com o Salmo de louvor, de ação de graças e de confiança. Desejamos continuar a
fazer correr este fio de louvor hínico através do testemunho de um cantor
cristão, o grande Efrém, o Sírio (século IV), autor de textos de extraordinária
elevação poética e espiritual.
“Por maior que seja a nossa
admiração por ti, ó Senhor, / a tua glória supera o que os nossos lábios podem
expressar”, canta Efrém em um hino (Hinos
sobre a Virgindade, 7: A harpa do Espírito, Roma, 1999, p. 66),
e em outro: “Louvor a ti, para quem todas as coisas são fáceis, / porque tu és
onipotente” (Hinos sobre a Natividade,
11: ibid., p. 48), e este é o último
motivo da nossa confiança, que Deus tem o poder da misericórdia e usa o seu
poder para a misericórdia. Por fim, mais uma citação: “Louvor a ti de todos os
que compreendem a tua verdade” (Hinos
sobre a Fé, 14: ibid., p. 27).
"Ante o vosso templo vou prostrar-me" (Sl 137,2) (Parábola do fariseu e do publicano - Barent Fabritius) |
Fonte: Santa Sé (30 de novembro e 07 de dezembro de 2005).
Nenhum comentário:
Postar um comentário