Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 20 de fevereiro de 2022
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho da Liturgia de hoje (Lc 6,27-38), Jesus dá aos discípulos
algumas indicações fundamentais para a vida. O Senhor refere-se às situações
mais difíceis, aquelas que constituem um teste para nós, aquelas que nos põem
diante de quem nos é inimigo e hostil, de quem procura sempre fazer-nos mal.
Nestes casos, o discípulo de Jesus é chamado a não ceder ao instinto e ao ódio,
mas a ir além, muito além. Ir além do instinto, ir além do ódio. Jesus diz:
«Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam» (Lc 6,27).
E ainda mais concretamente: «Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a
outra» (v. 29). Quando ouvimos isto, parece-nos que o Senhor pode o impossível.
E depois, por que amar os inimigos? Se não se reagir aos prepotentes, qualquer
abuso tem livre trânsito, e isso não é correto. Mas será mesmo assim? Será que
o Senhor nos pede realmente coisas que são impossíveis, e
aliás injustas? É assim?
Consideremos antes de tudo o sentimento
de injustiça que percebemos ao “oferecer a outra face”. E
pensemos em Jesus. Durante a sua Paixão, no seu injusto julgamento perante o
sumo sacerdote, a certo ponto recebe uma bofetada de um dos guardas. E como se
comporta Ele? Não o insulta, não; diz ao guarda: «Se falei mal, prova-o. Mas se
falei bem, por que me bates?» (Jo 18,23). Pergunta o motivo sobre o
mal recebido. Oferecer a outra face não significa sofrer em silêncio, ceder à
injustiça. Com a sua pergunta Jesus denuncia o que é injusto. Fá-lo sem
raiva nem violência, mas com gentileza. Ele não quer desencadear
uma discussão, mas desanuviar o rancor, isto é importante:
extinguir o ódio e ao mesmo tempo a injustiça, procurando recuperar o irmão
culpado. Isto não é fácil, mas Jesus fê-lo e diz-nos para fazê-lo também nós.
Isto significa oferecer a outra face: a mansidão de Jesus é uma resposta mais
forte do que a bofetada que recebeu. Oferecer a outra face não é o recuo do
perdedor, mas a ação de quem tem mais força interior. Oferecer a outra face é
vencer o mal com o bem, abrindo uma brecha no coração do inimigo, desmascarando
o absurdo do seu ódio. E esta atitude, oferecer a outra face, não é ditada pelo
cálculo nem pelo ódio, mas pelo amor. Estimados irmãos e irmãs, é o amor
gratuito e imerecido que recebemos de Jesus, que gera no coração um modo de
agir semelhante ao seu, que rejeita qualquer vingança. Estamos habituados às
vinganças: “Fizeste-me isto, te farei aquilo”, ou a guardar ressentimentos no
coração, um rancor que fere e destrói a pessoa.
Passemos à outra objeção: é possível
que uma pessoa consiga amar os próprios inimigos? Se dependesse apenas de nós,
seria impossível. Mas lembremo-nos que quando o Senhor pede algo, Ele quer
oferecê-lo. O Senhor nunca nos pede algo que não nos dê primeiro. Quando Ele me
diz para amar os inimigos, quer dar-me a capacidade de fazê-lo. Sem esta
capacidade não conseguiríamos, mas Ele diz-nos “amai o inimigo” e dá-nos a
capacidade de amar. Santo Agostinho rezava assim - escutai que bela oração -
Senhor, «dai-me o que me pedis e pedi-me o que quereis» (Confissões, X,
29.40), porque me destes primeiro. O que lhe podemos pedir? O que apraz a Deus
oferecer-nos? A força de amar, que não é algo, mas é o Espírito Santo. A força
de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal
com o bem, podemos amar quem nos fere. Assim fazem os cristãos. Como é triste
quando pessoas e povos orgulhosos por ser cristãos veem os outros como inimigos
e pensam em fazer guerra! É muito triste!
E quanto a nós, procuramos viver as
exortações de Jesus? Pensemos numa pessoa que nos feriu. Cada um pense numa
pessoa. É comum que tenhamos sido feridos por alguém, por isso pensemos nessa
pessoa. Talvez haja um ressentimento dentro de nós. Portanto, coloquemos este
ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o julgamento, após a
bofetada. E depois peçamos ao Espírito Santo que aja no nosso coração. Por fim,
oremos por aquela pessoa: oremos por aqueles que nos feriram (cf. Lc 6,28). Quando
alguém nos faz algum mal, vamos imediatamente contar aos outros e sentimo-nos
vítimas. Paremos e oremos ao Senhor por aquela pessoa, para que Ele a ajude, e
então este sentimento de rancor será dissipado. Rezar por quem nos feriu é o
primeiro passo para transformar o mal em bem. A oração! Que a Virgem Maria nos
ajude a ser pacificadores para com todos, especialmente para com quem nos é
hostil e de quem não gostamos.
Jesus diante de Caifás (Matthias Stomer) |
Fonte: Santa Sé.
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