domingo, 22 de março de 2020

Missa do Papa em Belém - Jubileu 2000

No dia 22 de março do ano 2000, no contexto do Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na Praça da Manjedoura em Belém como parte da sua peregrinação à Terra Santa.

Como podemos deduzir da homilia do Santo Padre, foi celebrada a Missa votiva do lugar, isto é, a Missa votiva da Natividade do Senhor:
 
Missa em Belém
Homilia do Papa João Paulo II
Praça da Manjedoura, Belém
22 de março de 2000

Um Menino nasceu para nós... e este é o seu nome: Conselheiro Admirável, Deus Poderoso... Príncipe da Paz” (Is 9,5).
Senhor Presidente, muito obrigado pela sua presença e pela presença das autoridades civis.
Beatitude, irmãos Cardeais, venerados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!

1. As palavras do profeta Isaías prenunciam a vinda do Salvador ao mundo. E foi aqui em Belém que a grande promessa se cumpriu. Durante dois milênios, geração após geração, os cristãos pronunciaram o nome de Belém com profunda emoção e jubilosa gratidão. Assim como os pastores e os magos, também nós viemos ao encontro do Menino, “envolto em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). Como muitos peregrinos antes de nós, ajoelhamo-nos cheios de admiração e em adoração diante do mistério inefável que aqui se realizou.
No primeiro Natal do meu ministério de Sucessor do Apóstolo Pedro, exprimi publicamente o grande desejo de celebrar o início do meu Pontificado em Belém, na gruta da Natividade (cf. Homilia da Missa da meia-noite, 24 de dezembro de 1978). Então não me foi possível, e não tinha sido possível até agora. Hoje, porém, como poderia eu deixar de louvar a Deus de todas as misericórdias, cujas vias são misteriosas e cujo amor não tem fim, como poderia deixar de louvar a Deus por me ter conduzido aqui, neste ano do Grande Jubileu, ao lugar do nascimento do Salvador? Belém está no centro da minha peregrinação jubilar. Os caminhos que empreendi trouxeram-me a este lugar e ao mistério que ele proclama.

O Papa reza na gruta sob a Basílica da Natividade

Agradeço ao Patriarca Michel Sabbah as amáveis palavras de boas-vindas e, com afeto, abraço todos os membros da Assembleia dos Ordinários Católicos da Terra Santa. No lugar que viu o nascimento do Filho de Deus na carne, é significativa a presença de muitas Comunidades católicas de rito oriental, que formam o rico mosaico da nossa catolicidade. Com afeto no Senhor, saúdo os Representantes das Igrejas Ortodoxas e de todas as comunidades eclesiais presentes na Terra Santa.
Sou grato aos responsáveis da Autoridade Palestina que participam na nossa celebração e se unem a nós na oração pelo bem-estar do povo palestino.

2. “Não tenhais medo! Eu anuncio-vos a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (Lc 2,10-11).
A alegria anunciada pelo anjo não é algo que pertence ao passado. É uma alegria de hoje - do hoje eterno da salvação de Deus que abrange todos os tempos o passado, o presente e o futuro. No início do novo milênio, somos chamados a compreender de modo mais claro que o tempo tem um significado, porque aqui o Eterno entrou na história e permanece conosco para sempre. As palavras do Venerável Beda exprimem com clareza este conceito: “Ainda hoje, e em todos os dias até ao fim dos tempos, o Senhor será continuamente concebido em Nazaré e nascerá em Belém” (In Ev. S. Lucae, 2:  PL 92, 330). Porque é sempre Natal em Belém, cada dia é Natal nos corações dos cristãos. E todos os dias somos chamados a proclamar a mensagem de Belém ao mundo, “a boa nova de uma grande alegria”: o Verbo Eterno, “Deus de Deus, Luz da Luz”, fez-se carne e veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1,14).
O Menino recém-nascido, indefeso e totalmente dependente dos cuidados de Maria e José, confiado ao amor deles, é a inteira riqueza do mundo. Ele é o nosso tudo!
Neste Menino - o Filho que nos foi dado - encontramos repouso para as nossas almas e o verdadeiro pão que nunca falta - o pão eucarístico prenunciado também no próprio nome desta cidade: Beth-lehem, a casa do pão. Deus escondeu-se no Menino: a divindade permanece escondida no Pão da Vida. Adoro te devote latens Deitas! Quae sub his figuris vere latitas!

3. O grande mistério do divino despojamento de si mesmo, a obra da nossa redenção que se manifesta na fragilidade: não é uma verdade fácil. O Salvador nasceu de noite - nas trevas, no silêncio e na pobreza da gruta de Belém. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso”, declara o profeta Isaías (Is 9,1). Este é um lugar que conheceu “o jugo” e “o bastão” da opressão. Quantas vezes se ouviu nestas ruas o clamor dos inocentes? Também a grande igreja construída no lugar do nascimento do Salvador aparece como uma fortaleza combatida pela discussão dos tempos. A manjedoura de Jesus está sempre à sombra da Cruz. O silêncio e a pobreza do nascimento em Belém são uma coisa só com as trevas e a tristeza da morte no Calvário. A manjedoura e a Cruz são o mesmo mistério do amor que redime; o corpo que Maria recostou na manjedoura é o mesmo corpo sacrificado na Cruz.

4. Onde está, então, o domínio do “Conselheiro Admirável, Deus Poderoso, Príncipe da Paz”, a respeito do qual fala o profeta Isaías? Qual é o poder a que Jesus mesmo se refere quando afirma: “Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra” (Mt 28,18)? O reino de Cristo “não é deste mundo” (Jo 18,36). O seu Reino não é a ação da força, da riqueza, da conquista que parece forjar a nossa história humana. Ao contrário, trata-se do poder de vencer o Maligno, da definitiva vitória sobre o pecado e a morte. É o poder de curar as feridas que desfiguram a imagem do Criador nas suas criaturas. Cristo tem o poder de transformar a nossa frágil natureza e de nos tornar capazes, mediante a graça do Espírito Santo, de viver em paz uns com os outros e em comunhão com o próprio Deus. “Ele deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que O receberam, isto é, aqueles que acreditam no seu nome” (Jo 1,12). Esta é a mensagem de Belém, hoje e para sempre. Este é o dom extraordinário que, há dois mil anos, o Príncipe da Paz trouxe ao mundo.

5. Nesta paz, saúdo todo o povo palestino, ciente como estou da importância deste momento na vossa história. No amor de Cristo, abraço os meus irmãos e irmãs palestinos católicos - os Pastores, os religiosos e os fiéis - assim como os outros católicos presentes, em particular os fiéis de língua hebraica. Oro para que o Sínodo Pastoral há pouco concluído, no qual todas as Igrejas Católicas participaram, vos infunda coragem e fortaleça entre vós os vínculos da unidade e da paz. Deste modo sereis cada vez mais eficazes testemunhas da fé, edificando a Igreja e servindo o bem comum. Ofereço o ósculo santo aos cristãos das outras Igrejas e comunidades eclesiais. Saúdo a comunidade muçulmana de Belém e oro por uma nova era de entendimento e cooperação entre todos os povos da Terra Santa.
Hoje dirigimos o olhar para um momento de há dois mil anos, mas em espírito abraçamos todos os tempos. Estamos reunidos num lugar, mas abrangemos o mundo inteiro. Celebramos um Menino recém-nascido, mas incluímos todos os homens e mulheres onde quer que estejam. Hoje, da Praça da Manjedoura, proclamamos, proclamamos com força em todos os tempos e praças, e a cada pessoa: “A paz esteja convosco! Não tenhais medo!”. Estas palavras ressoam em todas as páginas da Escritura. São palavras divinas, pronunciadas pelo próprio Jesus depois de ter ressuscitado dos mortos: “Não tenhais medo!” (Mt 28,10). Eis as palavras que a Igreja hoje vos dirige.  Não tenhais medo de preservar a vossa presença e herança cristãs no próprio lugar onde o Salvador nasceu.
Na gruta de Belém, para usar as palavras de São Paulo na 2ª leitura de hoje, “a graça de Deus manifestou-se” (Tt 1,11). No Menino que nasceu, o mundo recebeu “a misericórdia prometida para sempre aos nossos pais em favor de Abraão e da sua descendência” (cf. Lc 1,54-55). Deslumbrados pelo mistério do Verbo eterno que se fez carne, abandonamos qualquer temor e tornamo-nos como os anjos, glorificando a Deus que oferece ao mundo tantos dons. Com o coro celestial, “cantamos um novo cântico” (Sl 96,1): “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Ele ama” (Lc 2,14).
Ó Menino de Belém, Filho de Maria e Filho de Deus, Senhor de todos os tempos e Príncipe da Paz, “o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade” (Hb 13,8): dado que entramos no novo milênio, cura todas as nossas feridas, fortalece os nossos passos, abre o nosso coração e a nossa mente ao “amor misericordioso do nosso Deus, no qual o Sol nos visitou, vindo do alto” (Lc 1,78). Amém.

Missa na Praça da Manjedoura

Fonte: Santa Sé.

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