08
de janeiro de 2020
Damos continuidade neste nosso primeiro programa do
ano de 2020, ao fascinante tema da Liturgia ao qual, é verdade, temos dedicado
diversos programas deste nosso espaço. Em nosso último programa, havíamos
tratado sobre o primeiro Congresso Internacional de Pastoral Litúrgica,
realizado em Assis em 1956, um verdadeiro encontro de especialistas, com troca
de experiências pastorais, que culminou, em forma de compêndio, na reforma
litúrgica do Concílio Vaticano II. Na edição de hoje, Padre Gerson
Schmidt no traz o tema “Teologia da Liturgia de Joseph Ratzinger”:
Para aplicar essa nossa renovação e atualização
litúrgica prevista pela Sacrosanctum Concilium, nos valemos
aqui da referência bibliográfica de uma obra preciosa, agora traduzida no
Brasil pelas edições da CNBB, de Joseph Ratzinger, disponível nas editoras
brasileiras, intitulado “Teologia da Liturgia – o fundamento sacramental da
existência Humana” – Obras completas, Volume XI.
É uma obra alemã traduzida para o português do
Brasil, de grande valia, que resume tudo o que nós temos de mais precioso sobre
Liturgia. Este volume disponível no mercado, como pão fresquinho, reúne todas
as obras pequenas ou grandes de teólogo Joseph Ratzinger, que é nosso Papa
emérito Bento XVI, reunindo questões teológicas de vários anos, pois sabemos do
rigor e aprofundamento teológico de Ratzinger e ao mesmo tempo a segurança
teológica que nos dá para a Liturgia, mergulhada a partir do Concílio Vaticano
II, vista sempre a partir de Deus e da humanidade que celebra ou o povo
celebrativo em festa. Segundo o autor, o texto central desse livro agora em
nossas mãos, provêm de uma obra alemã “Der Geist Liturgie. Eine Einführung”
(Uma introdução ao Espírito da Liturgia), que constitui o texto central deste
livro, que vamos em nosso estudo citar muitas vezes, intercalando com outros
aspectos importantes.
Na qualidade de professor e teólogo, Ratzinger
confessa na introdução desse livro: “A Liturgia da Igreja tem sido para mim,
desde a infância, a realidade central da minha vida e a instrução teológica de
mestres como Schmaus, Söhngen, Paschere e Guardini, que se tornaram o centro de
meu trabalho. A matéria que escolhi foi a teologia fundamental, porque, antes
de tudo, eu queria ir ao fundo da questão: por que cremos? Mas a essa questão,
desde o início, outra foi intrinsecamente incluída, a da resposta correta a ser
dada a Deus e, portanto, a questão sobre o culto divino. A partir daqui se deve
entender o meu trabalho sobre a Liturgia” [1].
Importante aqui frisar que foi em 2008 que essa
obra foi publicada em alemão e só agora, 10 anos depois, foi traduzida ao
português do Brasil pelas edições da CNBB. Os trabalhos de publicação e edição
aqui no Brasil foram coordenados pela Sociedade Ratzinger Brasil, que tem em sua
direção geral e presidência o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer e participam
desses trabalhos outros Bispos importantes do Brasil como Cardeal Dom Orani
Tempesta, Cardeal Raymundo Damasceno Assis, Dom Jaime Spengler, Dom Murilo
Krieger e Dom Pedro Carlos Cipollini.
A edição brasileira traz uma apresentação no início
de Dom Odilo Scherer e do coordenador da Cátedra Joseph Ratzinger da PUC RIO,
Antonio Luiz Catelan Ferreira, editor em língua portuguesa.
Também no início do livro se traduz o prefácio do
editor em língua alemã, o Bispo de Regensburg, Dom Gerhard Ludwig, onde compara
Bento XVI ao Papa Leão Magno (440-46) a quem devemos a fórmula decisiva para a
profissão de fé cristológica do Concilio de Calcedônia (que aconteceu em 451).
O Bispo de Regenburg diz no prefácio que Bento XVI “combina o conhecimento
científico da teologia com a forma viva da fé. Como uma ciência, que tem seu
lugar genuíno dentro da Igreja, a teologia pode nos mostrar o destino especial
do homem como criatura e imagem de Deus” [2].
20 de fevereiro de 2020
No nosso
espaço Memória Histórica, 50 Concílio Vaticano II, vamos tratar no programa de
hoje sobre o tema: “A dupla finalidade do êxodo - o culto e a terra prometida”.
Em nosso
último programa falamos sobre Liturgia e Joseph Ratzinger. Na introdução do livro
“Teologia da Liturgia - O fundamento sacramental da existência cristã”, das Edições
CNBB, o Papa Emérito escreve que a Liturgia da Igreja tem sido para ele, desde
a infância, a realidade central de sua vida, indicando que a instrução
teológica de alguns Mestres tornou-se o centro de seu trabalho sobre a Liturgia,
que pode ser entendido a partir da questão sobre o culto Divino.
No
programa de hoje, Padre Gerson
Schmidt aprofunda essa questão, trazendo reflexão, “A dupla
finalidade do êxodo, o oculto e a terra prometida”:
Na obra
preciosa, agora traduzida no Brasil pelas edições da CNBB, de Joseph Ratzinger,
disponível nas editoras brasileiras, intitulada “Teologia da Liturgia - O
fundamento sacramental da existência cristã” - Obras completas, Volume XI,
Joseph Ratzinger apresenta uma dupla finalidade da saída do Povo. Uma delas
conhecemos: que é entrar na Terra Prometida. Mas existe outra finalidade
litúrgica. No mandamento originário dirigido por Deus ao Faraó soa assim: “Deixa
meu povo ir para me servir no deserto” (Ex 7,16). Essa frase, com pequenas
variações, é repetida quatro vezes. Na Bíblia, o que se repete é importante.
Nas tratativas com o Faraó não existe a finalidade de entrar em outra terra,
mas somente servir a Deus no deserto. “Em tudo isso não se trata da Terra
Prometida. Como única finalidade aparece a adoração, que pode acontecer somente
de acordo com a norma de Deus e é, então, subtraída às regras do jogo do
compromisso político” [3]. Israel não parte, portanto para ser um povo como
todos os outros povos. Mas parte para servir a Deus. A meta do êxodo do Egito é
a montanha de Deus, ainda desconhecida. A finalidade última é o serviço
prestado a Deus. Não será a simples posse da terra. “A simples posse da terra,
a simples autonomia nacional, rebaixaria Israel ao mesmo nível de todos os
povos (...) a posse da terra se torna verdadeiro bem, o dom real de uma
promessa cumprida somente se nela reina Deus e, desse modo, se desenvolve a
maneira correta da existência humana” [4]. A Liturgia, o culto a Deus (por meio
da Aliança no Sinai), portanto, é uma das finalidades do ser humano existente
que peregrina: amar a Deus sobre todas as coisas, sobre todos os bens
adquiridos, sobre todas suas paixões e amores. No fundo, o Shemá - a adoração
ao Deus único - está por detrás de toda a conquista da Terra Prometida, onde
corre leite e mel.
Ratzinger
ainda diz assim sobre a verdadeira Liturgia e culto a Deus: “Deste modo, a
finalidade da peregrinação no deserto, indicada ao Faraó, se realiza Israel
aprende a adorar a Deus no modo por ele mesmo desejado. A essa adoração
pertence o culto, a Liturgia no sentido verdadeiro e próprio: mas ela requer
também o viver de acordo com a vontade de Deus, que é uma parte irrenunciável
da reta adoração. ‘A Gloria de Deus é o homem vivo, mas a vida do homem é ver a
Deus’, afirma Santo Irineu, colhendo exatamente o núcleo daquilo que tinha
acontecido no deserto, no encontro sobre a montanha: definitivamente, a própria
vida do homem, o homem que vive retamente, é a verdadeira adoração de Deus, mas
a vida se torna vida verdadeira apenas se recebe a sua forma de olhar dirigido
a Deus. O culto serve parra isto: para possibilitar esse olhar e para adorar
assim aquela vida que se torna glória para Deus” [5].
Essa
parada do Povo de Deus não é parada pra descanso, mas para constituir o Povo da
Aliança, um povo ordenado pelos dez mandamentos e tudo o que dele se traduz e
se reorganiza. Por intermédio da Aliança e do direito divino, Israel se
constitui no Povo de Deus e Deus como verdadeiro Deus para o seu povo. O povo
de Deus no Sinai recebeu a forma comunitária da vida reta. Desta forma,
posteriormente, a Terra poderá ser um dom. Toda a vez que Israel se esquece de
Deus e não lhe presta o verdadeiro culto, numa reta Liturgia, do justo culto a
Deus, acaba fraquejando e sendo presa fácil para os povos inimigos. Toda a vez
que Israel abandona o justo culto a Deus, distancia-se de Deus para dirigir-se
aos ídolos - aos poderes e valores mundanos - diminuindo sua liberdade e se
torna novamente escravo, como no Egito e também no exílio babilônico [6].
Por isso,
há aqui um ordenamento de toda a nossa vida por meio da Liturgia, do verdadeiro
culto que devemos dar a Deus: nossa vida correspondendo à oferta e ao culto que
oferecemos ao Senhor. Todas as relações do homem podem estar em ordem somente
se a relação com Deus estiver correta. Por isso, não existem sociedades ou
comunidades privadas de culto. Se não adoramos a Deus Criador de todas as
coisas, acabamos por adorar as criaturas e, assim, desfocando nosso genuíno
culto ao único Pai e gestor da vida. O verdadeiro culto a Deus não pode brotar
de nossa fantasia, da nossa própria criatividade, mas que Deus responda, pois é
Ele nosso destinatário concreto, “que se mostra a nós e com isto orienta a
nossa existência na direção correta” [7], como se revelou
ao Povo de Deus no Sinai.
04
de março de 2020
No nosso espaço memória Histórica - 50 anos do
Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre “A origem da Eucaristia
no Mistério Pascal”.
Nos últimos programas deste nosso Espaço Memória
Histórica temos destacado alguns temas tratados no livro de Joseph Ratzinger,
“Teologia da Liturgia - O fundamento sacramental da existência cristã”,
publicado no Brasil pelas Edições CNBB. Na edição passada, Padre Gerson Schmidt
nos trouxe uma reflexão sobre “A dupla finalidade do êxodo: o culto e a Terra Prometida”. No programa de hoje, o sacerdote incardinado
na Arquidiocese de Porto Alegre nos fala sobre “A origem da Eucaristia no
Mistério Pascal”, enfatizando que “devemos entrar na Liturgia com a humildade
de quem se deixa lavar por Cristo”:
Na obra preciosa, agora traduzida no Brasil pelas
edições da CNBB, de Joseph Ratzinger, disponível nas editoras brasileiras, intitulada
“Teologia da Liturgia - O fundamento sacramental da existência cristã” - Obras
completas, Volume XI, Joseph Ratzinger apresenta a origem da Eucaristia no
mistério pascal. A partir da cruz, torna-se evidente que Jesus faz romper os
critérios usuais. Tal qual no lava-pés, torna-se manifesto aquilo que ele é e
aquilo que ele faz.
“Na cena do lava-pés, o Evangelho resume a
totalidade da palavra, da vida e do sofrimento de Jesus... Ele, que é o Senhor,
se abaixa; depõe as vestes da glória e se faz escravo, que está à porta e
cumpre para nós o serviço de escravo do lava-pés. Este é o significado de todo
a sua vida e de todo o seu sofrimento: Ele se inclina para os nossos pecados
sujos, para a sujeira da humanidade, e nos lava e purifica no seu amor maior. O
serviço de escravo, de lavar os pés, tinha o significado de tornar as pessoas
idôneas para o banquete, capazes de estar em comunidade, de modo a poderem se
sentar juntas à mesa. Jesus Cristo, por assim dizer, nos torna, diante de Deus
e de uns para com os outros idôneos para o banquete e capazes de estar juntos.
Nós, que, sempre de novo, não conseguimos suportar-nos mutuamente; nós, que não
somos aptos para Deus, somos por Ele escolhidos. Ele se reveste, por assim
dizer, de nossa miséria, e, no momento em que nos toma consigo, nós nos
tornamos capazes de Deus, obtendo o acesso a Deus. Somos lavados no momento em
que nos deixamos inclinar par entrar no seu amor. Esse amor significa que Deus
acolhe sem condições prévias, mesmo se não somos dele, nem dignos dele, porque
ele, Jesus Cristo, nos transforma e se torna nosso irmão” [8].
É dessa forma que devemos entrar na Liturgia, com
humildade de quem se deixa lavar por Cristo. Deus não quer uma falsa modéstia,
que rejeita a sua bondade, mas a humildade que se deixa lavar, acolhendo a sua
misericórdia. E este o modo como Cristo se doa a nós [9]. Cristo se rebaixa a
condição de escravo, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.
As expressões “Isto é o meu corpo” - “Isto é o meu
sangue” são expressões retiradas da linguagem sacrifical de Israel, com as
quais eram indicadas as ofertas que se sacrificam a Deus no templo [10].
“Usando essas palavras, Jesus indica a si mesmo como sacrifício definitivo e
verdadeiro no qual chegam à realização todas aquelas tentativas vãs do Antigo
Testamento. Nele vem acolhido aquilo que nele tinha sempre sido desejado, mas
jamais podia ser alcançado. Deus não quer sacrifícios de animais, tudo lhe
pertence. Também não quer sacrifícios humanos, porque criou o ser humano para a
vida. Deus quer algo maior: quer o amor que transforma o homem, pelo qual o
homem se torna capaz de Deus, se abandona em Deus” [11].
Por isso, Deus não quer mais o nosso sacrifício
vazio de velas, de esforços humanos, de práticas externas sem o coração puro e
contrito. Na Missa, o grande sacrifício de Cristo já foi feito uma vez por
todas. No ofertório dizemos: “Receba por tuas mãos esse sacrifício”. Não é o
sacrifício aqui semelhante ao Antigo Testamento que foi ineficaz, mas o
sacrifício redentor de Cristo feito em definitivo por nós.
Os sacrifícios realizados durante a história inteira
resultam supérfluos e superficiais. O grande ofertório de Jesus Cristo na Cruz
é que resulta em definitivo e verdadeiro para a salvação de nossos pecados. Na
última ceia e na cruz, Jesus faz uma oferta pura e agradável a Deus. Ele sofre
por muitos, pela humanidade, no que seu sofrimento se realiza e resume este grande
culto da humanidade. “Ele mesmo é, por assim dizer, o puro ‘ser para’, aquele
que não está diante de Deus por si mesmo, mas para todos” [12].
[1] RATZINGER, Joseph, Teologia da Liturgia - O
fundamento sacramental da existência cristã - Obras completas, Volume XI.
Editor em língua alemã: Cardeal Gerhard Muller; Editor em língua portuguesa:
Antonio Luiz Catelan Ferreira, Brasília -DF, Edições CNBB, 2019, Introdução do
autor, p. 14.
[2] ibid.,
Prefácio do editor da edição alemã, p. 19
[3] ibid.,
Introdução do autor, p. 33.
[4] ibid.,
p. 34.
[5] ibid.,
p. 34-35.
[6] cf.
ibid, p. 36.
[7] ibid.,
p. 37.
[8] ibid., p. 290.
[9] ibid., p.291.
[10] cf. JEREMIAS, Joaquim. Die Abendmahlsworte Jesu. Göttingen: 1960.
[11] RATZINGER, op.
cit., p. 292.
[12] ibid., p. 293.
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