quinta-feira, 19 de março de 2020

Jubileu dos Artesãos no ano 2000

No dia 19 de março do ano 2000 o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na Praça de São Pedro por ocasião do Jubileu dos Artesãos no Ano Santo.

Embora esse dia tenha sido escolhido devido à Solenidade de São José, Esposo da Virgem Maria, foi celebrada a Missa do II Domingo da Quaresma (Ano B):

Jubileu dos Artesãos
Homilia do Papa João Paulo II
19 de março de 2000

1. Deus, “não poupou o Seu próprio Filho, mas entregou-O por todos nós. Como não havia de nos dar também todas as coisas com o Seu Filho?” (Rm 8,32). Na Carta aos Romanos o Apóstolo Paulo faz esta pergunta, da qual sobressai com clareza o tema central da Liturgia de hoje: o mistério da paternidade de Deus. Depois, no trecho evangélico é o próprio Pai eterno que se apresenta a nós quando, da nuvem luminosa que encobre Jesus e os Apóstolos no monte da Transfiguração, faz ouvir a sua voz admoestadora: Este é o Meu Filho amado. Escutai o que Ele diz! (Mc 9,7). Pedro, Tiago e João intuem - depois compreenderão melhor - que Deus lhes falou revelando-Se a Si mesmo e o mistério da sua mais íntima realidade.
Depois da Ressurreição, eles, juntamente com os outros Apóstolos, levarão ao mundo o anúncio perturbante: no Seu Filho encarnado Deus tornou-se próximo de cada homem como Pai misericordioso. N'Ele, cada ser humano é protegido pelo abraço terno e forte de um Pai.


2. Caríssimos artesãos, este anúncio também se dirige a vós, que viestes a Roma de todas as partes do mundo para celebrar o vosso Jubileu. Na redescoberta desta confortadora realidade - Deus é Pai - ampara-vos o vosso padroeiro celeste, São José, artesão como vós, homem justo e protetor da Sagrada Família.
Para vós ele é um exemplo de laboriosidade e honestidade no trabalho quotidiano. Nele procurais sobretudo o modelo de uma fé que não vacila e de uma constante obediência à vontade do Pai celeste. Ao lado de São José, encontrais o próprio Filho de Deus que, sob a sua orientação, aprende a arte de carpinteiro e exerce-a até à idade de trinta anos, propondo em si mesmo “o Evangelho do trabalho”.

Desta forma, ao longo da sua existência terrena, José torna-se o humilde e laborioso reflexo daquela paternidade divina que será revelada aos Apóstolos no monte da Transfiguração. A Liturgia deste II Domingo de Quaresma convida-nos a refletir com mais atenção sobre o mistério. É o próprio Pai celeste que nos leva pela mão nesta meditação.
Cristo é o Filho predileto do Pai! É principalmente a palavra “predileto” que, respondendo às nossas perguntas, levanta dum certo modo o véu do mistério da paternidade divina. De fato, dá-nos a conhecer o amor infinito do Pai pelo Filho e, ao mesmo tempo, revela-nos a sua “paixão” pelo homem, por cuja salvação não hesita oferecer este Filho muito amado. Cada ser humano pode ter a certeza de que em Jesus, Verbo encarnado, é objeto de um amor sem limites por parte do Pai celeste.

3. A 1ª leitura, tirada do Livro do Gênesis, oferece-nos um ulterior contributo para o conhecimento deste mistério. Deus pede a Abraão que sacrifique o filho: “Toma o teu filho, o teu único filho Isaac, a quem amas, vai à terra de Moriá e oferece-o lá em holocausto, sobre uma montanha que Eu te vou indicar” (Gn 22,2). Com o coração contrito, Abraão dispõe-se a obedecer à ordem de Deus. Mas quando chegou o momento de sacrificar o seu filho, o Senhor intervém e por meio dum anjo diz-lhe: “Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste o teu filho único” (Gn 22,12).
Por meio das vicissitudes de uma paternidade humana submetida a uma dramática prova, é revelada outra paternidade, a que se baseia na fé. Precisamente em virtude do extraordinário testemunho de fé, oferecido naquela circunstância, Abraão obtém a promessa de uma numerosa descendência: “Por meio da tua descendência, todas as nações da terra serão abençoadas, porque Me obedeceste” (Gn 22,18). Graças à sua confiança incondicionada na Palavra de Deus, Abraão torna-se o pai de todos os crentes.

4. Deus Pai “não poupou o Seu próprio Filho, mas entregou-O por todos nós” (Rm 8,32). Abraão com a sua disponibilidade a imolar Isaac, prenuncia o sacrifício de Cristo para a salvação do mundo. A execução efetiva do sacrifício, que foi poupada a Abraão, verificar-se-á com Jesus Cristo. Ele mesmo informa os Apóstolos: ao descer do monte da Transfiguração, Ele ordena-lhes que não contem nada do que viram, antes do Filho do homem ressuscitar dos mortos. O evangelista acrescenta: “Eles observaram a recomendação e discutiam uns com os outros o que queria dizer ‘ressuscitar dos mortos’” (Mc 9,10).
Os discípulos intuíram que Jesus é o Messias e que n'Ele se realiza a salvação. Mas não conseguem compreender o motivo por que fala de paixão e morte: não aceitam que o amor de Deus se possa esconder por detrás da Cruz. Contudo, onde os homens verão apenas uma morte, Deus manifestará a sua glória ressuscitando o seu Filho; onde os homens pronunciaram palavras de condenação, Deus realizará o seu mistério de salvação e de amor para com o gênero humano.
Eis a lição que qualquer geração cristã deve aprender de novo. Qualquer geração; também a nossa! Reside aqui a razão do nosso caminho de conversão neste tempo particular de graça. O Jubileu ilumina toda a vida e a experiência dos homens. Também o cansaço e o peso do trabalho quotidiano recebem da fé em Cristo morto e ressuscitado uma nova luz de esperança. Revelam-se elementos significativos do desígnio de salvação que o Pai celeste atua mediante a Cruz do Filho.

5. Queridos artesãos, fortificados por esta autoconsciência, podeis dar nova força e solidez àqueles valores que sempre caracterizaram a vossa atividade: o perfil qualitativo, o espírito de iniciativa, a promoção das capacidades artísticas, a liberdade e a cooperação, a relação correta entre a tecnologia e o ambiente, a dedicação à família e às relações de boa vizinhança. A civilização artesã soube construir, no passado, grandes ocasiões de encontro entre os povos e entregou às épocas sucessivas sínteses admiráveis de cultura e de fé.
O mistério da vida de Nazaré, do qual São José, padroeiro da Igreja e vosso protetor, foi o guardião fiel e a sábia testemunha, é o ícone desta maravilhosa síntese entre vida de fé e trabalho humano, crescimento pessoal e empenho de solidariedade.
Caríssimos artesãos, viestes aqui hoje para celebrar o vosso Jubileu. Oxalá a luz do Evangelho ilumine cada vez mais a vossa experiência quotidiana de trabalho. O Jubileu oferece-vos a ocasião de encontrar Jesus, José e Maria, entrando na sua casa e na humilde oficina de Nazaré. Na escola singular da Sagrada Família aprendem-se as realidades essenciais da vida e aprofunda-se o significado do seguimento de Jesus. Nazaré ensina a vencer a aparente tensão entre a vida ativa e a contemplativa; convida a crescer no amor da verdade divina que irradia da humanidade de Cristo e a exercer com coragem o serviço exigente da tutela de Cristo presente em cada homem (cf. Redemptoris custos, 27).

6. Por conseguinte, atravessemos em ideal peregrinação o limiar da casa de Nazaré, a pobre habitação que terei a alegria de visitar, se Deus quiser, na próxima semana, durante a minha peregrinação jubilar na Terra Santa. Detenhamo-nos a contemplar Maria, testemunha da realização da promessa feita pelo Senhor a “Abraão e à sua descendência para sempre” (Lc 1,55).
Queridos artesãos, ela, juntamente com José, seu casto esposo, vos ajude a permanecer em constante escuta de Deus, unindo oração e trabalho. Que eles vos amparem nos vossos propósitos jubilares de renovada fidelidade cristã, e façam com que, por meio das vossas mãos, se prolongue de qualquer forma a obra criadora e providencial de Deus.
A Sagrada Família, lugar do entendimento e do amor, vos ajude a ser capazes de realizar gestos de solidariedade, de paz e de perdão. Desta forma, sereis anunciadores do amor infinito de Deus Pai, rico em misericórdia e bondade para todos. Amém.


Fonte: Santa Sé.

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