quarta-feira, 25 de março de 2020

Missa do Papa em Nazaré - Jubileu 2000

No dia 25 de março do ano 2000, no contexto do Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa da Solenidade da Anunciação do Senhor na Basílica da Anunciação em Nazaré como parte da sua peregrinação à Terra Santa.

Confira a homilia do Papa na ocasião:
 
Missa em Nazaré
Homilia do Papa João Paulo II
Basílica da Anunciação, Nazaré
25 de março de 2000

Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra”.
Senhor Patriarca, venerados irmãos no Episcopado, reverendo Padre Guardião,
Caríssimos irmãos e irmãs!

1. Hoje, 25 de março de 2000, Solenidade da Anunciação no ano do Grande Jubileu: os olhos de toda a Igreja estão dirigidos para Nazaré. Desejei voltar à cidade de Jesus, para sentir mais uma vez, no contato com este lugar, a presença da mulher da qual Santo Agostinho escreveu: “Ele escolheu a mãe que havia criado; criou a mãe que escolhera” (cf. Sermo 69, 3, 4). É particularmente fácil compreender aqui por que todas as gerações chamam Maria bem-aventurada (cf. Lc 1,48).


Saúdo cordialmente Sua Beatitude o Patriarca Michel Sabbah, ao qual agradeço as gentis palavras de introdução. Juntamente com o Arcebispo Boutros Mouallem e com todos vós, Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, rejubilo com a graça desta solene celebração. Sinto-me feliz por ter a oportunidade de saudar o Ministro-Geral Franciscano Padre Giacomo Bini, que me recebeu no momento da minha chegada, e de exprimir ao Guardião, Padre Giovanni Battistelli, bem como aos irmãos da Custódia a admiração da Igreja inteira pela devoção com que desempenhais a vossa vocação única. Presto homenagem com gratidão à vossa fidelidade à tarefa que vos foi confiada pelo próprio São Francisco e confirmada pelos Pontífices ao longo dos séculos.

2. Encontramo-nos aqui reunidos para celebrar o grande mistério que se realizou aqui há dois mil anos. O evangelista Lucas situa claramente o acontecimento no tempo e no espaço:  “no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré. Foi a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José... o nome da Virgem era Maria” (Lc 1,26-27). Mas para compreender o que aconteceu em Nazaré há dois mil anos, devemos voltar à leitura tirada da Carta aos Hebreus. Este texto permite-nos escutar uma conversa entre o Pai e o Filho acerca do desígnio de Deus para toda a eternidade. “Tu não quiseste sacrifício nem oferta. Em vez disso, deste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios não são do teu agrado. Por isso Eu disse:  Eis-me aqui, ó Deus... para fazer a Tua vontade” (Hb 10,5-7). A Carta aos Hebreus diz-nos que, obedecendo à vontade do Pai, o Verbo Eterno veio entre nós a fim de oferecer o sacrifício que supera qualquer sacrifício oferecido na precedente Aliança. O seu é o sacrifício eterno e perfeito que redime o mundo.
O desígnio divino é revelado gradualmente no Antigo Testamento, sobretudo nas palavras do profeta Isaías, que acabamos de ouvir: “Ficai sabendo que o Senhor vos dará um sinal. A jovem concebeu e dará à luz um filho, e chamá-lo-á Emmanuel” (Is 7,14). Emmanuel:  Deus conosco. Com estas palavra é prenunciado o acontecimento único que se iria realizar em Nazaré na plenitude dos tempos, e é este evento que celebramos hoje com alegria e felicidade intensas.

3. A nossa peregrinação jubilar foi uma peregrinação no espírito, iniciado nas pegadas de Abraão, “nosso pai na fé” (Cânon Romano; cf. Rm 4,11-12). Esta viagem conduziu-nos hoje a Nazaré, onde encontramos Maria, a filha mais autêntica de Abraão. É Maria, mais que qualquer outra pessoa, quem nos pode ensinar o que significa viver a fé de “nosso pai”. Maria é de muitas formas claramente diferente de Abraão; mas de maneira mais profunda “o amigo de Deus” (cf. Is 41,8) e a jovem mulher de Nazaré são muito semelhantes.
Abraão e Maria recebem uma maravilhosa promessa de Deus. Abraão ter-se-ia tornado pai de um filho, do qual iria nascer uma grande nação. Maria tornar-se-ia Mãe de um filho que seria o Messias, o Ungido do Senhor. Gabriel diz: “Eis que vais ficar grávida, terás um Filho... o Senhor dar-lhe-á o trono de Seu pai Davi... e Ele reinará para sempre” (Lc 1,31-33).
Tanto Abraão como Maria não esperavam de modo algum esta promessa. Deus muda o curso quotidiano da vida deles, modificando os seus ritmos consolidados e as normais expectativas. Quer a Abraão quer a Maria a promessa parece ser impossível. A esposa de Abraão, Sara, era estéril e Maria ainda não é casada: “Como vai acontecer isso”, perguntou Maria, “se não vivo com nenhum homem?” (Lc 1,34).

4. Assim como a Abraão, também foi pedido a Maria que respondesse “sim” a algo que jamais acontecera antes. Sara é a primeira mulher estéril da Bíblia que vai conceber através do poder de Deus, precisamente como Isabel será a última. Gabriel fala de Isabel para tranquilizar Maria: “Também a tua parenta Isabel, apesar da sua velhice, concebeu um filho” (Lc 1,36).
Como Abraão, também Maria deve caminhar às escuras, entregando-se àquele que a chamou. Contudo, também a sua pergunta “como vai acontecer isso?” sugere que Maria está disposta a responder “sim”, apesar dos receios e incertezas. Maria não pergunta se a promessa se pode realizar, mas unicamente como acontecerá. Por conseguinte, não surpreende que conclua pronunciando o seu fiat: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Com estas palavras Maria demonstra-se verdadeira filha de Abraão e torna-se a Mãe de Cristo e a Mãe de todos os crentes.

5. Para penetrar de maneira ainda mais profunda neste mistério, voltemos ao momento da viagem de Abraão quando lhe fora feita a promessa. Isso aconteceu quando recebeu na sua casa três hóspedes misteriosos (cf. Gn 18,1-15) oferecendo-lhes a adoração devida a Deus: tres vidit et unum adoravit. Aquele encontro misterioso prefigura a Anunciação, quando Maria foi poderosamente levada à comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mediante o fiat pronunciado por Maria em Nazaré, a Encarnação tornou-se a maravilhosa realização do encontro de Abraão com Deus. Por conseguinte, seguindo os passos de Abraão chegámos a Nazaré para cantar o louvor da mulher “que deu ao mundo a luz” (Hino Ave Regina Caelorum).

6. Contudo viemos aqui também para suplicar-lhe. Que pedimos nós, peregrinos, em viagem no Terceiro Milênio Cristão, à Mãe de Deus? Aqui, na cidade que o Papa Paulo VI, quando visitou Nazaré, definiu “a escola do Evangelho”. Aqui se aprende a observar, a escutar, a meditar, a penetrar o sentido, tão profundo e misterioso, daquela simplicíssima, humilíssima, belíssima aparição” (Alocução em Nazaré, 05 de janeiro de 1964). Rezo, em primeiro lugar, por uma grande renovação da fé de todos os filhos da Igreja. Uma profunda renovação de fé:  não só uma atitude geral de vida, mas uma profissão consciente e corajosa do Credo: “Et incarnatus est de Spiritu Sanctu ex Maria Virgine, et homo factus est”.
Em Nazaré, onde Jesus “crescia em sabedoria, em estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52), peço à Sagrada Família que inspire todos os cristãos a defender a família, a defender a família contra as numerosas ameaças que atualmente pesam sobre a sua natureza, a sua estabilidade e missão. Confio à Sagrada Família os esforços dos cristãos e de todas as pessoas de boa vontade a fim de defender a vida e promover o respeito pela dignidade de cada ser humano.
Consagro a Maria, a Theotókos, a grande Mãe de Deus, as famílias da Terra Santa, as famílias do mundo.
Em Nazaré, onde Jesus iniciou o seu ministério público, peço a Maria que ajude a Igreja em toda a parte a anunciar a “boa nova” aos pobres, precisamente como Ele fez (cf. Lc 4,18). Neste “ano de graça do Senhor”, peço que ela nos ensine o caminho da humilde e jubilosa obediência ao Evangelho no serviço dos nossos irmãos e irmãs, sem preferências nem preconceitos.
“Mãe do Verbo Encarnado, não desprezes a minha oração, mas ouve-me e atende-me com benevolência. Amém” (Memorare).


Fonte: Santa Sé.

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