Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
II pregação de Quaresma
20 de março de 2019
“Que temos nós com isso, mulher -
A kenosis da Mãe de Deus”
Nas
meditações desta Quaresma, continuamos nossa jornada nos passos da Mãe de Deus
iniciados no último Advento. Será também uma maneira de nos colocarmos sob a
proteção da Virgem em um período tão severo devido à disseminação da infecção
pelo vírus Corona.
É preciso
reconhecer que o Novo Testamento não fala muito de Maria, pelo menos não com
tanta frequência quanto se esperaria, considerando o desenvolvimento que teve
na Igreja a devoção à Mãe de Deus. Todavia, se prestarmos a devida atenção,
perceberemos uma coisa: Maria não está ausente de nenhum dos três momentos
constitutivos do mistério da salvação. De fato, existem três momentos bem
claros que, juntos, formam o grande mistério da Redenção, a saber: a Encarnação
do Verbo, o Mistério Pascal e o Pentecostes.
Pois bem,
refletindo, percebemos que Maria não está ausente de nenhum desses três
momentos fundamentais. Certamente não está ausente da Encarnação, que aconteceu
exatamente nela. Maria não está ausente do Mistério Pascal, porque está escrito
que “junto da cruz de Jesus estava Maria sua mãe” (cf. Jo 19,25). Finalmente,
não está ausente do Pentecostes, porque está escrito que o Espírito Santo
desceu sobre os apóstolos que, “unânimes, perseveravam na oração com Maria, a
mãe de Jesus” (cf. At 1,14).
Essas três
presenças de Maria nos momentos-chave da nossa salvação não podem ser um
simples acaso. Asseguram-lhe um lugar único ao lado de Jesus na obra da
redenção. Entre todas as criaturas, Maria foi a única a ser testemunha e
partícipe de todos esses três acontecimentos.
Nesta
segunda parte da nossa caminhada, queremos seguir Maria no Mistério Pascal,
deixando-nos guiar por ela à compreensão profunda da Páscoa e à participação
nos sofrimentos de Cristo. Maria toma-nos pela mão e dá-nos a coragem para
segui-la nesta estrada, dizendo-nos como uma mãe a seus filhos: Vamos
nós também para morrermos com ele! (Jo 11,16). No Evangelho, é Tomé
quem pronuncia estas palavras, mas é Maria quem as põe em prática.
Na vida de
Jesus, o Mistério Pascal não começa com a prisão no horto, nem dura só uma
semana santa. Toda a sua vida, desde que João Batista o saudou como o Cordeiro
de Deus, é uma preparação para sua Páscoa. Conforme o Evangelho de Lucas, toda
a vida pública de Jesus foi uma lenta e incessante “subida para Jerusalém”,
onde consumaria seu êxodo (cf. Lc 9,31).
Paralelamente
a este caminho do novo Adão, segue o caminho da nova Eva. Também para Maria, o
Mistério Pascal começou muito tempo antes. Já as palavras de Simeão, sobre o
sinal de contradição e sobre a espada que lhe traspassaria a alma, continham um
presságio que Maria guardava no coração junto com todas as outras palavras. O
“passo” que queremos dar nesta meditação consiste exatamente em seguir Maria durante
a vida pública de Jesus, vendo como ela se torna para nós tipo e modelo.
Na caminhada
em busca da santidade, o que normalmente acontece depois que uma alma foi
preenchida pela graça, depois que generosamente respondeu com o seu “sim” de
fé, e corajosamente se dedicou às boas obras e às virtudes? Vem o tempo da
purificação e do despojamento. Chega a noite da fé. De fato, veremos que Maria,
neste período da sua vida, exatamente nisto serve-nos de guia e modelo: de como
nos devemos comportar quando na vida chega “o tempo da poda”.
São João
Paulo II, na sua encíclica “Redemptoris Mater”, escrita para o Ano
Mariano, com razão aplica à vida de Nossa Senhora a grande categoria da kenose,
com a qual São Paulo explicou a vicissitude terrestre de Jesus: Cristo Jesus,
que era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus,
mas despojou-se (ekénosen) a si mesmo... (F1 2,6-7). Mediante essa sua
fé - escreve o Papa - Maria está perfeitamente unida a Cristo no seu
despojamento... Aos pés da cruz, Maria participa mediante a fé no mistério
desconcertante desse despojamento” [1]. Este despojamento consumou-se junto à
cruz, mas começou bem antes. Também em Nazaré, e sobretudo durante a vida
pública de Jesus, ela avançava na peregrinação da fé. Não é difícil, porém,
perceber naquele início um particular aperto do coração e uma espécie de noite
da fé” [2].
Tudo isso
torna as vicissitudes de Maria extraordinariamente significativas para nós;
devolve Maria à Igreja e à humanidade. É preciso constatar com alegria um
grande progresso havido na Igreja católica no tocante à devoção a Nossa
Senhora; quem viveu antes e depois do Concílio Vaticano II facilmente pode
dar-se conta disso. Antes, a categoria fundamental com a qual se explicava a
grandeza de Nossa Senhora era a do “privilégio” ou da isenção.
Pensava-se
que Maria tivesse sido isenta não só do pecado original e da corrupção (que são
privilégios definidos pela Igreja com os dogmas da Imaculada e da Assunção);
nessa linha, ia-se muito além, até achar que Maria teria sido isentada das
dores do parto, do cansaço, da dúvida, da tentação, da ignorância e finalmente,
o mais grave, também da morte. De fato, para alguns, Maria teria sido levada ao
céu sem precisar passar pela morte.
Tudo isso -
pensava-se - é consequência do pecado, e Maria não tinha pecado. Dessa maneira,
passava despercebido que, em vez de “associar” Maria a Jesus, chegava-se a
dissociá-la completamente dele que, mesmo sem ter pecado, para nosso proveito
quis experimentar tudo isso, cansaço, dor, angústia, tentações e morte. Toda
essa mentalidade refletia-se na iconografia de Nossa Senhora, isto é, na
maneira como era representada em estátuas, pinturas e imagens: uma criatura
geralmente desencarnada e idealizada, de uma beleza frequentemente só humana,
que qualquer mulher desejaria possuir; em suma, uma Nossa Senhora que parece
ter tocado a terra apenas de leve, com a ponta dos pés.
Agora,
seguindo o Concílio Vaticano II, a categoria fundamental com a qual procuramos
compreender a santidade única de Maria já não é a do privilégio, mas a da fé.
Maria caminhou, ou melhor, “progrediu” na fé [3]. Isso não diminui, mas aumenta
sem medida a grandeza de Maria. De fato, a grandeza espiritual de uma criatura
perante Deus, nesta vida, não é medida tanto por aquilo que Deus lhe dá, quanto
por aquilo que Deus lhe pede. E veremos que Deus pediu muito a Maria, mais do
que a qualquer outra criatura, mais do que ao próprio Abraão.
No Novo
Testamento, encontramos palavras fortes sobre Jesus. Uma delas diz que “nós não
temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; pelo
contrário, ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado”
(Hb 4,15); outra diz que, apesar de Filho de Deus, aprendeu a obedecer,
sofrendo (Hb 5,8). Se Maria seguiu o Filho na kenoseis, estas palavras, com as
devidas proporções, aplicam-se também a ela e constituem, aliás, a verdadeira
chave de compreensão da sua vida. Maria, apesar de ser a mãe, sofrendo aprendeu
a obedecer.
Por acaso
Jesus não era suficientemente obediente na infância, ou não sabia o que é a
obediência, de modo que precisasse aprender a conhecê-la “pelo sofrimento”?
Não; aqui, “aprender” significa “conhecer”, que na Bíblia geralmente tem o
sentido concreto de experimentar, saborear. Jesus exerceu a obediência, avançou
nela através do sofrimento. Precisava de uma obediência sempre maior para
vencer resistências e provações sempre maiores, até a prova suprema da morte.
Também Maria aprendeu a fé e a obediência; nelas, avançou através dos sofrimentos,
tanto que podemos dizer dela, com toda a confiança: não temos uma mãe que não
possa compadecer-se das nossas fraquezas, do nosso cansaço, das nossas
tentações; pelo contrário, ela mesma foi provada em tudo, à nossa semelhança,
exceto no pecado.
Maria durante a vida pública de Jesus
Há, nos
Evangelhos, referências a Nossa Senhora que, no passado, no clima dominado pela
ideia de privilégio, criavam certo embaraço entre os fiéis, e que agora, pelo
contrário, aparecem-nos como marcos nesse caminho de fé de Maria. Passagens
que, por isso mesmo, não precisamos pôr de lado apressadamente, ou suavizar com
explicações convenientes. Consideremos brevemente esses textos.
Comecemos
com o episódio da perda de Jesus no Templo (cf. Lc 2,41). Este foi o início do
mistério pascal de despojamento para a Mãe. De fato, o que precisou ela ouvir
depois de tê-lo encontrado novamente? “Por que me procuráveis? Não sabeis que
devo estar na casa de meu Pai?”. “Por que me procuráveis?”
Essas palavras colocavam entre ela e Jesus outra vontade, infinitamente mais
importante, que punha em segundo lugar qualquer outro relacionamento, também o
relacionamento filial com ela.
Continuemos,
porém. Encontramos uma menção de Maria em Caná da Galileia, exatamente no
momento em que Jesus está começando seu ministério público. Conhecemos os
fatos. Qual a resposta que Maria ouviu de Jesus ao seu discreto pedido de
intervenção? “Que temos nós com isso, mulher?” (Jo 2,4). De qualquer maneira
que se expliquem essas palavras, elas soam duras, mortificantes; parecem
novamente colocar uma distância entre Jesus e sua Mãe.
Todos os
três Sinóticos referem-nos este outro episódio acontecido durante a vida
pública de Jesus. Um dia, enquanto Jesus estava pregando, chegaram sua Mãe e
alguns parentes para falar-lhe. Talvez a mãe estivesse preocupada com a saúde
dele, o que é muito natural para uma mãe, pois logo antes está escrito que
Jesus, por causa da multidão, não podia nem comer (cf. Mc 3,20). Percebemos um
detalhe: Maria, a Mãe, precisa até mendigar o direito de ver o Filho e de
falar-lhe. Ela não abre caminho no meio da multidão aproveitando o fato de ser
a mãe. Pelo contrário, ficou esperando fora, enquanto outros foram até Jesus
para informá-lo: “Lá fora está tua mãe que te quer falar”. Mas, aqui também, o
mais importante é a palavra de Jesus que continua sempre na mesma linha: Quem
é minha mãe, e quem são meus irmãos? (Mc 3,33).
Já
conhecemos a resposta. Procuremos nos colocar no lugar de Maria, e entenderemos
a humilhação e o sofrimento que aquelas palavras lhe causaram. Sabemos hoje
que, naquelas palavras, está mais um elogio do que uma repreensão para a mãe;
mas ela não sabia, pelo menos naquele momento. Naquele momento, havia só a
amargura de uma recusa. O Evangelho não diz se depois Jesus saiu para
falar-lhe; provavelmente, Maria teve que ir embora, sem ter visto o filho e sem
ter falado com ele.
Outro dia -
narra São Lucas - uma mulher, no meio da multidão, teve uma exclamação de
entusiasmo para com Jesus: “Feliz - ela disse - o ventre que te trouxe e os
seios que te amamentaram!”. Era um desses cumprimentos que, por si sós, bastam
para fazer a felicidade de uma mãe. Maria, porém, se estava presente ou se foi
informada, não pôde saborear tranquilamente essas palavras, porque Jesus logo se
apressou a corrigir: “Muito mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de
Deus e a põem em prática” (Lc 11,27-28).
Ainda um
último detalhe nesta linha. São Lucas, num determinado ponto do seu Evangelho,
fala de um grupo de piedosas mulheres - cujo nome também refere - que tinham
sido beneficiadas por ele e que o “serviam com os seus bens” (cf. Lc 8,2-3), e
que cuidavam das necessidades materiais dele e dos apóstolos, preparando uma
refeição, lavando ou consertando uma roupa, etc. O que isso tem a ver com
Maria? É que, entre essas mulheres, não aparece a mãe, e todos sabem o quanto
uma mãe gostaria de prestar esses pequenos serviços ao filho, especialmente se
consagrado ao Senhor. Aí temos o sacrifício total do coração.
O que
significa tudo isso? Uma série de fatos e de palavras tão detalhados e
coerentes não pode ser um acaso. Também Maria teve que experimentar a sua kenose.
A kenosis de Jesus consistiu no despojar-se de seus legítimos
direitos e de suas prerrogativas divinas, assumindo a condição de servo e
manifestando-se exteriormente como simples homem. A kenosis de
Maria consistiu em deixar-se despojar de seus legítimos direitos como mãe do
Messias, parecendo diante de todos uma mulher como as outras. A condição de Filho
não poupou Cristo de qualquer humilhação; da mesma forma, a qualidade de Mãe de
Deus não poupou a Maria qualquer humilhação. Jesus dizia que a Palavra é o
instrumento com que Deus poda e limpa os ramos: “Vós estais limpos, devido à Palavra”
(Jo 15,3). E tais foram as palavras que ele dirigiu à sua Mãe. Por acaso, não
seria essa Palavra a espada que, conforme Simeão, um dia lhe traspassaria a
alma?
A
maternidade divina de Maria era também, e antes de tudo, uma maternidade
humana; tinha um aspecto também “carnal”, no sentido positivo deste termo.
Aquele Filho era o seu filho, era a sua única riqueza, o seu único apoio na
vida. Mas ela precisou renunciar a tudo o que havia de humanamente exaltante na
sua vocação. O Filho mesmo colocou-a numa situação tal que ela não podia
aproveitar-se de nenhuma vantagem terrena da sua situação de mãe. Seguia Jesus
como se não fosse sua mãe. Desde que começou seu ministério e deixou Nazaré,
Jesus não teve onde reclinar a cabeça, e Maria não teve onde reclinar seu
coração.
À sua
pobreza material, que já era muito grande, Maria precisou acrescentar também a
pobreza espiritual, no seu grau mais alto. Pobreza de espírito que consiste em
deixar-se despojar de todos os privilégios, em não poder apoiar-se em nada, nem
do passado nem, do futuro, nem nas revelações, nem nas promessas, como se tudo
isso não lhe pertencesse e nunca tivesse acontecido. É uma espécie de noite
escura da memória. Essa consiste no esquecer-se, ou melhor, na impossibilidade
de, mesmo querendo, lembrar do passado, lançados unicamente na direção de Deus,
vivendo de pura esperança. Essa é a verdadeira e radical pobreza de espírito,
que é rica só de Deus e, mesmo isso, só na esperança.
Com sua mãe,
Jesus comportou-se como um diretor espiritual lúcido e exigente que, tendo
entrevisto uma alma extraordinária, não a faz perder tempo nem contemporizar
com sentimentos e consolações naturais; pelo contrário, se ele mesmo for santo,
arrasta-a numa corrida sem tréguas para o despojamento total, para chegar à
união com Deus. Ensinou a Maria a renúncia a si mesma. A seus seguidores, de
todos os séculos, Jesus os dirige mediante o seu Evangelho; sua mãe, porém,
dirigiu-a de viva voz, pessoalmente.
Por uma das
mãos, Jesus deixava-se conduzir pelo Pai, através do Espírito, para onde o Pai
o queria: ao deserto para ser tentado, ao monte para ser transfigurado, ao
Getsêmani para suar sangue... Eu sempre faço – ele dizia – o que é do seu
agrado (Jo 8,29). Com a outra mão, Jesus conduz sua mãe na mesma corrida para
fazer a vontade do Pai.
Maria
discípula de Cristo
Como reagiu
Maria a este tratamento que o Filho e o próprio Deus lhe deram? Tentemos ler
novamente os textos mencionados. Constataremos o seguinte: jamais encontramos
em Maria nem o menor sinal de oposição, de discussão ou de auto-justificação;
jamais uma tentativa de mudar a decisão de Jesus! Docilidade absoluta.
Transparece
aqui a singular santidade pessoal da Mãe de Deus, a mais alta maravilha da
graça. Para verificá-lo, basta fazer algumas comparações. Por exemplo, com São
Pedro. Quando Jesus deu a entender a Pedro que em Jerusalém o esperavam recusa,
paixão e morte, Pedro “protestou” e disse: De jeito nenhum, Senhor, isso não
pode acontecer, não deve acontecer! (cf. Mt 16,22). Estava preocupado com
Jesus, mas também consigo mesmo. Maria, não.
Maria ficava
calada. Sua resposta para tudo era o silêncio. Não um silêncio de recuo e de
tristeza, porque também existe um silêncio que dentro, onde só Deus escuta, é
estrondo de homem velho. O de Maria era um silêncio bom. Percebe-se isso em
Caná da Galileia: em vez de mostrar-se ofendida, percebeu pela fé, e talvez
pelo olhar de Jesus, que podia fazê-lo e disse aos servos: “Fazei o que ele vos
disser” (Jo 2,5). Depois daquela dura palavra de Jesus reencontrado no templo,
está escrito que Maria não entendia; mas também está escrito que ela se calava
e “guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2,51).
O fato de
Maria calar-se não significa que para ela tudo seja fácil, que não precise
superar lutas, fadigas e trevas. Ela estava isenta do pecado, não da luta nem
da “fadiga do crer”. Se Jesus precisou lutar e suar sangue para levar sua
vontade humana a aderir plenamente à vontade do Pai, o que há de surpreendente
se também Maria precisou “agonizar”? Uma coisa, todavia, é certa: por nada no
mundo Maria teria querido voltar atrás. Quando perguntamos a algumas almas,
conduzidas por Deus por caminhos semelhantes, se querem que rezemos para que
tudo acabe e volte a ser como antes, apesar de transtornadas e às vezes à beira
de um aparente desespero, logo se apressam a responder: não!
Depois de
ter contemplado, no Advento, Maria como a mãe de Cristo, vamos
contemplá-la agora como a discípula de Cristo. A propósito da
palavra de Jesus: “Quem é minha mãe?... Aquele que fizer a vontade de Deus,
esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,33-35), Santo Agostinho
comenta:
Por acaso
não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que pela fé acreditou, pela fé
concebeu, que foi escolhida para que dela nascesse a salvação para os homens,
que foi criada por Cristo, antes que Cristo fosse criado no seu seio? Santa
Maria fez a vontade do Pai e a cumpriu inteiramente; e, por isso, para Maria, é
mais importante o ter ela sido discípula de Cristo, do que ter sido a Mãe de
Cristo. Tem mais valor, é prerrogativa mais feliz ter sido discípula do que Mãe
de Cristo. Maria era feliz porque, antes de dar à luz o Filho, trouxe no ventre
o Mestre... Por isso mesmo, pois, também Maria foi feliz porque escutou a
Palavra de Deus e a pôs em prática [4].
Corporalmente,
Maria é apenas mãe de Cristo, mas, espiritualmente, é sua irmã e sua mãe” [5].
Devemos,
então, pensar que a vida de Maria foi uma vida de contínua aflição e de
tristeza? Muito pelo contrário. Por analogia com o que aconteceu aos santos,
devemos afirmar que, neste caminho de despojamento, Maria descobria, dia a dia,
uma alegria de tipo novo, diferente das alegrias maternas de Belém ou de
Nazaré, quando apertava Jesus em seus braços. A alegria de não fazer sua
própria vontade. A alegria de crer. A alegria de dar a Deus o que de mais
precioso existe para ele, uma vez que, também em se tratando de Deus, há mais
alegria em dar que em receber. A alegria de descobrir um Deus, cujos caminhos
são inacessíveis e cujos pensamentos não são os nossos, mas que se dá a conhecer
pelo que é: Deus, o Santo.
Uma grande
mística, Santa Ângela de Folinho, que tinha feito experiências análogas, fala
de uma alegria especial, no limite das possibilidades humanas de compreensão,
que ela chama de “alegria da incompreensibilidade” (gaudium
incomprehensibilitalis). Alegria que consiste em entender que não se pode
entender, e que um Deus compreendido já não seria Deus. Esta
incompreensibilidade, em vez de tristeza, gera alegria, porque mostra que Deus
é ainda mais rico e maior do que consegues entender, e que ele é o “teu” Deus!
Esta é a alegria que os Santos têm no céu e que a Virgem Santa, de acordo com
Santa Ângela, teve já, em alguns momentos, nesta vida [6].
De nossa
meditação sobre Maria na vida pública de Jesus, relatamos uma certeza
consoladora: Temos uma Mãe capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, tendo
ela mesma sido provada em tudo à nossa semelhança, exceto no pecado. Agora que
está glorificada no céu perto do Filho, Maria pode estender sua mão materna
para nós pequeninos, levando-nos consigo e dizendo, com bem mais razão que o
Apóstolo: “Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1).
Vamos,
portanto, recorrer a ela neste momento de grande provação, com a antiga e bela
oração do Sub tuum praesidium:
À Vossa
Proteção recorremos, Santa Mãe de Deus
Não
desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades
Mas livrai-nos
sempre de todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita.
[1] S. João
Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 18 (AAS, 79, 1987, p. 382ss.)
[2] ibid.
17.
[3] Lumen
gentium, 58.
[4] Sto.
Agostinho, Sermão 72 A, 7 (Miscellanea Agostiniana, I, p.
162).
[5] Sto.
Agostinho, Sobre a santa Virgindade, 5-6 (PL 40, 399).
[6] O
livro da B. Angela da Foligno, Istr. III (Ed. Quaracchi, Grottaferrata,
1985, p. 468).
Fonte: Vatican News
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