sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Leitura litúrgica da Segunda e da Terceira Cartas de João

“Conosco estarão a graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, o Filho do Pai, na verdade e no amor” (2Jo 3)

Durante o mês de setembro dedicamos três postagens em nosso blog para analisar a leitura litúrgica da Primeira Carta de João (1Jo), tema do “Mês da Bíblia” no Brasil neste ano de 2019.

No final da terceira parte propusemo-nos analisar, como complemento, a Segunda Carta de João (2Jo) e a Terceira Carta de João (3Jo). Como ambos são escritos muito breves, com apenas um capítulo, possuem, como veremos, poucas ocorrências nas celebrações litúrgicas do Rito Romano.

1. Breve introdução à Segunda e à Terceira Cartas de João

Assim como a 1Jo, a Segunda e a Terceira Cartas integram o duplo bloco das Cartas Católicas e dos Escritos Joaninos. Contudo, diferem-se da Primeira não apenas por sua brevidade (a 2Jo possui 13 versículos, enquanto a 3Jo possui 15), mas também por seu gênero literário.

Enquanto na Primeira Carta faltam os atributos tradicionais do gênero epistolar, como remetente, destinatário, saudação inicial ou recomendações finais, na 2Jo e na 3Jo estes atributos estão presentes, podendo ser classificadas seguramente como cartas.

Ambas têm como remetente um personagem que se define como “o Ancião” ou “o Presbítero” (ὁ πρεσβύτερος). Mais do que um ministério, o título designa aqui a autoridade que este personagem possuía na comunidade.

A 2Jo é dirigida a uma comunidade, designada como “a senhora eleita” (2Jo 1), enquanto a 3Jo é destinada a um indivíduo, o “caríssimo Gaio” (3Jo 1), talvez membro da comunidade à qual foi escrita a carta anterior ou de uma comunidade próxima.

Ambas, sobretudo a 2Jo, retomam temas já propostos na Primeira Carta, devendo, portanto, ser datadas depois desta, no início do século II (entre os anos 100 e 110). O local de redação é provavelmente a Ásia Menor, uma vez que nesta região era forte a influência da escola joanina.

A 2Jo retoma o tema do amor (vv. 4-6), presente tanto no Quarto Evangelho quanto na Primeira Carta, exortando os membros da comunidade a viver segundo este mandamento. Além disso, o autor retoma o tema dos “opositores” ou “anticristos” da 1Jo,  exortando a comunidade a não acolhê-los (vv. 7-11).

A 3Jo, por sua vez, começa com um elogio do autor a Gaio por este “viver na verdade” (vv. 3-8). O tema da verdade também está presente tanto no Evangelho de João quanto na Primeira Carta. A segunda parte da Carta, em contrapartida, é uma reprimenda a Diótrefes, que não acolhia os ensinamentos do Ancião (vv. 9-11). Por fim, a Carta conclui com um pedido a acolher Demétrio, provavelmente um missionário ou pregador itinerante (v. 12).

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem [1].

O Apóstolo João escrevendo

2. Leitura litúrgica de 2Jo e 3Jo: Leitura semicontínua

Devido à sua brevidade, cada uma das Cartas possui apenas duas ocorrências nas celebrações litúrgicas do Rito Romano, uma na Missa e outra na Liturgia das Horas, todas a partir do critério da leitura semicontínua [2].

a) Celebração Eucarística

Na celebração da Missa, a 2Jo e a 3Jo são lidas no Tempo Comum, mais especificamente na XXXII semana do Tempo Comum do ano par. Nesta semana leem-se alguns escritos mais breves do Novo Testamento: a Carta a Tito (de segunda a quarta-feira), a Carta a Filêmon (quinta-feira) e as duas Cartas joaninas.

A 2Jo é lida na sexta-feira desta semana, mais especificamente os vv. 4-9 [3]. Trata-se aqui do corpo da Carta, com sua exortação à vivência do mandamento do amor (vv. 4-6) e parte da exortação contra os “opositores” (vv. 7-9).

A 3Jo, por sua vez, é proclamada no dia seguinte, sábado. Desta carta leem-se os vv. 5-8 [4], parte do elogio a Gaio por sua vivência da verdade e por ter acolhido os missionários.

b) Liturgia das Horas

Como vimos na última parte da nossa pesquisa sobre a Primeira Carta de João, esta é lida na Liturgia das Horas no Ofício das Leituras da VI e da VII semanas do Tempo Pascal. Trata-se aqui de leituras longas, que abrangem a totalidade do escrito, concluindo-se na quinta-feira da VII semana da Páscoa.

A leitura litúrgica da 2Jo e da 3Jo na Liturgia das Horas se insere justamente na sequência da Primeira Carta, encerrando o Tempo Pascal [5]:

Ofício das Leituras da VII semana da Páscoa:
Sexta-feira: 2Jo 1-13 - “Quem permanece na doutrina, possui o Pai e o Filho”;
Sábado: 3Jo 1-15 - “Vivamos na verdade”.

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, as três Cartas de João são lidas nos mesmos dias, porém apenas no ano ímpar.

"Conosco estarão a graça, a misericórdia e a paz..." (2Jo 3)

Concluímos assim nossa apresentação da leitura litúrgica da Segunda e da Terceira Cartas de João. Vemos que, embora sejam escritos brevíssimos, também eles estão presentes nas celebrações litúrgicas do Rito Romano, contribuindo para aprofundarmos os temas já apresentados no Quarto Evangelho e na Primeira Carta de João.

Em postagens futuras continuaremos a analisar a leitura litúrgica dos escritos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, contribuindo assim para uma melhor compreensão da Palavra de Deus em sua relação com a Liturgia.

Notas:
[1] BROWN, Raymond. Segunda carta de João; Terceira carta de João. in: Introdução ao Novo Testamento. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2012, pp. 535-540.541-546.
TUÑI, Josep-Oriol. As cartas de São João. in: ALEGRE, Xavier; TUÑI, Josep-Oriol. Escritos joaninos e cartas católicas. 2ª ed. São Paulo: Ave Maria, 2007, pp. 155-189. Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia, v. 8.
ZUMSTEIN, Jean. As epístolas joaninas. in: MARGUERAT, Daniel [org.]. Novo Testamento: História, escritura e teologia. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 487-491.
[2] A leitura semicontínua, como indica o n. 66 do Elenco das Leituras da Missa, consiste na leitura dos principais textos de um livro na sequência, de modo a oferecer aos fiéis um contato mais amplo com a Sagrada Escritura (cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76).
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. 1183.
[4] ibid., p. 1187.
[5] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. II, pp. 902.909.

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