sábado, 5 de outubro de 2019

Homilia: XXVII Domingo do Tempo Comum - Ano C

São João Cassiano
Conferências, 3
A fé é um dom de Deus

Os Apóstolos estavam tão intimamente convencidos de que tudo o que se refere à salvação era neles dom gratuito de Deus, que imploravam d’Ele que lhes concedesse inclusive a fé: Aumenta-nos – diziam – a fé. A perfeição desta virtude não derivava de seu livre-arbítrio, mas da generosa doação de Deus. Mas o mesmo autor de nossa salvação nos ensina quão escorregadia e fraca é a nossa fé, e quão insuficiente, sobretudo, se não está fortalecida com o seu próprio auxílio. Por isso disse a Pedro: Simão, Simão, eis que Satanás quis peneirar-vos como o trigo, porém eu roguei ao meu Pai para que a tua fé não desfaleça.
Também aquele pai do qual fala o Evangelho tinha experiência disso. Vendo que ao empurrão das ondas ia naufragar a sua fé contra os recifes da incredulidade, chamou ao Senhor em seu auxílio com aquelas palavras: Senhor, ajuda a minha incredulidade.
Os personagens evangélicos e os Apóstolos tinham tão arraigada a ideia de que todo bem se consuma em nós pelo auxílio de Deus, que não confiavam para nada em si mesmos. Nem sequer apreciavam de poder conservar intacta a sua fé graças ao seu livre-arbítrio: pediam ao Senhor que lhes concedesse ou aumentasse.
Pois bem: se a fé de Pedro tinha a necessidade do socorro de Deus para manter-se firme e para que não sucumbisse, quem será tão presunçoso e cego que se creia com forças suficientes para guardar a sua sem ser continuamente sustentado pela graça divina? Ainda mais tendo em conta que o Senhor declara o contrário no Evangelho: Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo se não permanecer na videira, tampouco vós se não permanecerdes em mim. E acrescenta imediatamente: Porque sem mim nada podeis fazer.
Enfim, quão néscio e ainda sacrílego seria vangloriar-se das boas obras, em lugar de atribuí-las à graça e proteção divinas, o diz o próprio Senhor ao afirmar que ninguém pode, sem cooperação e inspiração sua, produzir frutos espirituais: Todo bem e todo dom perfeito brota do Pai das luzes. O mesmo afirma Zacarias: Se há algum bem, é d’Ele, e se existe algo maravilhoso, procede d’Ele. Por isso, o Apóstolo se mantém sempre na mesma tônica, ao dizer: O que tu tens que não tenha recebido? E se o recebeste, por que te glorias, como se não a tivesse recebido?


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 727-728. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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