São Gregório Nazianzeno
Sermão 14
“Vamos
de uma vez em busca do Verbo, busquemos aquele descanso”
Não se glorie o sábio de seu saber, não se
glorie o rico em sua riqueza, não se glorie o soldado de seu valor, ainda
que tivessem escalado o cume do saber, da riqueza ou do valor. Vou acrescentar
à lista novos paralelismos: nem se glorie o famoso e célebre em sua glória, nem
o que está são de sua saúde, nem o elegante de sua formosa presença, nem o
jovem de sua juventude; em uma palavra, que nenhum soberbo ou vaidoso se glorie
em nenhuma daquelas coisas que celebram os mortais. Em todo caso, aquele que se
gloria que se glorie somente nisto: em conhecer e buscar a Deus, em
compadecer-se da sorte dos miseráveis e em fazer reservas de bem para a vida
futura.
Todo o resto são
coisas inconsistentes e frágeis e, como no jogo do xadrez, passam de uns aos
outros, mudando de campo; e nada é tão próprio daquele que o possui que não
acabe se esvaindo com o passar do tempo ou há de transmitir-se com dor aos
herdeiros. Aquelas, porém, são realidades seguras e estáveis, que nunca nos
deixam nem se dissipam, nem ficam frustradas as esperanças daqueles que
depositaram nelas sua confiança.
A meu parecer
esta é, também, a causa de que os homens não tenham nesta vida nenhum bem
estável e duradouro. E isto – como tudo o demais – assim o dispôs sabiamente a
Palavra Criadora e aquela Sabedoria que supera todo entendimento, para que nos
sintamos defraudados pelas coisas que estão debaixo de nossa observação, ao ver
que estão sempre mudando em um ou outro sentido, ora estão em alta ora em
baixa, padecendo contínuos reveses e, já antes de tê-las na mão, te escorregam
e te escapam.
Comprovando,
portanto, sua instabilidade e variabilidade, esforcemo-nos por atracar ao porto
da vida futura. O que não faríamos nós de ser constante nossa prosperidade se,
inconsistente e frágil como é, até tal ponto nos encontramos como subjugados
por sutis cadeias e reduzidos a esta servidão por seus prazeres enganosos, que
nos encontramos incapacitados para pensar que possa haver algo melhor e mais
excelente das realidades presentes, e isto apenas de escutar e estar firmemente
persuadidos de que fomos criados à imagem de Deus, imagem que está acima e nos
atrai a si?
Aquele que seja sábio, que recolha estes
fatos. Quem deixará passar as coisas transitórias? Quem prestará atenção às
coisas estáveis? Quem considerará como efêmeras as coisas presentes? Feliz o
homem que, dividindo e demarcando estas coisas com a espada da Palavra que
separa o melhor do pior, prepara as elevações de seu coração, como em certo
lugar afirma o Profeta Davi, e fugindo com todas as suas energias deste vale de
lágrimas, busca os bens do alto e, crucificado ao mundo com Cristo, com Cristo
ressuscita, juntamente com Cristo ascende, herdeiro de uma vida que já não é
nem decrépita nem falaz: onde já não existe serpente que morde junto ao caminho
nem que espreita o calcanhar, como pode se comprovar observando sua cabeça.
Considerando
tudo isso, também o bem-aventurado Miquéias diz atacando aos que se arrastam
por terra e têm do bem somente o ideal: Aproximai-vos
dos montes eternos; pois, adiante, marchai-vos!, que não é lugar de repouso.
São mais ou menos as mesmas palavras com as quais nos anima nosso Senhor e
Salvador, dizendo: Levantai-vos, vamos
daqui! Jesus disse isso não somente aos que naquela ocasião tinha como
discípulos, os convidando a sair unicamente daquele lugar – como talvez alguém
possa pensar –, mas tratando de afastar sempre e a todos os seus discípulos da
terra e das realidades terrenas, para elevá-los ao céu e às realidades
celestiais.
Vamos, portanto,
de uma vez em busca do Verbo, busquemos aquele descanso, rejeitemos a riqueza e
a abundância desta vida. Aproveitemo-nos unicamente daquilo que de bom há
nelas, a saber: redimamos nossas almas à base de esmolas, demos aos pobres
nossos bens, para enriquecer-nos com aqueles do céu.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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