sexta-feira, 5 de abril de 2019

Leitura litúrgica do Livro de Joel

“Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração” (Jl 2,12)

Com estas palavras do Livro de Joel a Igreja de Rito Romano inicia o Tempo da Quaresma. Certa vez ouvi que a Quarta-feira de Cinzas é o único dia do ano em que ouvimos um trecho deste livro. De fato, a profecia de Joel é bastante “discreta” - possui apenas quatro capítulos -, mas não é verdade que a ouvimos apenas uma vez ao ano.

Fiz uma pesquisa nos atuais livros litúrgicos, não apenas da Missa, mas também dos sacramentos e sacramentais, e identifiquei as ocasiões em que a profecia de Joel é lida em nossas celebrações.

Segue, portanto, minha análise sobre a leitura litúrgica do profeta Joel: o profeta da penitência e do Pentecostes.

1. Breve introdução ao Livro de Joel

O Livro do profeta Joel foi escrito provavelmente no século IV a.C., após o retorno do povo de Israel do exílio da Babilônia. Isto o situa entre os últimos profetas do Antigo Testamento e como um dos precursores da literatura apocalíptica, da qual alguns elementos podem perceber-se na obra.

O Livro está claramente dividido em duas partes: a primeira (Jl 1,1–2,17) constituiu uma espécie de “Liturgia penitencial”: diante do mal (simbolizado por uma invasão de gafanhotos famintos), o profeta convida o povo à penitência e à conversão.

A segunda parte (Jl 2,18–4,21) consiste na resposta de Deus, que intervém com a efusão do Espírito, o julgamento das nações inimigas e um tempo de abundância para Israel.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem [1].

Profeta Joel (Teto da Capela Sistina)

2. Leitura litúrgica de Joel: Composição harmônica

Para analisar a presença do Livro de Joel nas celebrações litúrgicas, consideraremos aqui os dois critérios de escolha dos textos propostos no Elenco das Leituras da Missa, n. 66: a composição harmônica e a leitura semicontínua [2].

A composição harmônica consiste na escolha dos textos em sintonia como tempo ou da festa litúrgica; na leitura semicontínua, por sua vez, se leem os principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis uma leitura mais ampla da Sagrada Escritura.

a) Celebração Eucarística

Durante o ciclo do Ano Litúrgico encontramos duas vezes o nosso livro: exatamente no início e no fim do Ciclo Pascal, isto é, na Quarta-feira de Cinzas e na Vigília de Pentecostes. Joel, o profeta da penitência e do Pentecostes, constitui assim a “moldura” desse Ciclo.

Na Quarta-feira de Cinzas lê-se a perícope de Jl 2,12-18 [3], a conclusão da 1ª parte do Livro, na qual, como vimos, o profeta convida o povo à penitência. Trata-se de uma leitura especialmente adequada à ocasião.

Na Vigília de Pentecostes, por sua vez, propõe-se o texto de Jl 3,1-5 [4], que narra a efusão do Espírito Santo no dia de Iahweh. Quando se celebra a forma breve da Vigília, com uma leitura do Antigo Testamento, esta leitura pode ser proferida à escolha; quando se celebra a forma longa, com quatro leituras do AT (à semelhança da Vigília Pascal), a leitura de Joel é a quarta.

Nos formulários das Missas para diversas circunstâncias, temos três textos do nosso profeta, sempre proclamados ad libitum (à escolha, uma vez que para essas Missas há várias opções de leituras):

Na Missa pelos cristãos leigos pode-se ler o mesmo texto da Vigília de Pentecostes: Jl 3,1-5 [5], enfatizando a ação do Espírito Santo sobre os batizados.

Na Missa após as colheitas, por sua vez, sugere-se o texto de Jl 2,21-24.26-27 [6], do início da 2ª parte do Livro, no qual se profetiza um tempo de abundância nas colheitas.

Por fim, na Missa pelo perdão dos pecados é possível retomar a leitura da Quarta-feira de Cinzas: Jl 2,12-18 [7], com seu convite à penitência.

Joel: o profeta da penitência

b) Sacramentos e sacramentais

Das celebrações dos Sacramentos e Sacramentais podemos recolher também três textos do nosso Livro, todos eles proferidos ad libitum:

No Sacramento da Confirmação pode-se ler uma versão mais longa do texto da Vigília de Pentecostes: Jl 2,23a.26–3,1-3a [8].

Na celebração do Sacramento da Reconciliação, dentre as leituras propostas, encontra-se uma versão ligeiramente mais longa da leitura da Quarta-feira de Cinzas: Jl 2,12-19 [9].

Quanto aos Sacramentais, pode-se retomar o texto já citado acima na Missa após as colheitas - Jl 2,21-24.26-27 - na Bênção dos frutos novos, dada a estreita relação entre ambas [10].

c) Liturgia das Horas:

Por fim, aqueles que rezam a Liturgia das Horas tomarão contato com três textos de Joel em composição harmônica:

A “Liturgia penitencial” da Quarta-feira de Cinzas aparece em duas perícopes nas leituras breves do Tempo da Quaresma:

Terças-feiras da Quaresma até a da IV semana:
Laudes: Jl 2,12-13 [11];
Hora Média (9h): Jl 2,17[12].

Um trecho da perícope da efusão do Espírito, por sua vez, é lido nas Laudes da Festa da Visitação de Maria (31 de maio): Jl 2,27–3,1 [13]. Interessante escolha, considerando a referência explícita ao Espírito neste episódio (Lc 1,39-45) e o tom profético do cântico de Maria (vv. 46-55).

3. Leitura litúrgica de Joel: Leitura semicontínua

a) Celebração Eucarística

Na celebração da Missa, foram escolhidas duas leituras do nosso profeta, especificamente na XXVII semana do Tempo Comum do ano ímpar. Nesta semana leem-se trechos de três dos últimos profetas: Jonas, Malaquias e Joel.

Os textos deste último aparecem na sexta-feira e no sábado [14]:
Sexta-feira: Jl 1,13-15; 2,1-2;
Sábado: Jl 4,12-21.

Cumpre notar que são perícopes que até então não tinham sido lidas em outras celebrações, cumprindo-se assim a finalidade da leitura semicontínua, que é o maior contato dos fiéis com as Escrituras.

Joel: o profeta do Pentecostes

b) Liturgia das Horas

Concluindo nosso percurso pela leitura litúrgica de Joel, retornamos à Liturgia das Horas, desta vez para o Ofício das Leituras, onde são propostos trechos mais longos da Palavra de Deus, obedecendo ao critério da leitura semicontínua.

Livro de Joel figura aqui em dois dias, no Ofício das Leituras da XXXIII semana do Tempo Comum, destacando-se os temas escatológicos, uma vez que esta é a penúltima semana do Ano Litúrgico, como indicam os “títulos” das perícopes:
Domingo: Jl 2,21–3,5 - “Os últimos tempos”;
Segunda-feira: Jl 4,1-3.9-21 - “Juízo final e felicidade eterna” [15].

Nos outros dias dessa semana lê-se outro dos últimos profetas do AT, o Dêutero-Zacarias (capítulos 9 a 14), também enfatizando a temática escatológica.

No ciclo bienal do Ofício, que não foi traduzido para o Brasil, nosso profeta é lido praticamente na íntegra no Ofício das Leituras de segunda a quinta-feira da XVIII semana do Tempo Comum no ano par, entre a leitura de Abdias (domingo) e Malaquias (sexta e sábado):
Segunda: Jl 1,1.13–2,11 - “Está próximo o dia do Senhor”;
Terça: Jl 2,12-27 - “Convertei-vos a mim de todo o coração
Quarta: Jl 3,1–4,8 - “O juízo final”;
Quinta: Jl 4,9-21 - “Juízo das nações. Depois virá a luz[16].

"Profeta Joel" de Aleijadinho
(Santuário do Bom Jesus de Matosinhos - MG)

Concluímos, assim, esta breve apresentação das celebrações litúrgicas nas quais a Igreja se reúne para ouvir a profecia de Joel. Esperamos no futuro fazer análises semelhantes com outros livros da Sagrada Escritura, a fim de que possamos crescer no conhecimento da Palavra de Deus e de sua relação com a Liturgia.

Notas:
[1] ABREGO DE LACY, José Maria. Os livros proféticos. 2ª ed. São Paulo: Ave Maria, pp. 239-243. Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia, v. 4.
MACCHI, Jean-Daniel. Joel. in: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo Testamento: História, Escritura e Teologia. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 484-490.
[2] ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. 153.
[4] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 223.540.853.
[5] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. 499.
[6] ibid., p. 640.
[7] ibid., p. 701.
[8] LECIONÁRIO IV: Lecionário do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 11.
[9] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus: 1999, p. 114.
[10] RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 279.
[11] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, v. II, pp. 93.150.206.265.
[12] ibid., v. II, pp. 94.151.208.266.
[13] ibid., v. II, p. 160; v. III, p. 1324.
[14] LECIONÁRIO II, pp. 1068.1072.
[15] OFÍCIO DIVINO, v. IV, pp. 461.466.
[16] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.

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