“Agora, diz o Senhor,
voltai para mim com todo o vosso coração” (Jl 2,12)
Com estas palavras do Livro
de Joel a Igreja de Rito Romano inicia o Tempo da Quaresma. Certa vez ouvi que a Quarta-feira de Cinzas é o
único dia do ano em que ouvimos um trecho deste livro. De fato, a profecia de
Joel é bastante “discreta” - possui apenas quatro capítulos -, mas não é
verdade que a ouvimos apenas uma vez ao ano.
Fiz uma pesquisa nos atuais livros litúrgicos, não apenas da
Missa, mas também dos sacramentos e sacramentais, e identifiquei as ocasiões em
que a profecia de Joel é lida em nossas celebrações.
Segue, portanto, minha análise sobre a leitura litúrgica do
profeta Joel: o profeta da penitência e do Pentecostes.
1. Breve introdução
ao Livro de Joel
O Livro do profeta
Joel foi escrito provavelmente no século IV a.C., após o retorno do povo de
Israel do exílio da Babilônia. Isto o situa entre os últimos profetas do Antigo
Testamento e como um dos precursores da literatura apocalíptica, da qual alguns
elementos podem perceber-se na obra.
O Livro está
claramente dividido em duas partes: a primeira (Jl 1,1–2,17) constituiu uma
espécie de “Liturgia penitencial”: diante do mal (simbolizado por uma invasão
de gafanhotos famintos), o profeta convida o povo à penitência e à conversão.
A segunda parte (Jl 2,18–4,21) consiste na resposta de Deus,
que intervém com a efusão do Espírito, o julgamento das nações inimigas e um
tempo de abundância para Israel.
Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da
postagem [1].
Profeta Joel (Teto da Capela Sistina) |
2. Leitura litúrgica de Joel: Composição harmônica
Para analisar a presença do Livro de Joel nas celebrações litúrgicas, consideraremos aqui os
dois critérios de escolha dos textos propostos no Elenco das Leituras da Missa, n. 66: a composição harmônica e a
leitura semicontínua [2].
A composição harmônica consiste na escolha dos textos em
sintonia como tempo ou da festa litúrgica; na leitura semicontínua, por sua
vez, se leem os principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos
fiéis uma leitura mais ampla da Sagrada Escritura.
a) Celebração
Eucarística
Durante o ciclo do Ano Litúrgico encontramos duas vezes o nosso
livro: exatamente no início e no fim do Ciclo
Pascal, isto é, na Quarta-feira de Cinzas e na Vigília de Pentecostes.
Joel, o profeta da penitência e do Pentecostes, constitui assim a “moldura” desse
Ciclo.
Na Quarta-feira de
Cinzas lê-se a perícope de Jl 2,12-18 [3], a conclusão da 1ª parte do Livro, na qual, como vimos, o profeta
convida o povo à penitência. Trata-se de uma leitura especialmente adequada à
ocasião.
Na Vigília de
Pentecostes, por sua vez, propõe-se o texto de Jl 3,1-5 [4], que narra a
efusão do Espírito Santo no dia de Iahweh.
Quando se celebra a forma breve da Vigília, com uma leitura do Antigo
Testamento, esta leitura pode ser proferida à escolha; quando se celebra a
forma longa, com quatro leituras do AT (à semelhança da Vigília Pascal), a
leitura de Joel é a quarta.
Nos formulários das Missas
para diversas circunstâncias, temos três textos do nosso profeta, sempre
proclamados ad libitum (à escolha,
uma vez que para essas Missas há várias opções de leituras):
Na Missa pelos
cristãos leigos pode-se ler o mesmo texto da Vigília de Pentecostes: Jl
3,1-5 [5], enfatizando a ação do Espírito Santo sobre os batizados.
Na Missa após as
colheitas, por sua vez, sugere-se o texto de Jl 2,21-24.26-27 [6], do
início da 2ª parte do Livro, no qual
se profetiza um tempo de abundância nas colheitas.
Por fim, na Missa
pelo perdão dos pecados é possível retomar a leitura da Quarta-feira de
Cinzas: Jl 2,12-18 [7], com seu convite à penitência.
Joel: o profeta da penitência |
b) Sacramentos e sacramentais
Das celebrações dos Sacramentos e Sacramentais podemos recolher também três textos do nosso Livro, todos eles proferidos ad libitum:
No Sacramento da Confirmação pode-se ler uma versão mais longa do texto da Vigília de Pentecostes: Jl 2,23a.26–3,1-3a [8].
Na celebração do Sacramento da Reconciliação, dentre as leituras propostas, encontra-se uma versão ligeiramente mais longa da leitura da Quarta-feira de Cinzas: Jl 2,12-19 [9].
Quanto aos Sacramentais,
pode-se retomar o texto já citado acima na Missa após as colheitas - Jl
2,21-24.26-27 - na Bênção dos frutos
novos, dada a estreita relação entre ambas [10].
c) Liturgia das
Horas:
Por fim, aqueles que rezam a Liturgia das Horas tomarão contato com três textos de Joel em composição harmônica:
A “Liturgia penitencial” da Quarta-feira de Cinzas aparece
em duas perícopes nas leituras breves do Tempo
da Quaresma:
Terças-feiras da
Quaresma até a da IV semana:
Laudes: Jl
2,12-13 [11];
Hora Média (9h): Jl
2,17[12].
Um trecho da perícope da efusão do Espírito, por sua vez, é
lido nas Laudes da Festa da Visitação de
Maria (31 de maio): Jl 2,27–3,1 [13]. Interessante escolha, considerando a
referência explícita ao Espírito neste episódio (Lc 1,39-45) e o tom profético
do cântico de Maria (vv. 46-55).
3. Leitura litúrgica de Joel: Leitura semicontínua
a) Celebração
Eucarística
Na celebração da Missa, foram escolhidas duas leituras do
nosso profeta, especificamente na XXVII semana
do Tempo Comum do ano ímpar. Nesta semana leem-se trechos de três dos
últimos profetas: Jonas, Malaquias e Joel.
Os textos deste último aparecem na sexta-feira e no sábado
[14]:
Sexta-feira: Jl 1,13-15; 2,1-2;
Sábado: Jl 4,12-21.
Cumpre notar que são perícopes que até então não tinham sido
lidas em outras celebrações, cumprindo-se assim a finalidade da leitura
semicontínua, que é o maior contato dos fiéis com as Escrituras.
Joel: o profeta do Pentecostes |
b) Liturgia das Horas
Concluindo nosso percurso pela leitura litúrgica de Joel, retornamos à Liturgia das Horas, desta vez para o Ofício das Leituras, onde são propostos trechos mais longos da Palavra de Deus, obedecendo ao critério da leitura semicontínua.
O Livro de Joel figura aqui em dois dias, no Ofício das Leituras da XXXIII semana do Tempo Comum, destacando-se os temas escatológicos, uma vez que esta é a penúltima semana do Ano Litúrgico, como indicam os “títulos” das perícopes:
Domingo: Jl 2,21–3,5 - “Os últimos tempos”;
Segunda-feira: Jl 4,1-3.9-21 - “Juízo final e felicidade eterna” [15].
Nos outros dias dessa semana lê-se outro dos últimos profetas do AT, o Dêutero-Zacarias (capítulos 9 a 14), também enfatizando a temática escatológica.
No ciclo bienal do Ofício, que não foi traduzido para o Brasil, nosso profeta é lido praticamente na íntegra no Ofício das Leituras de segunda a quinta-feira da XVIII semana do Tempo Comum no ano par, entre a leitura de Abdias (domingo) e Malaquias (sexta e sábado):
Segunda: Jl 1,1.13–2,11 - “Está próximo o dia do Senhor”;
Terça: Jl 2,12-27 - “Convertei-vos a mim de todo o coração”
Quarta: Jl 3,1–4,8 - “O juízo final”;
Quinta: Jl 4,9-21 - “Juízo das nações. Depois virá a luz" [16].
Concluímos, assim, esta breve apresentação das celebrações
litúrgicas nas quais a Igreja se reúne para ouvir a profecia de Joel. Esperamos no futuro fazer análises
semelhantes com outros livros da Sagrada Escritura, a fim de que possamos
crescer no conhecimento da Palavra de Deus e de sua relação com a Liturgia.
Notas:
[1] ABREGO DE LACY, José Maria. Os livros proféticos. 2ª ed. São Paulo: Ave Maria, pp. 239-243.
Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia,
v. 4.
MACCHI, Jean-Daniel. Joel.
in: RÖMER, Thomas; MACCHI,
Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo
Testamento: História, Escritura e Teologia. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2015,
pp. 484-490.
[2] ALDAZÁBAL, José. A
Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São
Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal.
Tradução portuguesa da 2ª edição típica
para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. 153.
[4] LECIONÁRIO I: Dominical
A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª
edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 223.540.853.
[5] LECIONÁRIO III: Para
as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para
o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. 499.
[6] ibid., p. 640.
[7] ibid., p. 701.
[8] LECIONÁRIO IV: Lecionário
do Pontifical Romano. Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p.
11.
[9] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São
Paulo: Paulus: 1999, p. 114.
[10] RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução
portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 279.
[11] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução
para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, v. II, pp.
93.150.206.265.
[12] ibid., v. II,
pp. 94.151.208.266.
[13] ibid., v. II,
p. 160; v. III, p. 1324.
[14] LECIONÁRIO II, pp. 1068.1072.
[15] OFÍCIO DIVINO, v. IV, pp. 461.466.
[16] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do
texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
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