Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
V pregação de Quaresma
12 de abril de 2019
“Deus escolheu aquele que é tolo para o mundo para confundir
os sábios”
João e Paulo: dois olhares
diferentes para o mistério
No
Novo Testamento e na história da teologia há coisas que não podem ser
compreendidas sem levar em conta um fato fundamental: a existência de duas
abordagens diferentes, ainda que complementares, ao mistério de Cristo: a de
Paulo e a de João.
João
vê o mistério de Cristo a partir da Encarnação. Jesus, o Verbo feito carne, é
para ele o supremo revelador do Deus vivo, aquele fora do qual ninguém “vai ao
Pai”. A salvação consiste em reconhecer que Jesus “veio na carne” (2Jo 7) e em
crer que ele “é o Filho de Deus” (1Jo 5,5); “Quem tem o Filho tem a vida; quem
não tem o Filho não tem a vida” (1Jo 5,12). No centro de tudo, como podemos
ver, está a “pessoa” de Jesus homem-Deus.
A
peculiaridade desta visão joanina é evidente se a compararmos com a de Paulo. Para
Paulo, o centro das atenções não é tanto a pessoa de Cristo, entendida como
realidade ontológica, mas a obra de Cristo, isto é, seu mistério pascal de
morte e ressurreição. A salvação não consiste tanto em crer que Jesus é o Filho
de Deus que veio na carne, mas em crer em Jesus “que morreu pelos nossos
pecados e ressuscitou para a nossa justificação” (cf. Rm 4,25). O acontecimento
central não é a encarnação, mas o mistério Pascal.
Seria
um erro fatal ver nisto uma dicotomia na própria origem do cristianismo. Quem
lê o Novo Testamento sem preconceitos compreende que em João a Encarnação está
em vista do mistério pascal, quando Jesus finalmente derramará o seu Espírito
sobre a humanidade (Jo 7,39), e compreende que para Paulo o mistério pascal
pressupõe e se baseia na Encarnação. Aquele que se fez obediente até a morte e
morte de cruz é aquele que “estava na forma de Deus”, igual a Deus (cf. Fl
2,5ss). As fórmulas trinitárias nas quais Jesus Cristo é mencionado juntamente
com o Pai e o Espírito Santo são uma confirmação de que, para Paulo, a obra de
Cristo toma sentido da sua pessoa.
A
diferente acentuação dos dois polos do mistério reflete o caminho histórico que
a fé em Cristo fez depois da Páscoa. João reflete o estágio mais avançado da fé
em Cristo, aquele que ocorre no final, não no início da redação dos escritos do
Novo Testamento. Ele está no final de um processo de ascensão às fontes do
mistério de Cristo. Isto pode ser visto observando onde os quatro evangelhos
começam. Marcos começa seu evangelho a partir do batismo de Jesus no Jordão;
Mateus e Lucas, que vieram depois, dão um passo atrás e começam a história de
Jesus desde seu nascimento por Maria; João, que escreve por último, dá um salto
decisivo para trás e coloca o início da história de Cristo não mais no tempo,
mas na eternidade: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus” (Jo 1,1).
A
razão para esta mudança de interesse é bem conhecida. A fé, por sua vez, entrou
em contato com a cultura grega que está mais interessada na dimensão ontológica
do que na histórica. O que conta para ela não é tanto o desenvolvimento dos
fatos, mas o seu fundamento (arché).
A este fator ambiental foram acrescentados os primeiros sinais da heresia do
docetista que questionava a realidade da encarnação. O dogma cristológico das
duas naturezas e da unidade da pessoa de Cristo será quase inteiramente baseado
na perspectiva joanina do Logos feito carne.
É
importante levar isso em conta para entender a diferença e a complementaridade
entre teologia oriental e teologia ocidental. As duas perspectivas, a paulina e
a joanina, embora fundindo-se juntas (como vemos no Credo
Niceno-Constantinopolitano), mantêm a sua acentuação diferente, como dois rios
que, fluindo um no outro, retêm por muito tempo a cor diferente das suas águas.
A teologia e a espiritualidade ortodoxa está baseada principalmente em João; a
ocidental (a protestante mais do que a católica) se fundamenta principalmente
em Paulo. Dentro da mesma tradição grega, a escola de Alexandria é mais
joanina, a da Antioquia mais paulina. Uma faz consistir a salvação na
divinização, a outra na imitação de Cristo.
A cruz, sabedoria de Deus e poder
de Deus
Agora
eu gostaria de mostrar o que tudo isso significa para a nossa busca pelo rosto
do Deus vivo. No final das meditações do Advento, falei do Cristo de João que,
no momento em que se faz carne, introduz a vida eterna no mundo. No final
destas meditações quaresmais, gostaria de falar sobre o Cristo de Paulo que
muda o destino da humanidade na cruz. Escutemos imediatamente o texto onde a
perspectiva paulina sobre a qual queremos refletir aparece mais clara:
“Uma
vez que na sabedoria de Deus o mundo não o reconheceu pela sabedoria, Deus quis
servir-se da loucura da pregação para salvar os que creem. Enquanto os judeus
pedem sinais, e os gregos procuram sabedoria, nós pregamos Cristo crucificado,
escândalo para os judeus, loucura para os gregos, mas poder e sabedoria de Deus
para os chamados, quer judeus, quer gregos. Porque o que se julga loucura de
Deus é mais sábio do que os homens; e o que se julga fraqueza de Deus é mais
forte do que os homens”. (1Cor 1,21-25).
O
Apóstolo fala de uma novidade na ação de Deus, quase uma mudança de ritmo e de
método. O mundo não foi capaz de reconhecer Deus no esplendor e na sabedoria da
criação; então ele decide revelar-se de maneira oposta, através da impotência e
da loucura da cruz. Não é possível ler esta afirmação de Paulo sem recordar a
palavra de Jesus: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque
escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”
(Mt 11,25).
Como
interpretar esta inversão de valores? Lutero falava de uma revelação de Deus “sub contraria specie”, isto é, através
do oposto do que se esperaria dele [1]. Ele é poder e revela-se na impotência,
é sabedoria e revela-se na loucura, é glória e revela-se na ignomínia, é
riqueza e revela-se na pobreza.
A
teologia dialética da primeira metade do século passado trouxe esta visão às
suas consequências extremas. Segundo Karl Barth, não há continuidade entre o
primeiro e o segundo modo de manifestação de Deus, mas sim uma ruptura. Não é apenas
uma sucessão temporal, como entre Antigo e Novo Testamento, mas de uma oposição
ontológica. Em outras palavras, a graça não constrói sobre a natureza, mas
contra ela; toca o mundo “como a tangente o círculo”, isto é, toca nela, mas
sem penetrá-la como o fermento faz com a massa. É a única diferença que,
segundo o próprio Barth, o impedia de se chamar católico; todas as outras lhe
pareciam, em comparação, de pouca importância. À analogia entis, ele opôs a analogia
fidei, isto é, à colaboração entre natureza e graça, a oposição entre a
palavra de Deus e tudo o que pertence ao mundo.
Bento
XVI, na sua encíclica “Deus caritas est”,
mostra as consequências que esta diferente visão tem em relação ao amor. Karl
Barth tinha escrito: “Onde entra em cena o amor cristão, tem início
imediatamente o conflito com o outro amor [o amor humano] esse conflito não
termina mais” [2]. Bento XVI escreve o contrário:
“Eros e ágape - amor ascendente e amor descendente - nunca se deixam
separar completamente uns dos outros [...]. A fé bíblica não constrói um mundo
paralelo nem um mundo oposto àquele fenômeno humano originário que é o amor,
mas acolhe todo o homem, intervindo na sua busca do amor para purificá-la, ao
mesmo tempo que lhe abre novas dimensões” [3].
A
oposição radical entre natureza e graça, entre criação e redenção, foi atenuada
nos escritos posteriores do próprio Barth e agora não encontra quase nenhum
apoiador. Podemos, portanto, aproximar-nos com mais serenidade da página do
Apóstolo para compreender em que consiste realmente a novidade da cruz de
Cristo.
Na
cruz, Deus se manifestou, sim, “sob o seu contrário”, mas sob o contrário do
que os homens sempre pensaram de Deus, não do que Deus é realmente. Deus é amor
e na cruz registrou-se a manifestação suprema do amor de Deus pelos homens. Em
um certo sentido, só agora, na cruz, Deus se revela “na própria espécie”, no
que lhe é próprio. O texto da Primeira Carta aos Coríntios sobre o significado
da cruz de Cristo deve ser lido à luz de um outro texto de Paulo na Carta aos Romanos:
“Com
efeito, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu no momento oportuno pelos
ímpios. Dificilmente alguém aceitaria morrer por um justo; por um homem de bem
talvez haja quem se anime a morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo
fato de Cristo ter morrido por nós, quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,6-8).
O
teólogo bizantino medieval Nicolau Cabasilas (1322-1392) nos dá a melhor chave
para entender qual é a novidade da cruz de Cristo. Escreve:
“Duas
características revelam o amante e o fazem triunfar: a primeira consiste em
fazer o bem ao amado em tudo o que é possível, a segunda em escolher sofrer por
ele e sofrer coisas terríveis se necessário. Esta última prova de amor muito
superior à primeira não podia, no entanto, concordar com Deus que é impassível
a todo o mal [...]. Portanto, para nos dar a experiência do seu grande amor e
para mostrar que nos ama com um amor ilimitado, Deus inventa a sua aniquilação,
realiza-a e fá-lo de modo a tornar-se capaz de sofrer e de sofrer coisas terríveis.
Assim, com tudo o que Ele suporta, Deus convence os homens do seu
extraordinário amor por eles e fá-los voltar para Si” [4].
Na
criação Deus nos encheu de dons, na redenção Ele sofreu por nós. A relação
entre os dois é a de um amor de beneficência que se faz amor de sofrimento.
Mas
o que aconteceu de tão importante na cruz de Cristo que se tornou a culminação
da revelação do Deus vivo da Bíblia? A criatura humana procura instintivamente
Deus na linha do poder. O título que segue o nome de Deus é quase sempre
"onipotente". E eis que, abrindo o Evangelho, somos convidados a
contemplar a absoluta impotência de Deus na cruz. O Evangelho revela que a
verdadeira onipotência é a total impotência do Calvário. É preciso pouco poder
para se exibir, é preciso muito poder para se afastar, para se apagar. O Deus
cristão é este poder ilimitado de esconder a si mesmo!
A
explicação última reside, portanto, na ligação inseparável que existe entre
amor e humildade. “Ele se humilhou tornando-se obediente até a morte” (Fl 2,8).
Ele se humilhou tornando-se dependente do objeto do seu amor. O amor é humilde
porque, pela sua natureza, cria dependência. Vemo-lo, no pequeno, do que
acontece quando duas pessoas humanas se apaixonam. O jovem que, de acordo com o
ritual tradicional, se ajoelha diante de uma menina para pedir sua mão faz o
ato mais radical de humildade da sua vida, torna-se um mendigo. É como se
dissesse: “Eu não me basto, preciso de ti para viver”. A diferença essencial é
que a dependência de Deus das suas criaturas nasce unicamente do amor que tem
por elas, o amor das criaturas entre si da necessidade que têm umas pelas
outras.
“A
revelação de Deus como amor - escreveu Henri de Lubac - obriga o mundo a rever
todas as suas ideias sobre Deus” [5]. A teologia e a exegese ainda estão longe
de ter tirado todas as consequências disso, creio eu. Uma dessas consequências
é esta. Se Jesus sofre atrozmente na cruz, não o faz principalmente para pagar
a dívida infinita no lugar dos homens. (Na parábola dos dois servos - em Lc
7,41ss - ele explicou antecipadamente que a dívida de dez mil talentos é
perdoada gratuitamente pelo rei!). Não, Jesus morre crucificado para que o amor
de Deus pudesse alcançar o homem no ponto mais remoto para o qual ele se tinha
lançado, rebelando-se contra ele, ou seja, a morte. Também a morte é agora
habitada pelo amor de Deus. No seu livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI,
escreveu:
“A
injustiça, o mal como realidade não pode ser simplesmente ignorado, deixado
para lá. Tem de ser eliminado, vencido. Esta é verdadeira misericórdia. E que
agora, dado que os homens não o podem fazer, o próprio Deus o faz - esta é a
bondade incondicional de Deus” [6].
O
motivo tradicional da expiação dos pecados conserva, como podemos ver, toda a
sua validade, mas não é a razão última. O motivo último é “a bondade incondicional
de Deus”, o seu amor.
Podemos
identificar três etapas no caminho da fé pascal da Igreja. No início há apenas
dois fatos: “morreu, ressuscitou”. “Tu o crucificaste, Deus o ressuscitou”,
clama Pedro às multidões no dia de Pentecostes (cf. At 2,23-24). Numa segunda
fase, faz-se a pergunta: “Por que morreu e por que ressuscitou?” e a resposta é
o kerigma: “Morreu pelos nossos pecados; ressuscitou pela nossa justificação”
(cf. Rm 4,25). Mais uma pergunta permanecia: “E por que morreu pelos nossos
pecados? O que o levou a fazê-lo?” A resposta (unânime, neste ponto, de Paulo e
de João) é: “Porque nos amou”. “Me amou e se entregou por mim”, escreve Paulo
(Gl 2,20); “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”,
escreve João (Jo 13,1).
A nossa resposta
Qual
será a nossa resposta diante do mistério que contemplamos e que a liturgia nos fará
reviver na semana santa? A primeira e fundamental resposta é a da fé. Não uma
fé qualquer, mas a fé pela qual tomamos posse do que Cristo conquistou para
nós. A fé que “arrebata” o Reino dos Céus (Mt 11,12). O Apóstolo conclui o
texto do qual partimos com estas palavras:
“Cristo
Jesus [...] para nós tornou-se sabedoria pela obra de Deus, justiça,
santificação e redenção, para que, como está escrito, os que se gloriam se
gloriem no Senhor” (1Cor 1,30-31).
Aquilo
que Cristo se tornou “para nós” - justiça, santidade e redenção – nos pertence;
é mais nosso do que se o tivéssemos feito nós mesmos! Não me canso de repetir,
a este respeito, o que São Bernardo escreveu:
“Em
verdade, tomo com confiança para mim (usurpo!) o que me falta das entranhas do
Senhor, porque transbordam de misericórdia [...] O meu mérito, portanto, é a
misericórdia do Senhor. Certamente não estarei desprovido de mérito até que o
Senhor não estiver desprovido de misericórdia. Se as misericórdias do Senhor
são muitas, também eu sou muito grande quanto aos méritos [...] Será que vou cantar
também a minha justiça? ‘Senhor, só me lembrarei da tua justiça’ (cf. Sl 71,16).
Em verdade, é também minha, porque fizeste para mim a justiça que vem de Deus
(cf. 1Cor 1,30)” [7].
Não
deixemos passar a Páscoa sem ter feito, ou renovado, o golpe audacioso da vida
cristã que São Bernardo nos sugeriu. São Paulo exorta frequentemente os
cristãos a “se despojar do homem velho” e “revestirem-se de Cristo” [8]. A
imagem de despir e vestir não indica uma operação puramente ascética, que
consiste em abandonar certas “roupas” e substituí-las por outras, isto é,
abandonar vícios e adquirir virtudes. É acima de tudo uma operação a ser feita
através da fé. A pessoa se coloca diante do crucifixo e, com um ato de fé,
entrega-lhe todos os seus pecados, a própria miséria passada e presente, como
aquele que se despoja e joga seus trapos sujos no fogo. Depois, reveste-se da
justiça que Cristo adquiriu para nós; diz, como o publicano no templo: “Ó Deus,
tem misericórdia de mim, pecador!”, e volta para casa como ele “justificado”
(cf. Lc 18,13-14). Isto seria realmente um “fazer a Páscoa”, realizar a santa “passagem”!
Claro
que isto não é tudo. Da apropriação, temos de passar à imitação. Cristo - dizia
o filósofo Kierkegaard aos seus amigos luteranos - não é apenas “o dom de Deus
a ser aceito pela fé”; é também “o modelo a ser imitado na vida” [9]. Gostaria
de sublinhar um ponto concreto sobre o qual tentar imitar a ação de Deus: o que
Cabasilas destacou com a distinção entre o amor de beneficência e o amor de
sofrimento.
Na
criação, Deus demonstrou o seu amor por nós, enchendo-nos de dons: a natureza
com a sua magnificência fora de nós, a inteligência, a memória, a liberdade e
todos os outros dons dentro de nós. Mas não lhe bastou. Em Cristo quis sofrer
conosco e por nós. Isto também acontece nas relações das criaturas entre si.
Quando um amor floresce, a pessoa sente imediatamente a necessidade de
manifestá-lo dando presentes à pessoa amada. É o que os namorados fazem entre
si. E sabemos como será o processo: uma vez casados, emergem os limites, as
dificuldades, as diferenças de caráter. Já não basta dar presentes; para
continuar e manter vivo o próprio matrimônio, é preciso aprender a
"carregar os fardos uns dos outros" (cf. Gl 6,2), a sofrer uns pelos
outros e uns pelos outros. É assim que o eros,
sem falhar em si mesmo, torna-se também ágape,
amor de doação e não só de busca. Bento XVI, na encíclica citada, exprime-se
assim:
“Mesmo
que inicialmente o eros seja
sobretudo anseio, ascensão - fascínio pela grande promessa de felicidade - à
medida que nos aproximamos do outro, faremos cada vez menos perguntas sobre nós
mesmos, buscaremos cada vez mais a felicidade do outro, nos preocuparemos cada
vez mais com ele, nos daremos e desejaremos ‘estar lá para’ o outro. Assim, o
momento do ágape é inserido nele; caso contrário, o eros se decompõe e também
perde a sua própria natureza. Por outro lado, o homem não pode sequer viver
exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode sempre apenas dar,
também deve receber. Quem quiser dar amor, deve recebê-lo como um dom”.
A
imitação da ação de Deus não diz respeito apenas ao matrimônio e aos casados;
num sentido diferente, diz respeito a todos nós, os consagrados, antes de todos
os outros. O progresso, no nosso caso,
consiste em passar de fazer tantas coisas por Cristo e pela Igreja para sofrer
por Cristo e pela Igreja. O que acontece no casamento acontece na vida
religiosa, e não surpreende que aconteça, pois é também um casamento, um
casamento com Cristo.
Uma
vez a Madre Teresa de Calcutá falava a um grupo de mulheres e as exortava a
sorrir para seus maridos. Uma delas opôs-se a ela: “Madre, você fala assim
porque não é casada e não conhece o meu marido”. Ela respondeu: “Você está errada.
Também sou casada e garanto-vos que, às vezes, também não é fácil para mim
sorrir para o meu Esposo”. Depois da sua morte se descobriu ao que a santa
aludia com aquelas palavras. Seguindo o seu apelo para servir os mais pobres
dos pobres, ela se comprometeu a trabalhar com entusiasmo pelo seu Esposo
divino, realizando obras que surpreenderam o mundo inteiro.
Rapidamente,
porém, a alegria e o entusiasmo se perderam, ela mergulhou em uma noite escura
que a acompanhou pelo resto da vida. Chegou a duvidar se ainda tinha a fé,
tanto assim que, quando, depois da sua morte, foram publicados os seus diários
íntimos, alguém, completamente ignorante das coisas do espírito, chegou a falar
de um “ateísmo de Madre Teresa”. A extraordinária santidade de Madre Teresa
reside no fato de que ela viveu tudo isso em absoluto silêncio com todos,
escondendo a sua desolação interior sob um sorriso constante no rosto. Nela
vemos o que significa passar do fazer as coisas por Deus, ao sofrer por Deus e
pela Igreja.
É
um horizonte muito difícil, mas felizmente Jesus na cruz não só nos deu o
exemplo deste novo tipo de amor, como também nos mereceu a graça de o fazer
nosso, de o apropriar através da fé e dos sacramentos. Por isso, durante a
Semana Santa, salte do nosso coração também o grito da Igreja: “Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi,
quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum”. Nós Vos adoramos e Vos
bendizemos, Senhor Jesus, porque pela Vossa santa cruz remistes o mundo.
Santo
Padre, Veneráveis Padres, irmãos e irmãs: Boa e Santa Páscoa!
Notas
[1]
cf. Martinho Lutero, De servo arbitrio, in WA, 18, 633; cf.
também WA, 56, pp. 392. 446-447.
[2]
Karl Barth, Dommatica ecclesiale, IV,
2, 832-852. A incompatibilidade entre o amor humano e o amor divino é a tese de
Anders Nygren, Eros e agape. La nozione
cristiana dell’amore e le sue trasformazioni, Bolonha, Il Mulino,
1971(Edição original em sueco, Estocolmo, 1930).
[3]
Bento XVI, Deus caritas est, n. 7-8.
[4]
Nicolau Cabasilas, Vita in Cristo,
VI, 2 (PG 150, 645).
[5]
H. de Lubac, Histoire et esprit,
Paris 1950, c.5.
[6]
cf. J. Ratzinger - Bento XVI, Gesù di Nazaret, II Parte, Libreria
Editrice Vaticana 2011, pp. 151.
[7]
S. Bernardo de Claraval, Sermões sobre o
Cântico, 61, 4-5 (PL 183, 1072).
[8]
cf. Cl 3,9; Rm 13,14; Gl 3,27; Ef
4,24.
[9]
cf. Søren Kierkegaard, Diario, X1, A, 154 (Ano 1849).
Fonte: Vatican News
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