sábado, 13 de abril de 2019

Homilia: Domingo de Ramos - Ano C

Santo Agostinho
Tratado sobre o Evangelho de São João
Se aquele sangue não fosse derramado, o mundo não seria redimido

Ainda não tinha chegado a sua hora, não a hora em que fosse forçado a morrer, mas a hora em que se dignasse ser morto. Pois ele bem sabia quando devia morrer; tem presente todas as profecias que a ele se referiam, e esperava seu pleno cumprimento antes de iniciar sua Paixão. E, uma vez cumpridas todas as profecias, então teria lugar também a Paixão de acordo com a ordem estabelecida, e não por uma fatal necessidade.
Simplesmente escutai, e podereis comprová-lo por vós mesmos. Entre outras coisas profetizadas dele, estava escrito: Lançaram fel em minha comida, para minha sede me deram vinagre. Como isto se cumpriu, nós o sabemos pelo Evangelho. Primeiro lhe deram fel: o aceitou, o provou, porém não quis bebê-lo; mais tarde, suspenso da cruz, para que se cumprisse a Escritura, disse: Tenho sede. Pegaram uma esponja ensopada em vinagre, a colocaram em uma vara e a aproximaram ao crucificado. Jesus, quando tomou o vinagre, disse: Tudo está consumado. O que significa “está consumado”? Que se realizaram todas as coisas profetizadas antes de sua Paixão. Portanto, o que faço aqui? E, realmente, uma vez que ele disse: “Está consumado”, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Mas será que os ladrões crucificados com ele expiraram quando quiseram? Estavam atados pelos laços da carne, visto que não eram os criadores da carne; transpassados por cravos, eram amplamente atormentados, porque não eram donos de seus sofrimentos. O Senhor, por outro lado, quando quis, encarnou-se em um seio virginal; quando quis, apareceu entre os homens; viveu entre os homens o tempo que quis; quando quis, abandonou sua envoltura carnal. Isto é sinal de potestade, não de necessidade. Esta é a hora que ele esperava: não uma hora fatal, mas oportuna e voluntária, que lhe permitiria cumprir o estabelecido antes de sua Paixão. Porque, como poderia estar sob o acaso da fatalidade, aquele que em outra passagem disse: Tenho poder para tirar a vida e para recuperá-la; ninguém me tira a vida, mas eu a entrego livremente para retomá-la? Manifestou publicamente este poder quando os judeus o buscavam: A quem buscais?, perguntou. Responderam-lhe: A Jesus. E lhes disse: Sou eu. Diante de sua voz, retrocederam e caíram por terra.
Porém alguém contestará: se é verdade que ele possuía este poder, por que, então, quando suspenso da cruz, os judeus o injuriavam e diziam: Se és o Filho de Deus, desde da cruz, não desceu, para que, descendo, demonstrasse-lhes seu poder? Porque pregava a paciência, por isso adiava a potência. Pois, se diante da reclamação de suas palavras tivesse baixado da cruz, se diria que o tinha feito vencido pela dor. De forma alguma desceu; permaneceu cravado, para ser descravado quando quisesse.
Ora, acaso lhe custava descer da cruz, a ele que pôde ressuscitar do sepulcro? Portanto, nós que recebemos estes ensinamentos, compreendamos que o poder de nosso Senhor Jesus Cristo, então oculto, haveria de manifestar-se no juízo, a respeito do qual se disse: Deus vem publicamente e não se calará. Porque primeiro ele calou. Quando calou? Quando foi julgado, cumprindo-se assim a predição do profeta: Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha diante do tosquiador, emudecia e não abriu a boca. Assim, se não tivesse querido padecer, não teria padecido, aquele sangue não teria disso derramado; se aquele sangue não tivesse sido derramado, o mundo não teria sido redimido. Demos, pois, graças tanto ao poder de sua divindade como a misericórdia de sua fragilidade.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 576-577. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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