sábado, 5 de janeiro de 2019

Homilia: Solenidade da Epifania do Senhor

Santo Agostinho
Sermão 49 sobre o Antigo Testamento
“Esta é a obra que Deus quer: que creiais naquele que Ele enviou”

Interrogado o Senhor sobre qual era a obra de Deus, respondeu: Esta é a obra que Deus quer: que creiais naquele que enviou. Poderia ter contestado nosso piedoso Deus: a obra de Deus é a justiça. Entretanto, se a justiça é a obra de Deus, como acabo de dizer, como pode a obra de Deus consistir no que o Senhor afirma, ou seja, em crer nele, se crer nele não fosse a própria justiça? Porém, me dirás, acabamos de ouvir ao Senhor: Esta é a obra de Deus, que creiais nele; por outro lado, tu não dizes que a obra de Deus é a justiça. Demonstremos que crer em Cristo é a justiça.
Parece-te - e com isto respondo a tua justa objeção -, que crer em Cristo não é a justiça? Que é então? Coloque um nome a esta obra. Se observares atentamente sobre o que ouviste, estou seguro que me responderás: esta obra se chama fé. Crer em Cristo se chama fé. Concordo: crer em Cristo se chama fé. Escuta agora outro texto da Escritura: O justo vive da fé. Façam a justiça, crede. O justo vive da fé. É difícil que viva mal quem crê bem. Crede de todo coração, crede sem claudicação, crede sem vacilações, sem argumentar contra esta mesma fé recorrendo a suspeitas humanas. Justamente se chama fé porque se faz o que se diz.
Agora, se te pergunto: “Crês?”, me respondes: “Creio”. Pois bem, faz o que dizes e isso é a fé. Eu, é verdade, posso ouvir a voz do que me contesta, porém não me é possível ver o coração do que crê. Mas fui eu que conduzi a vinha, eu que não posso ver o coração? Eu nem conduzo, nem designo a tarefa, nem preparo o denário do salário. Sou vosso companheiro de obra. Trabalho na vinha segundo as possibilidades que Ele se dignou pôr ao meu alcance. Aquele que me contratou conhece o espírito com que trabalho. Para mim, disse o Apóstolo, o de menos é que vós me peçais contas. Vós podeis ouvir minha voz, porém não podeis ver o meu coração. Apresentemo-nos todos diante de Deus com o coração na mão e realizemos nossa tarefa com dedicação. Não desgostemos ao que nos contratou, para poder receber o salário com a fronte erguida.
 Também nós, caríssimos, poderemos contemplar reciprocamente nosso coração, porém mais tarde. De momento nos encontramos cercados das trevas de nossa mortalidade, e caminhamos guiados pela tocha da Escritura, como disse o Apóstolo Pedro: Isto nos confirma a palavra dos profetas, e haveis feito muito bem em prestar-lhe atenção, como a uma lâmpada que brilha em um lugar escuro, até que desponte o dia e o sol nasça em vossos corações.
Por isso, caríssimos, e em força a esta fé pela qual cremos em Deus, em comparação com os infiéis, nós somos o dia. Quando ainda não éramos crentes, éramos, como eles, noite; agora somos luz, como afirma o Apóstolo: Em outra época éreis trevas, agora sois luz no Senhor. Trevas em vós, luz no Senhor. O mesmo Apóstolo diz em outro lugar: Porque todos sois filhos da luz e filhos do dia; não sois nem da noite nem das trevas. Portemo-nos como em pleno dia, em dignidade. Somos, portanto, dia em comparação com os infiéis. Mas em comparação com aquele dia em que ressuscitarão os mortos, e este corruptível se vista de incorrupção, e esse mortal se revista de imortalidade, somos, ainda, noite. A nós, como se já estivéssemos no dia, nos diz o Apóstolo João: Queridos, agora somos filhos de Deus. E seja como for, ainda é de noite, o que é que segue? E ainda não se manifestou o que seremos. Sabemos que, quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como é. Porém, isto já não é o trabalho: é a recompensa. O veremos tal como é: esta é a recompensa. Então reluzirá o dia mais luminoso. Porém, já neste dia portemo-nos com dignidade: agora que, não obstante, é noite, não nos julguemos uns aos outros. Considerai que, quando o Apóstolo Paulo disse: Portemo-nos como em pleno dia, com dignidade, não se opõe nem discorda de seu coapóstolo Pedro, que disse: Fazei muito bem em prestar-lhe atenção - se refere à palavra divina -, como a uma lâmpada que brilha em um lugar escuro, até que desponte o dia, e o sol nasça em vossos corações.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 552-554. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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