Santo Agostinho
Sermão 49 sobre o Antigo Testamento
“Esta
é a obra que Deus quer: que creiais naquele que Ele enviou”
Interrogado o
Senhor sobre qual era a obra de Deus, respondeu: Esta é a obra que Deus quer: que creiais naquele que enviou.
Poderia ter contestado nosso piedoso Deus: a obra de Deus é a justiça.
Entretanto, se a justiça é a obra de Deus, como acabo de dizer, como pode a
obra de Deus consistir no que o Senhor afirma, ou seja, em crer nele, se crer nele
não fosse a própria justiça? Porém, me dirás, acabamos de ouvir ao Senhor: Esta é a obra de Deus, que creiais nele;
por outro lado, tu não dizes que a obra de Deus é a justiça. Demonstremos que
crer em Cristo é a justiça.
Parece-te - e
com isto respondo a tua justa objeção -, que crer em Cristo não é a justiça?
Que é então? Coloque um nome a esta obra. Se observares atentamente sobre o que
ouviste, estou seguro que me responderás: esta obra se chama fé. Crer em Cristo
se chama fé. Concordo: crer em Cristo se chama fé. Escuta agora outro texto da
Escritura: O justo vive da fé. Façam
a justiça, crede. O justo vive da fé.
É difícil que viva mal quem crê bem. Crede de todo coração, crede sem
claudicação, crede sem vacilações, sem argumentar contra esta mesma fé
recorrendo a suspeitas humanas. Justamente se chama fé porque se faz o que se
diz.
Agora, se te
pergunto: “Crês?”, me respondes: “Creio”. Pois bem, faz o que dizes e isso é a
fé. Eu, é verdade, posso ouvir a voz do que me contesta, porém não me é possível
ver o coração do que crê. Mas fui eu que conduzi a vinha, eu que não posso ver
o coração? Eu nem conduzo, nem designo a tarefa, nem preparo o denário do
salário. Sou vosso companheiro de obra. Trabalho na vinha segundo as
possibilidades que Ele se dignou pôr ao meu alcance. Aquele que me contratou
conhece o espírito com que trabalho. Para
mim, disse o Apóstolo, o de menos é
que vós me peçais contas. Vós podeis ouvir minha voz, porém não podeis ver
o meu coração. Apresentemo-nos todos diante de Deus com o coração na mão e
realizemos nossa tarefa com dedicação. Não desgostemos ao que nos contratou,
para poder receber o salário com a fronte erguida.
Também nós, caríssimos, poderemos contemplar
reciprocamente nosso coração, porém mais tarde. De momento nos encontramos
cercados das trevas de nossa mortalidade, e caminhamos guiados pela tocha da
Escritura, como disse o Apóstolo Pedro: Isto
nos confirma a palavra dos profetas, e haveis feito muito bem em prestar-lhe
atenção, como a uma lâmpada que brilha em um lugar escuro, até que desponte o
dia e o sol nasça em vossos corações.
Por isso,
caríssimos, e em força a esta fé pela qual cremos em Deus, em comparação com os
infiéis, nós somos o dia. Quando ainda não éramos crentes, éramos, como eles,
noite; agora somos luz, como afirma o Apóstolo: Em outra época éreis trevas, agora sois luz no Senhor. Trevas em
vós, luz no Senhor. O mesmo Apóstolo diz em outro lugar: Porque todos sois filhos da luz e filhos do dia; não sois nem da noite
nem das trevas. Portemo-nos como em pleno dia, em dignidade. Somos,
portanto, dia em comparação com os infiéis. Mas em comparação com aquele dia em
que ressuscitarão os mortos, e este corruptível se vista de incorrupção, e esse
mortal se revista de imortalidade, somos, ainda, noite. A nós, como se já
estivéssemos no dia, nos diz o Apóstolo João: Queridos, agora somos filhos de Deus. E seja como for, ainda é de
noite, o que é que segue? E ainda não se
manifestou o que seremos. Sabemos que, quando se manifestar, seremos
semelhantes a Ele, porque o veremos tal como é. Porém, isto já não é o
trabalho: é a recompensa. O veremos tal
como é: esta é a recompensa. Então reluzirá o dia mais luminoso. Porém, já
neste dia portemo-nos com dignidade: agora que, não obstante, é noite, não nos
julguemos uns aos outros. Considerai que, quando o Apóstolo Paulo disse:
Portemo-nos como em pleno dia, com dignidade, não se opõe nem discorda de seu
coapóstolo Pedro, que disse: Fazei muito bem em prestar-lhe atenção - se refere
à palavra divina -, como a uma lâmpada que brilha em um lugar escuro, até que
desponte o dia, e o sol nasça em vossos corações.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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