São Pedro Crisólogo
Sermão 63
Era
necessária a morte de Lázaro para que, estando no sepulcro, ressuscitasse a fé
dos discípulos
Regressando do
além-túmulo, Lázaro sai ao nosso encontro portador de uma nova forma de vencer
a morte, revelador de um novo tipo de ressurreição. Antes de examinar em
profundidade este fato, contemplemos as circunstâncias externas da
ressurreição, já que a ressurreição é o milagre dos milagres, a máxima
manifestação do poder, a maravilha das maravilhas.
O Senhor tinha
ressuscitado a filha de Jairo, chefe da sinagoga, porém o fez restituindo
simplesmente a menina à vida, sem ultrapassar as fronteiras do além-túmulo.
Ressuscitou da mesma forma ao filho único de sua mãe, porém o fez detendo o ataúde,
como que se antecipando ao sepulcro, como que suspendendo a corrupção e
prevenindo os maus odores, como se devolvesse a vida ao morto antes que a morte
tivesse reivindicado todos os seus direitos. Mas no caso de Lázaro tudo é
diferente: sua morte e sua ressurreição nada têm em comum com os casos
precedentes: nele a morte desenvolveu todo o seu poder, e a ressurreição brilha
com todo o seu esplendor. Inclusive me atreveria a dizer que se Lázaro houvesse
ressuscitado ao terceiro dia, teria esvaziado toda a sacramentalidade da
Ressurreição do Senhor, pois Cristo voltou à vida ao terceiro dia, como Senhor
que era; Lázaro foi ressuscitado ao quarto dia, como servo.
Mas, para provar
o que acabamos de dizer, examinemos alguns detalhes do relato evangélico: As irmãs mandaram um recado a Jesus,
dizendo: Senhor, teu amigo está enfermo. Ao expressar-se desta forma,
intencionam sensibilizá-lo, interpelam ao amor, apelam à caridade, tratam de
estimular a amizade recorrendo à necessidade. Porém Cristo, que tem mais
interesse em vencer a morte do que em repelir a enfermidade; Cristo, cujo amor
radica não em aliviar o amigo, mas em devolver-lhe a vida, não proporciona ao
amigo um remédio contra a enfermidade, mas lhe prepara imediatamente a glória
da ressurreição.
Por isso, quando ouviu – disse o
evangelista – que Lázaro estava doente,
ficou ainda dois dias no lugar onde se encontrava. Observem como cede lugar
à morte, licença ao sepulcro, como dá curso livre aos agentes da corrupção, não
põe obstáculo algum á putrefação nem à fetidez; consente em que o abismo
arrebate, traga a si, possua. Em uma palavra, Jesus atua de forma que se esvai
toda humana esperança e a desesperança humana atinja suas dimensões mais
elevadas, de modo que aquilo que se dispõe a fazer percebe-se ser algo divino e
não humano.
Ele se limita a
permanecer onde está em espera do desenlace, para dar ele mesmo a notícia da
morte, e anunciar, então, sua decisão de ir à casa de Lázaro. Lázaro, disse, está morto, e me alegro. Isto é amar? Cristo se alegrava porque a
tristeza da morte logo se transformaria em alegria da ressurreição. Alegro-me por vós. E porque por vós? Justamente porque a morte e
ressurreição de Lázaro já era um esboço exato da Morte e Ressurreição do
Senhor, e o que logo aconteceria com o Senhor antecipa-se no servo. Era
necessária a morte de Lázaro para que, estando Lázaro no sepulcro,
ressuscitasse a fé dos discípulos.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 68-69. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
Confira também uma homilia de Santo Efrém para este domingo clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário