São Beda, o Venerável
Sermão sobre o Evangelho da Quinta-feira
Santa
O Pai deposita todas as coisas em suas mãos
Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia
que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai. Este nome,
“Páscoa”, significa “passagem” ou “trânsito”, e possui origem muito antiga,
porque teve princípio no grande mistério que o Senhor realizou quando tirou o
povo de Israel do Egito. Naquela ocasião o Senhor passou pelo Egito ferindo
todos os primogênitos e libertando os filhos de Israel; e os filhos de Israel,
ao passarem daquela noite da servidão para a liberdade, para a terra da
promissão e à herança da paz, isto foi figura e mistério do que o Senhor nesta
festa passaria deste mundo para o Pai celestial. Figurou também que, com o seu
exemplo, todos os seus servos, os católicos, teriam de expulsar de si os
desejos e o amor das coisas terrenas, abraçando as virtudes e a justiça das
boas obras, procurariam subir a soberana herança que o Senhor lhes tem
preparada no céu.
São João nos
descreve admiravelmente a maneira que o Senhor passou deste mundo ao Pai no seu
Evangelho: Tendo amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim. Quer dizer: tanto os amou, que com o
seu amor findou a vida corporal, tendo de passar logo da morte à vida para
subir ao Pai celestial; porque na verdade ninguém
pode ter maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. E
assim, de forma muito justa, os dois passos foram consagrados com sangue: um, o
da Lei, e outro, o do Evangelho. O da Lei, com o sangue do cordeiro pascal, e o
do Evangelho, com o sangue do qual diz o sagrado Apóstolo: Este Senhor, amados irmãos, foi sacrificado derramando seu sangue na
árvore da cruz, e o cordeiro da Lei era sacrificado derramando seu sangue
em forma de cruz, espargindo-o sobre o umbral, e no alto da porta.
Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha
posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar
Jesus. Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que Deus
tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou a
toalha e amarrou-a na cintura. Tendo de falar o sagrado Evangelista da
profundíssima humildade que o Senhor mostrou enquanto homem, primeiro conta a
grandeza de sua divindade, e a eternidade de seu poder soberano; desta maneira
nos mostra ser Deus e homem verdadeiro, e nos lembra aquele mandamento em que o
Senhor nos ordena que cada um, quanto maior se percebe, tanto mais se humilhe
em todas as coisas. Claro está que era verdadeiro homem aquele que pode se
relacionar e lavar os pés dos homens, o que pode ser vendido por um homem, e
pode ser crucificado pelos homens. Este mesmo era verdadeiro Deus, pois o Pai
deposita todas as coisas em suas mãos, e saiu de Deus, e volta para Deus.
O Senhor sabia
muito bem que o diabo tinha posto no coração de Judas a intenção de traí-lo.
Sabia bem que o Pai tinha colocado todas as coisas em suas mãos e, entre estas
coisas, entendia-se também aquele mesmo que o traía, e aqueles que o compravam,
e a própria morte que havia de passar. Tudo estava em seu poder e debaixo do
comando de sua majestade, e podia fazer de tudo isso o que quisesse, e com sua
onipotência converter todo aquele mal em bem. Amados irmãos, Ele sabia que saiu
de Deus pela humildade da Encarnação, e que havia de voltar a Deus pela vitória
da Ressurreição, não desamparando a Deus quando saiu d’Ele para vir a nós, nem
desamparando a nós quando voltou ao Pai. Tudo isso o sabia muito bem nosso
Redentor e, sabendo-o, teve por bem levantar-se da ceia, tirando as vestes, e
lavar os pés de seus discípulos em testemunho de sua imensa piedade, e para o
grande exemplo de nossa humildade.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 76-77. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
Confira também uma homilia de Santo Efrém para esta celebração clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário