quarta-feira, 12 de abril de 2017

Homilia: Missa da Ceia do Senhor

São Beda, o Venerável
Sermão sobre o Evangelho da Quinta-feira Santa
 O Pai deposita todas as coisas em suas mãos

Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai. Este nome, “Páscoa”, significa “passagem” ou “trânsito”, e possui origem muito antiga, porque teve princípio no grande mistério que o Senhor realizou quando tirou o povo de Israel do Egito. Naquela ocasião o Senhor passou pelo Egito ferindo todos os primogênitos e libertando os filhos de Israel; e os filhos de Israel, ao passarem daquela noite da servidão para a liberdade, para a terra da promissão e à herança da paz, isto foi figura e mistério do que o Senhor nesta festa passaria deste mundo para o Pai celestial. Figurou também que, com o seu exemplo, todos os seus servos, os católicos, teriam de expulsar de si os desejos e o amor das coisas terrenas, abraçando as virtudes e a justiça das boas obras, procurariam subir a soberana herança que o Senhor lhes tem preparada no céu.
São João nos descreve admiravelmente a maneira que o Senhor passou deste mundo ao Pai no seu Evangelho: Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Quer dizer: tanto os amou, que com o seu amor findou a vida corporal, tendo de passar logo da morte à vida para subir ao Pai celestial; porque na verdade ninguém pode ter maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. E assim, de forma muito justa, os dois passos foram consagrados com sangue: um, o da Lei, e outro, o do Evangelho. O da Lei, com o sangue do cordeiro pascal, e o do Evangelho, com o sangue do qual diz o sagrado Apóstolo: Este Senhor, amados irmãos, foi sacrificado derramando seu sangue na árvore da cruz, e o cordeiro da Lei era sacrificado derramando seu sangue em forma de cruz, espargindo-o sobre o umbral, e no alto da porta.
Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus. Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou a toalha e amarrou-a na cintura. Tendo de falar o sagrado Evangelista da profundíssima humildade que o Senhor mostrou enquanto homem, primeiro conta a grandeza de sua divindade, e a eternidade de seu poder soberano; desta maneira nos mostra ser Deus e homem verdadeiro, e nos lembra aquele mandamento em que o Senhor nos ordena que cada um, quanto maior se percebe, tanto mais se humilhe em todas as coisas. Claro está que era verdadeiro homem aquele que pode se relacionar e lavar os pés dos homens, o que pode ser vendido por um homem, e pode ser crucificado pelos homens. Este mesmo era verdadeiro Deus, pois o Pai deposita todas as coisas em suas mãos, e saiu de Deus, e volta para Deus.
O Senhor sabia muito bem que o diabo tinha posto no coração de Judas a intenção de traí-lo. Sabia bem que o Pai tinha colocado todas as coisas em suas mãos e, entre estas coisas, entendia-se também aquele mesmo que o traía, e aqueles que o compravam, e a própria morte que havia de passar. Tudo estava em seu poder e debaixo do comando de sua majestade, e podia fazer de tudo isso o que quisesse, e com sua onipotência converter todo aquele mal em bem. Amados irmãos, Ele sabia que saiu de Deus pela humildade da Encarnação, e que havia de voltar a Deus pela vitória da Ressurreição, não desamparando a Deus quando saiu d’Ele para vir a nós, nem desamparando a nós quando voltou ao Pai. Tudo isso o sabia muito bem nosso Redentor e, sabendo-o, teve por bem levantar-se da ceia, tirando as vestes, e lavar os pés de seus discípulos em testemunho de sua imensa piedade, e para o grande exemplo de nossa humildade.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 76-77. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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