São Leão Magno
Tratado sobre a Paixão do Senhor
A cruz de Cristo, fonte de todas as bênçãos e
origem de todas as graças
Entregue o
Senhor à vontade de seus inimigos, foi obrigado a levar o instrumento de seu
suplício para zombar-se de sua dignidade real. Assim se cumpriu o que predisse
o profeta Isaías, quando diz: Um menino
nos nasceu, um filho nos foi dado: ele traz aos ombros o principado. Pois
que o Senhor saísse levando o lenho da cruz - esse lenho que havia de
converter-se em cetro de sua soberania - era certamente aos olhos dos ímpios
objeto de enorme humilhação, mas que aos olhos dos fieis aparecia como um
grande mistério. Pois este gloriosíssimo vencedor do diabo e vigoroso
conquistador dos poderes adversos levava de forma misteriosa o troféu de seu
triunfo, e carregava sobre os ombros de sua invicta paciência o símbolo da
salvação, digno de ser adorado por todos os reinos. Dir-se-ia que naquele
momento, com o espetáculo de seu comportamento, queria confirmar e dizer a
todos seus imitadores: Quem não toma a
sua cruz e não me segue, não é digno de mim.
Quando,
acompanhado da multidão, Jesus se dirigia ao lugar de suplício, encontraram
certo Simão de Cirene, a quem impuseram a cruz do Senhor, para que também neste
gesto ficasse prefigurada a fé dos pagãos, e para quem a cruz de Cristo não
seria objeto de confusão, mas de glória. Por esta entrega da cruz, a expiação
operada pelo cordeiro imaculado e a plenitude de todos os sacramentos passará
da circuncisão para a incircuncisão, dos filhos carnais para os espirituais.
Pois a verdade é que – como diz o Apóstolo – Cristo, nossa Páscoa, foi imolado; o qual, oferecendo-se ao Pai
como novo e verdadeiro sacrifício de reconciliação, foi crucificado: não no
templo, cuja missão sagrada tinha chegado ao fim, nem dentro do recinto da
cidade, destinada à destruição em merecimento aos seus crimes, mas fora das
muralhas, para que, tendo cessado o mistério das antigas vítimas, uma nova
vítima fosse apresentada sobre o novo altar, e a cruz de Cristo fosse o altar
não do templo, mas do mundo.
Amadíssimos,
tendo sido levantado Cristo na cruz, nossa alma não deve contemplar tão somente
aquela imagem que impressionou vivamente a visão dos ímpios, e aos quais Moisés
se dirigia com estas palavras: Tua vida
estará diante de ti como por um fio, tremerás dia e noite, e nem de tua vida te
sentirás seguro. Estes homens não foram capazes de ver no Senhor
crucificado outra coisa do que sua ação culpável, cheios de temor, e não de
temor com o qual se justifica a fé verdadeira, mas o temor que atormenta a má
consciência.
Que nossa alma,
iluminada pelo Espírito da verdade, receba com coração livre e puro a glória da
cruz que se irradia pelo céu e terra, e trate de penetrar interiormente no que
o Senhor quis significar quando, falando da sua Paixão que estava próxima,
disse: Chegou a hora que será glorificado
o Filho do homem. E mais adiante: Minha
alma está angustiada, e que direi: Pai, livra-me desta hora? Mas para isto eu
vim a esta hora. Pai, glorifica o teu Filho. E como ouvisse a voz do Pai
que descia do céu: Já te glorifiquei e te
glorificarei novamente, disse Jesus aos que o rodeavam: Esta voz não veio por mim, mas por vós.
Agora o mundo vai ser julgado; agora o príncipe deste mundo vai ser lançado
fora. E quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 78-79. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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