sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Os santos do Antigo Testamento (2)

Vós vos aproximastes da assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão inscritos nos céus” (cf. Hb 12,22-23)

Na postagem anterior desta série sobre os santos do Antigo Testamento (AT) começamos a percorrer suas comemorações no Martirológio Romano, desde os Patriarcas até a época dos juízes.

Nesta postagem continuaremos com a época da monarquia, os profetas da tradição oral e os “Profetas maiores”. Na próxima postagem concluiremos com os “Profetas menores” e outros personagens da história de Israel.

1. Período da Monarquia e Profetas da tradição oral:

Samuel: 20 de agosto
Comemoração de São Samuel, profeta, que, chamado por Deus quando ainda era criança, foi depois juiz em Israel e, por mandato divino, ungiu Saul como rei do seu povo; mas, quando Deus repudiou Saul por causa da sua infidelidade, conferiu a unção real a Davi, de cuja descendência havia de nascer Cristo.

O profeta Samuel faz a ponte entre o período dos juízes e a Monarquia de Israel, ungindo seus dois primeiros reis: Saul (1Sm 10) e Davi (1Sm 16).

São Samuel

Davi: 29 de dezembro
Comemoração de São Davi, rei e profeta, filho de Jessé de Belém, que encontrou graça diante de Deus e foi ungido com o óleo santo pelo profeta Samuel para reinar sobre o povo de Israel; trasladou a arca da aliança do Senhor para a cidade de Jerusalém, e o Senhor lhe jurou que a sua descendência permaneceria para sempre, porque dela nasceria Jesus Cristo, segundo a carne.

Davi é, com efeito, o grande rei de Israel: unificou as tribos, fixando Jerusalém como sua capital; é associado aos Salmos, sendo um “rei poeta”. Da sua descendência viria o Messias (2Sm 7).

Sua celebração está diretamente relacionada ao Natal. Se no Rito Romano é comemorado no dia 29 de dezembro, no Rito Bizantino é celebrado no domingo após o Natal, junto com seu descendente José, o esposo de Maria. Como vimos na postagem anterior, Abraão e Davi fazem então a “moldura” para o nascimento do Salvador, pois Abraão é especialmente recordado no domingo anterior ao Natal e Davi no domingo seguinte.

São Davi

Para acessar nossas postagens sobre a leitura litúrgica dos Livros de Samuel, clique aqui.

Elias: 20 de julho
A comemoração de Santo Elias, o Tesbita, profeta do Senhor no tempo de Acab e Acazias, reis de Israel, que reivindicou os direitos do Deus único contra a infidelidade do povo com tanto ardor que prefigurava não só João Batista mas o próprio Cristo. Não deixou oráculos escritos, mas a sua memória é fielmente conservada, especialmente no monte Carmelo.

A devoção a Elias é particularmente difundida pela Ordem dos Carmelitas. Como vimos na postagem anterior, Elias "co-preside" junto com Moisés o coro dos Profetas (razão pela qual os dois aparecem no episódio da Transfiguração do Senhor).

Tendo sido um profeta da tradição oral no reino do Norte (Israel), sua atuação é marcada pelo combate ao culto de Baal e por diversos prodígios (1Rs 17-19), coroados por sua “assunção ao céu” (2Rs 2). No relato apócrifo da descida de Cristo ao Hades, que citamos na postagem introdutória desta série, ele recebe os justos do AT no céu, junto com o patriarca Henoc (cf. Gn 5,21-24; Hb 11,5).

Elias é ainda uma prefiguração de João Batista, à luz da profecia de Ml 3,23-24, como confirmado pelo próprio Jesus (Mt 17,9-13).

Santo Elias

Eliseu: 14 de junho
Em Samaria ou Sebaste, na Palestina, hoje Sivas, na Turquia, a comemoração de Santo Eliseu, discípulo de Elias, que foi profeta em Israel no tempo do rei Jorão até aos dias de Joás. Embora não tenha deixado oráculos escritos, pelos milagres que fez em favor dos estrangeiros anunciou a salvação que havia de vir para todos os homens.

Eliseu é o discípulo e sucessor de Elias (1Rs 19,19-21; 2Rs 2), continuando sua missão profética no reino do Norte. É o profeta taumaturgo por excelência, sendo sua atuação marcada por diversos milagres. Como Elias, é particularmente venerado pela Ordem dos Carmelitas.

Santo Eliseu

Para acessar nossas postagens sobre a leitura litúrgica dos Livros dos Reis, clique aqui.

2. “Profetas maiores”:

A tradição cristã identifica quatro “Profetas maiores” (assim chamados pela extensão dos seus escritos): Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Veremos que no Rito Romano celebram-se atualmente apenas os três primeiros. Sobre Daniel falaremos mais adiante.



Isaías: 09 de maio
Comemoração de Santo Isaías, profeta, que, nos dias de Ozias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, foi enviado ao povo infiel e pecador para lhe manifestar a fidelidade e salvação do Senhor, no cumprimento da promessa feita por Deus a Davi. Segundo a tradição entre os judeus, morreu mártir no tempo de Manassés.

O Livro de Isaías foi escrito em três períodos distintos: o profeta Isaías é considerado o autor dos capítulos 1-39. Sua atuação deu-se no reino do Sul (Judá), tendo condenado não apenas os pecados do povo de Jerusalém, mas também das nações vizinhas (no seu tempo o reino do Norte foi invadido pela Assíria). Possui também diversas profecias ligadas à vinda do Messias

Santo Isaías

Jeremias: 01 de maio
Comemoração de São Jeremias, profeta, que, no tempo de Joaquim e de Sedecias, reis de Judá, preanunciando a destruição da Cidade Santa e a deportação do povo, sofreu muitas tribulações; por isso a Igreja o considerou como figura de Cristo padecente. Além disso, profetizou a nova e eterna Aliança que havia de consumar-se em Cristo Jesus, pelo qual o Pai onipotente escreveria a sua lei no íntimo do coração dos filhos de Israel, de modo que Ele mesmo fosse o seu Deus e eles fossem o seu povo.

A atuação profética de Jeremias no reino do Sul marca o período que antecede o exílio da Babilônia, no século VI a. C. O Livro de Jeremias traz várias profecias a respeito do exílio, acompanhadas da exortação à conversão e da condenação aos falsos profetas, mas que inclui a promessa de consolação e renovação da aliança.

São Jeremias

Ezequiel: 23 de julho
A comemoração de Santo Ezequiel, profeta, filho do sacerdote Búzi, que, no tempo do exílio na terra dos Caldeus, teve a visão da glória do Senhor e, posto como sentinela da casa de Israel, recriminou a infidelidade do povo eleito e anunciou a destruição da cidade santa de Jerusalém e a deportação do povo; vivendo ele próprio no meio dos prisioneiros, alimentou a sua esperança, profetizando que os ossos ressequidos ressuscitariam para uma nova vida.

Por fim, temos o profeta Ezequiel, cuja atuação deu-se durante o exílio da Babilônia, lamentando a infidelidade do povo e ao mesmo tempo anunciando a restauração. O Livro de Ezequiel é marcado pela influência da literatura apocalípitica, com suas diversas visões.

Santo Ezequiel

Para acessar nossas postagens sobre a leitura do Livro de Ezequiel nas celebrações litúrgicas, clique aqui.

Santos do AT não celebrados no Rito Romano

Como fizemos na postagem anterior, vamos elencar aqui alguns santos do AT que não constam na atual edição do Martirológio Romano, mas que são celebrados por outras tradições cristãs.

Os luteranos, por exemplo, comemoram Samuel, Davi, Elias e Eliseu como no Rito Romano e Isaías, Jeremias e Ezequiel em datas distintas [1]. As igrejas da tradição bizantina, por sua vez, celebram todos os santos citados nesta postagem nas mesmas datas que o Rito Romano, exceto Davi, como vimos acima.

Além dos santos já citados, portanto, estas duas tradições celebram ainda:

Ana: 02 de setembro / 09 de dezembro

Os luteranos comemoram Ana, mãe do profeta Samuel, no dia 02 de setembro, enquanto algumas igrejas bizantinas a celebram no dia 09 de dezembro (no mesmo dia da festa da Concepção da Virgem Maria).

O Primeiro Livro de Samuel inicia com a oração dessa mulher, pedindo a Deus o dom de um filho, e com o seu canto de ação de graças após ser ouvida. Este cântico de Ana (1Sm 2,1-10) tem vários paralelos com o cântico de Maria, o Magnificat (Lc 1,46-55)

Santa Ana, mãe do profeta Samuel

Profeta Natã

Como vimos na postagem anterior, no “Domingo dos Antepassados” da tradição bizantina são recordados vários santos do AT sem festa própria. Dentre eles inclui-se o profeta Natã, que advertiu Davi de seu pecado (2Sm 12) e anunciou que o Messias viria da sua descendência (2Sm 7).

São Natã

Rei Salomão

O que dissemos do profeta Natã aplica-se também ao rei Salomão, filho de Davi. Conhecido por sua sabedoria (1Rs 3), são atribuídos a ele vários dos escritos sapienciais, como a seu pai são atribuídos os salmos. Foi também o construtor do primeiro Templo de Jerusalém (1Rs 5-9). Após sua morte o reino foi dividido em dois: o reino do Norte (Israel) e o reino do Sul (Judá).

São Salomão

Daniel e os três jovens: 17 de dezembro

Como vimos anteriormente, Daniel é contado na tradição cristã entre os quatro “Profetas maiores”, embora na Bíblia hebraica seu livro esteja entre os “Escritos”. A narrativa se passa durante o exílio da Babilônia (séc. VI a. C.), com intervenções diretas do rei Nabucodonosor II, fortemente influenciada pela tradição apocalíptica.

Daniel é descrito como um dos jovens enviados para a Babilônia juntamente com Ananias, Misael e Azarias (também chamados Sidrac, Misac e Abdênago). Estes quatro personagens devem lutar por manter firme sua fé diante das práticas idolátricas dos babilônios.

São Daniel

Foram condenados por sua recusa a prestar culto ao rei como a um deus: os três jovens foram jogados em uma fornalha (Dn 3) e Daniel aos leões, sob o reinado de Dario (Dn 6). Deus, porém, intervém e os salva nas duas ocasiões.

Luteranos e bizantinos celebram os quatro personagens conjuntamente no dia 17 de dezembro. No Rito Romano, porém, eles não são celebrados atualmente, embora figurassem na edição do Martirológio anterior à reforma litúrgica do Concílio Vaticano II: Daniel no dia 21 de julho e os três jovens no dia 16 de dezembro.

Santos Misael, Ananias e Azarias

No “Domingo dos Antepassados” da tradição bizantina, os três jovens são recordados no kontákion do dia, embora sem ser nomeados:

“Ó três vezes bem-aventurados, não adorastes os ídolos feitos pela mão humana, mas, escudando-vos na essência indescritível, permanecestes de pé no meio de um fogo abrasador e clamastes a Deus, dizendo: Vem, ó compassivo, apressa-te em nos auxiliar, Tu, ó Senhor todo-poderoso e cheio de bondade” [2].

[Para ler a terceira postagem desta série, publicada no dia 30 de outubro, clique aqui]

Notas:

[1] Isaías: 06 de julho / Jeremias: 26 de junho / Ezequiel: 21 de julho.

[2] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.). Liturgikon: Próprio das Festas no Rito Bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 19.

6 comentários:

  1. Pesquisando em um blog Ortodoxo, vi entre os Santos alguns profetas orais mencionados nos livros de Reis e Crônicas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. No geral, as Igrejas Ortodoxas de Rito Bizantino celebram todos os justos do Antigo Testamento no segundo domingo antes do Natal o “Domingo dos Antepassados”. Nessa série de postagens destacamos apenas alguns personagens e suas celebrações.

      Excluir
  2. O rei Josias é celebrado no Rito Romano? Qual é a data da memória do rei Josias? Deus lhe pague!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Infelizmente não encontrei nenhuma referência a Josias em minha pesquisa. No Martirológio Romano, o único Rei de Israel que possui uma comemoração é Davi, no dia 29 de dezembro.

      Excluir
    2. no rito Romano, não, mas os ritos orientais o celebram como um dos Santos Antepassados de Cristo

      Excluir
    3. Muito interessante a pergunta, principalmente tendo em vista Eclo 49,5, onde Ben Sirac parece "canonizar" Ezequias e Josias praticamente no mesmo nível de Davi.

      Excluir