Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 21 de outubro de 2020
A oração (11): A oração
dos Salmos II
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje completamos a catequese sobre
a oração dos Salmos. Antes de tudo, notamos que nos Salmos aparece
frequentemente uma figura negativa, a do “ímpio”, ou seja, aquele ou aquela que
vive como se Deus não existisse. É a pessoa sem qualquer referência ao
transcendente, sem freios na sua arrogância, que não teme o julgamento sobre o
que pensa e o que faz.
Por esta razão, o Saltério apresenta a
oração como a realidade fundamental da vida. A referência ao absoluto e ao
transcendente - que os mestres da ascese denominam “temor sagrado de Deus” - é
o que nos torna plenamente humanos, é o limite que nos salva de nós mesmos,
impedindo que nos aventuremos nesta vida de modo predatório e voraz. A oração é
a salvação do ser humano!
Certamente, existe também uma oração
falsa, uma prece feita apenas para sermos admirados pelos outros. Aquele ou
aqueles que vão à Missa apenas para mostrar que são católicos ou para exibir o
último modelo que compraram, ou para fazer uma boa figura social. Esses vão a
uma oração falsa. Jesus advertiu fortemente a este respeito (cf. Mt 6,5-6; Lc 9,14).
Mas quando o verdadeiro espírito de oração é acolhido com sinceridade e entra
no coração, então faz-nos contemplar a realidade com o olhar do próprio Deus.
Quando rezamos, tudo adquire
“profundidade”. Isto é curioso na oração, talvez comecemos por uma coisa sutil,
mas na oração essa coisa adquire espessura, adquire peso, como se Deus a
tomasse em Suas mãos e a transformasse. O pior serviço que pode ser prestado, a
Deus e também ao homem, é rezar com tédio, de maneira rotineira. Rezar como
papagaios. Não, reza-se com o coração. A oração é o centro da vida. Se houver
oração, o irmão, a irmã, até o inimigo, torna-se importante. Um antigo ditado
dos primeiros monges cristãos reza: «Abençoado é o monge que, depois de Deus,
considera todos os homens como Deus» (Evágrio Pôntico, Tratado sobre a
Oração, n. 123). Quem adora Deus, ama os seus filhos. Quem respeita Deus,
respeita os seres humanos.
Por esta razão, a oração não é um
calmante para aliviar as ansiedades da vida; ou, contudo, uma prece deste tipo
certamente não é cristã. Ao contrário, a oração responsabiliza cada um de nós.
Vemos isto claramente no “Pai-nosso”, que Jesus ensinou aos seus discípulos.
Para aprender este modo de rezar, o
Saltério é uma grande escola. Vimos que os Salmos nem sempre usam palavras requintadas
e gentis, e muitas vezes têm as cicatrizes da existência. No entanto, todas
estas orações foram utilizadas primeiro no Templo de Jerusalém e depois nas
sinagogas; até as mais íntimas e pessoais. Assim se expressa o Catecismo
da Igreja Católica: «As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam
forma, ao mesmo tempo, na Liturgia do templo e no coração do homem» (n. 2588).
E, deste modo, a oração pessoal haure e alimenta-se primeiro daquela do povo de
Israel e depois daquela do povo da Igreja.
Inclusive os Salmos na primeira pessoa
do singular, que confidenciam os pensamentos e os problemas mais íntimos de um
indivíduo, são patrimônio coletivo, a ponto de serem recitados por todos e para
todos. A oração dos cristãos tem este “respiro”, esta “tensão” espiritual que
mantém unidos o templo e o mundo. A prece pode começar na penumbra da nave de uma igreja,
mas depois acaba a sua corrida pelas ruas da cidade. E vice-versa, pode
germinar durante os afazeres diários e encontrar o seu cumprimento na Liturgia.
As portas das igrejas não são barreiras, mas “membranas” permeáveis,
disponíveis para acolher o clamor de todos.
O mundo está sempre presente na oração
do Saltério. Os Salmos, por exemplo, dão voz à promessa divina de salvação dos
mais frágeis: «Por causa da aflição dos humildes e dos gemidos dos pobres, me levantarei,
diz o Senhor, para lhes dar a salvação que desejam» (Sl 11,6). Ou alertam para o perigo das riquezas mundanas, porque «o
homem que vive na opulência e não reflete é semelhante ao gado que se abate» (Sl 48,21). Ou, ainda, abrem o horizonte
ao olhar de Deus sobre a história: «O Senhor desfaz os planos das nações pagãs,
reduz a nada os projetos dos povos. Só os desígnios do Senhor permanecem
eternamente, os pensamentos do seu coração por todas as gerações» (Sl 32,10-11).
Em síntese, onde está Deus, deve estar
também o homem. A Sagrada Escritura é categórica: «Mas amamos, porque Deus nos
amou primeiro». Ele está sempre à nossa frente. Ele espera sempre por nós
porque nos ama primeiro, ele olha para nós primeiro, ele compreende-nos
primeiro. Ele espera sempre por nós «Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia
o seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, é
incapaz de amar a Deus, a quem não vê». Se rezas muitos terços por dia, mas
depois falas mal de outros, e depois sentes rancor interior, ódio contra o
próximo, isto é puro artifício, não é verdadeiro. «De Deus recebemos este mandamento:
aquele que amar a Deus, ame também ao seu irmão» (1Jo 4,19-21). A
Escritura admite o caso de uma pessoa que, mesmo procurando sinceramente a
Deus, nunca consegue encontrá-lo; mas afirma também que nunca se pode negar as
lágrimas dos pobres, sob pena de não encontrar a Deus. Deus não suporta o
“ateísmo” daqueles que negam a imagem divina impressa em cada ser humano.
Aquele ateísmo quotidiano: acredito em Deus, mas com os outros mantenho a minha
distância e permito-me odiar os outros. Isto é ateísmo prático. Deixar de
reconhecer a pessoa humana como imagem de Deus é um sacrilégio, uma abominação,
é a pior ofensa que se pode levar ao templo e ao altar.
Estimados irmãos e
irmãs, que a oração dos Salmos nos ajude a não cair na tentação da “impiedade”,
ou seja, de viver, e talvez até de rezar como se Deus não existisse, como se os
pobres não existissem.
Fonte: Santa Sé
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