quinta-feira, 22 de outubro de 2020

XI Catequese do Papa sobre a oração

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 21 de outubro de 2020
A oração (11): A oração dos Salmos II

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje completamos a catequese sobre a oração dos Salmos. Antes de tudo, notamos que nos Salmos aparece frequentemente uma figura negativa, a do “ímpio”, ou seja, aquele ou aquela que vive como se Deus não existisse. É a pessoa sem qualquer referência ao transcendente, sem freios na sua arrogância, que não teme o julgamento sobre o que pensa e o que faz.
Por esta razão, o Saltério apresenta a oração como a realidade fundamental da vida. A referência ao absoluto e ao transcendente - que os mestres da ascese denominam “temor sagrado de Deus” - é o que nos torna plenamente humanos, é o limite que nos salva de nós mesmos, impedindo que nos aventuremos nesta vida de modo predatório e voraz. A oração é a salvação do ser humano!
Certamente, existe também uma oração falsa, uma prece feita apenas para sermos admirados pelos outros. Aquele ou aqueles que vão à Missa apenas para mostrar que são católicos ou para exibir o último modelo que compraram, ou para fazer uma boa figura social. Esses vão a uma oração falsa. Jesus advertiu fortemente a este respeito (cf. Mt 6,5-6; Lc 9,14). Mas quando o verdadeiro espírito de oração é acolhido com sinceridade e entra no coração, então faz-nos contemplar a realidade com o olhar do próprio Deus.
Quando rezamos, tudo adquire “profundidade”. Isto é curioso na oração, talvez comecemos por uma coisa sutil, mas na oração essa coisa adquire espessura, adquire peso, como se Deus a tomasse em Suas mãos e a transformasse. O pior serviço que pode ser prestado, a Deus e também ao homem, é rezar com tédio, de maneira rotineira. Rezar como papagaios. Não, reza-se com o coração. A oração é o centro da vida. Se houver oração, o irmão, a irmã, até o inimigo, torna-se importante. Um antigo ditado dos primeiros monges cristãos reza: «Abençoado é o monge que, depois de Deus, considera todos os homens como Deus» (Evágrio Pôntico, Tratado sobre a Oração, n. 123). Quem adora Deus, ama os seus filhos. Quem respeita Deus, respeita os seres humanos.
Por esta razão, a oração não é um calmante para aliviar as ansiedades da vida; ou, contudo, uma prece deste tipo certamente não é cristã. Ao contrário, a oração responsabiliza cada um de nós. Vemos isto claramente no “Pai-nosso”, que Jesus ensinou aos seus discípulos.
Para aprender este modo de rezar, o Saltério é uma grande escola. Vimos que os Salmos nem sempre usam palavras requintadas e gentis, e muitas vezes têm as cicatrizes da existência. No entanto, todas estas orações foram utilizadas primeiro no Templo de Jerusalém e depois nas sinagogas; até as mais íntimas e pessoais. Assim se expressa o Catecismo da Igreja Católica: «As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma, ao mesmo tempo, na Liturgia do templo e no coração do homem» (n. 2588). E, deste modo, a oração pessoal haure e alimenta-se primeiro daquela do povo de Israel e depois daquela do povo da Igreja.
Inclusive os Salmos na primeira pessoa do singular, que confidenciam os pensamentos e os problemas mais íntimos de um indivíduo, são patrimônio coletivo, a ponto de serem recitados por todos e para todos. A oração dos cristãos tem este “respiro”, esta “tensão” espiritual que mantém unidos o templo e o mundo. A prece pode começar na penumbra da nave de uma igreja, mas depois acaba a sua corrida pelas ruas da cidade. E vice-versa, pode germinar durante os afazeres diários e encontrar o seu cumprimento na Liturgia. As portas das igrejas não são barreiras, mas “membranas” permeáveis, disponíveis para acolher o clamor de todos.
O mundo está sempre presente na oração do Saltério. Os Salmos, por exemplo, dão voz à promessa divina de salvação dos mais frágeis: «Por causa da aflição dos humildes e dos gemidos dos pobres, me levantarei, diz o Senhor, para lhes dar a salvação que desejam» (Sl 11,6). Ou alertam para o perigo das riquezas mundanas, porque «o homem que vive na opulência e não reflete é semelhante ao gado que se abate» (Sl 48,21). Ou, ainda, abrem o horizonte ao olhar de Deus sobre a história: «O Senhor desfaz os planos das nações pagãs, reduz a nada os projetos dos povos. Só os desígnios do Senhor permanecem eternamente, os pensamentos do seu coração por todas as gerações» (Sl 32,10-11).
Em síntese, onde está Deus, deve estar também o homem. A Sagrada Escritura é categórica: «Mas amamos, porque Deus nos amou primeiro». Ele está sempre à nossa frente. Ele espera sempre por nós porque nos ama primeiro, ele olha para nós primeiro, ele compreende-nos primeiro. Ele espera sempre por nós «Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê». Se rezas muitos terços por dia, mas depois falas mal de outros, e depois sentes rancor interior, ódio contra o próximo, isto é puro artifício, não é verdadeiro. «De Deus recebemos este mandamento: aquele que amar a Deus, ame também ao seu irmão» (1Jo 4,19-21). A Escritura admite o caso de uma pessoa que, mesmo procurando sinceramente a Deus, nunca consegue encontrá-lo; mas afirma também que nunca se pode negar as lágrimas dos pobres, sob pena de não encontrar a Deus. Deus não suporta o “ateísmo” daqueles que negam a imagem divina impressa em cada ser humano. Aquele ateísmo quotidiano: acredito em Deus, mas com os outros mantenho a minha distância e permito-me odiar os outros. Isto é ateísmo prático. Deixar de reconhecer a pessoa humana como imagem de Deus é um sacrilégio, uma abominação, é a pior ofensa que se pode levar ao templo e ao altar.
Estimados irmãos e irmãs, que a oração dos Salmos nos ajude a não cair na tentação da “impiedade”, ou seja, de viver, e talvez até de rezar como se Deus não existisse, como se os pobres não existissem.


Fonte: Santa Sé

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