terça-feira, 27 de outubro de 2020

Aniversário da Dedicação da Catedral de Lisboa: Homilia

No último domingo, dia 25 de outubro, o Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel Clemente, celebrou a Santa Missa na Catedral Patriarcal de Santa Maria Maior, a Sé de Lisboa, por ocasião da Solenidade do aniversário da sua Dedicação. Segue sua homilia na ocasião:

Solenidade da Dedicação da Sé
Uma Sé dedicada, para a dedicação de todos

Caríssimos irmãos
Estarmos aqui neste dia, celebrando a Dedicação da Sé, é também refundação nossa, como Igreja de Cristo em Lisboa. Fosse no longínquo século IV, quando o nosso primeiro Bispo conhecido aqui celebraria já, fosse depois nos tempos visigóticos, fosse de novo nos tempos portugueses, repetidamente aqui ressoou, em sucessivas línguas e ritos, o mesmo louvor a Deus Pai, por Cristo e no Espírito. Aqui se pregou o Evangelho e daqui se expandiu por toda a terra, como lembra um dístico do pórtico atual.
É esta perenidade que celebramos hoje e é nela que nos projetamos para amanhã e enquanto Deus quiser. Não por nós, que nem para o presente bastaríamos, mas por Deus, única garantia de tudo e único Senhor do seu Reino. Nele confiamos e em Santa Maria, invocação primeira desta Sé, na sua gloriosa Assunção.
De um templo nos falou também o Evangelho. Do templo que se refazia em Jerusalém, sucedendo a outros que ali mesmo houvera. Templos construídos e destruídos, como o de Herodes o seria também.
Jesus purificou-o, para que não fosse adulterado o seu destino, como Casa de Deus e nada menos. Mas o que disse, anunciando outro templo “no seu corpo”, destruído e levantado, assinalava já o verdadeiro lugar do culto novo, ou seja, Ele mesmo, Cristo morto e ressuscitado.

A personalização total da religião e do culto, fazendo da humanidade ressuscitada de Cristo e em Cristo o lugar certo e inultrapassável do louvor divino, é a purificação que nos importa e a dedicação que Deus requer. Para isso servem as construções que levantarmos: para nos incorporarem em Cristo, como membros do seu corpo eclesial.
Reparemos ainda na sucessão dos momentos: o templo espiritual sucede ao templo material. Entrando nesta Sé, deparamo-nos com a fonte batismal, onde com Cristo morremos e com Ele ressuscitamos. Espiritualmente, isto é, realmente, assim tem de ser, para acedermos ao templo novo.
Enquanto assim não for, permanecemos no templo antigo. Podemos admirar a sua arquitetura, apreciar-lhe a ornamentação, valorizar-lhe o cerimonial... Algum bem será, mas nada de essencial ainda, se ficarmos por aí. No tempo de Jesus também se extasiavam com a beleza daquela grande construção, de que hoje só resta a lembrança e o lamento...
Na sua Páscoa sim, e ali bem perto, se reergueu o templo definitivo, no corpo ressuscitado de Cristo. Ressurreição alargada pelo seu Espírito a toda a humanidade que incorpora, tornando-se finalmente em “casa de oração para todos os povos”. Assim o ouvimos também na profecia.
Espírito de universal ressurreição, que sopra sem peias nem fronteiras, antecedendo e esperando a presença sensível da Igreja que somos - como verificou Pedro em casa de Cornélio (cf. At 10,45) e nós verificaremos hoje, quando chegarmos aonde ainda não fomos -, para tudo se realizar plenamente em Cristo, glorificando a Deus Pai.

A este templo novo nada e ninguém o poderá destruir. Bem pelo contrário, como acontecia na própria pessoa de Jesus Cristo, unirá cada vez mais perfeitamente em nós o apelo humano e a resposta divina, na verdade completa do que havemos de ser.
Não duma vez, como dois mil anos demonstram, entre construções, desconstruções e reconstruções eclesiais. Mas pouco a pouco e mais e mais, no Espírito que não deixa de nos conduzir para a verdade total (cf. Jo 16,12-13). Verdade que, oferecida definitivamente em Cristo, também nos há de preencher, para convencer o mundo.
Para essa verdade, modo de indicar a plena construção em Cristo do templo espiritual da humanidade inteira, se erguem casas como esta, cuja Dedicação celebramos. Lugares da assembleia cristã, onde a Palavra ressoa, os Sacramentos a encarnam, a caridade desponta e a missão se relança.
Assim mesmo passamos do que vemos ao que sabemos, cada vez mais certos de que, no tocante à construção do Corpo de Cristo no mundo, a obra é do seu Espírito e o futuro está garantido, mesmo que o presente o atrase por culpa nossa ou alheia. Os sentimentos de Cristo hão de repassar os nossos e as suas causas também. E igualmente os outros, se autênticos formos, de palavras e obras inteiramente evangélicas. Não há outro plano para tão grande construção.
Salvaguardar e apoiar a vida humana da concepção à morte natural, privilegiar a atenção a todas as periferias sociais e existenciais, respeitar cada um e a criação inteira, ter bem presentes e ativas todas as urgências para que o Papa Francisco insistentemente nos reclama: assim mesmo estamos e queremos estar, como o próprio Cristo naquele dia em Jerusalém, purificando o templo do nosso próprio coração, para que nele apenas subsista o autêntico louvor divino e o serviço dos irmãos.
Louvar a Deus, servindo os outros: Isso mesmo terá pregado neste local, em anterior construção, o nosso primeiro Bispo conhecido, Potâmio de Lisboa, dizendo como escreveu: «[Deus] imprimiu a sua imagem no rosto do homem e disse: à nossa imagem. O conhecimento do Pai e do Filho aprende-se no rosto do homem, […] para que o homem admirasse Deus a partir do próprio homem» (Potâmio de Lisboa, Obras, Lisboa, Alcalá, 2012, p. 124).
É este o modo único de nos dedicarmos como templo de Deus no mundo. Assim mesmo nos reerguemos com Cristo e nos alargamos com todos.

Sé de Lisboa, 25 de outubro de 2020.


+ Manuel, Cardeal-Patriarca



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