Santo Agostinho
Sermão 76
Senhor,
salva-me, porque estou afundando
O Evangelho que
nos foi proclamado e que recolhe o episódio de Cristo, o Senhor, andando sobre
as ondas do mar, e do Apóstolo Pedro, que ao caminhar sobre as águas vacilou
sob a ação do temor, duvidando se afundava e confiando novamente saiu
flutuando, nos convida a ver no mar um símbolo do mundo atual, e no Apóstolo
Pedro a figura da única Igreja.
Na realidade,
Pedro em pessoa – ele, o primeiro na ordem dos Apóstolos e generosíssimo no
amor a Cristo – com frequência responde em nome de todos. Quando o Senhor Jesus
perguntou quem dizia o povo que Ele era, enquanto os demais discípulos lhe
informam sobre as distintas opiniões que circulavam entre os homens, ao
insistir o Senhor em sua pergunta e dizer: E
vós, quem dizeis que Eu sou?, Pedro respondeu: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo. A resposta a deu um em nome
de muitos, a unidade em nome da pluralidade.
Contemplando a
este membro da Igreja, tratemos de discernir nele o que procede de Deus e o que
procede de nós. Deste modo não vacilaremos, mas estaremos fundamentados sobre a
pedra, estaremos firmes e estáveis contra os ventos, as chuvas e os rios, isto
é, contra as tentações do mundo presente. Observai, pois, nesse Pedro que então
era nossa imagem: algumas vezes confia, outras vacila; algumas vezes lhe
confessa imortal e outras teme que morra. Por isso, porque a Igreja tem membros
seguros, tem também inseguros, e não pode subsistir sem seguros nem sem
inseguros. Naquilo que Pedro disse: Tu és
o Messias, o Filho de Deus vivo, representa os que são seguros; no fato de
tremer e vacilar, não querendo que Cristo padecesse, temendo a morte e não
reconhecendo a Vida, representa os inseguros da Igreja. Assim, portanto,
naquele único Apóstolo, ou seja, em Pedro, o primeiro e o principal entre os
Apóstolos, no qual estava prefigurada a Igreja, deviam estar representados os
dois tipos de fiéis, ou seja, os seguros e os inseguros, já que sem eles não
existe a Igreja.
Este é também o
significado do que nos acabou de ser lido: Senhor,
se és tu, manda-me ir até ti andando sobre a água. E, diante de uma ordem
do Senhor, Pedro verdadeiramente caminhou sobre as águas, consciente de não
poder fazê-lo por si mesmo. Pode a fé o que a humana fraqueza era incapaz de
fazer. Estes são os seguros da Igreja. Ordene-o o Deus homem e o homem poderá o
impossível. Vem – disse ele -, e
Pedro desceu e começou a andar sobre as águas: pôde fazê-lo porque o havia
ordenado a Pedra. Eis aqui do que Pedro é capaz em nome do Senhor; o que é que
pode por si mesmo? Ao sentir a força do
vento, ficou com medo, começou a afundar e gritou: Senhor, salva-me, porque
estou afundando! Confiou no Senhor, pôde no Senhor; vacilou como homem,
retornou ao Senhor. Em seguida estendeu a ajuda de sua destra, agarrou ao que
estava afundando, censurou ao desconfiado: Que
pouca fé!
Bom, irmãos,
temos que terminar o sermão. Considerai o mundo como se fosse o mar: vento
fortíssimo, tempestade violenta. Para cada um de nós, suas paixões são sua
tempestade. Amas a Deus: andas sobre o mar, sob os teus pés ruge a agitação do
mundo. Amas o mundo: ele te engolirá. Ele sabe devorar, não suportar os seus adoradores.
Porém, quando o sopro da concupiscência agita teu coração, para vencer tua
sensualidade invoca sua divindade. E se teu pé vacila, se hesitas, se existe
algo que não consegues superar, se começas a afundar, diz: Senhor, salva-me, porque estou afundando! Porque só te livra da
morte da carne Aquele que na carne morreu por ti.
Fonte:
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