sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Textos do Vatican News sobre Música Litúrgica

No mês de março de 2020 o site Vatican News iniciou uma série de textos sobre a música litúrgica, logo em seguida interrompida pela emergência do Covid-19 e retomada em julho, sendo concluída no início de agosto.

11 de março de 2020

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre “Os cantos litúrgicos na Missa”.
“A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene” (Sacrosanctum Concilium, n. 112). A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, dedica seu capítulo VI à música sacra, destacando sua importância para a Liturgia, a necessidade da promoção da música sacra, sua adaptação às diferentes culturas, as normas para os compositores. Ao falar sobre os instrumentos sagrados, destaca no número 120: “Tenha-se em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimônias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus”.
Neste sentido, dando continuidade às suas reflexões sobre a Liturgia, padre Gerson Schmidt nos traz hoje o tema “Os cantos litúrgicos dentro da Missa”:
 A renovação litúrgica prevista pela Sacrosanctum Concilium quer buscar também a valorização do canto litúrgico apropriado. Aqui cabe um comentário muito especial sobre a utilização em cada parte da Missa dos cantos apropriados e que sejam de fato litúrgicos. A celebração litúrgica na sua forma mais nobre é acompanhada dos cantos. O Apóstolo Paulo, na Carta aos Colossenses aconselha os fiéis, que se reúnem em assembleia para aguardar a vinda do Senhor, a cantarem juntos salmos, hinos e cânticos espirituais (cf. Cl 3,16), pois o canto constitui um sinal de alegria do coração (cf. At 2,46). A Igreja continua e desenvolve esta tradição: “Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai e louvai ao Senhor no vosso coração” (Ef 5,19). Por isso, dizia com razão Santo Agostinho: “cantar é próprio de quem ama”. Há um provérbio antigo que reza que “quem canta, reza duas vezes” [1].  A palavra cantar (ou seus derivados) aparece 309 vezes no AT e 36 no NT. A primeira menção bíblica do cantar encontramo-la após a passagem pelo Mar Vermelho, que recordamos, ano a ano, na solene Vigília Pascal (Ex 15,1). Para Israel, o evento salvífico junto do mar permaneceu sempre a motivação maior para o louvor para o canto novo. Para os cristãos, a Ressurreição de Cristo que passou o “Mar Vermelho da morte”, quebrando as portas do cárcere da morte, é o verdadeiro êxodo. O Batismo celebrado na Vigília Pascal integra essas duas realidades, razões para o nosso cantar.
A cada Liturgia, cabe à equipe de cada comunidade local a escolha de cantos apropriados a cada momento litúrgico, que ajudem o povo a rezar, que não dispersem nem destoem, mas, conforme afirma o Missal Romano, que os cantos tenham em vista “a índole dos povos e as possibilidades de cada assembleia” [2].
A SC orienta assim sobre o canto litúrgico: n. 113: Os atos litúrgicos revestem-se de forma mais nobre quando os ofícios divinos são celebrados solenemente com canto, com a presença dos ministros sacros e a participação ativa do povo; n. 114: O tesouro da música sacra seja conservado e favorecido com suma diligência. Promovam-se com empenho, sobretudo nas igrejas catedrais, as “scholae cantorum”. Procurem os bispos e demais pastores de almas que a assembleia dos fiéis possa prestar sua participação ativa nas funções sagradas que se celebram com canto, de acordo com as normas dos arts. 28 e 30 (que falam do decoro e do justo ordenamento litúrgico de cada ação sagrada).
No Oriente se ficou “fiel à musica puramente vocal em sua dignidade sacral como, também, com o seu conteúdo existente, tocam o coração e tornam a Eucaristia uma festa de fé” [3]. No Ocidente, o tradicional “salmodiar foi desenvolvido, alcançando no canto gregoriano uma nova altura e uma nova pureza que constitui um critério permanente para a música sacra, a música para a Liturgia da Igreja” [4]. Os Padres conciliares reconhecem no canto gregoriano o canto próprio da Liturgia romana, a ser reservado um lugar principal. Diz assim a SC no número 116: “A Igreja reconhece como canto próprio da Liturgia romana o canto gregoriano; portanto, na ação litúrgica, ocupa o primeiro lugar entre seus similares”. Sobre a escolha apropriada dos cantos na Liturgia, haveria muitas coisas a serem ditas sem termos aqui o tempo disponível. Os cantos, sobretudo na Missa, renderiam um curso de Liturgia à parte. Importante ainda dizer aqui que não cabe na escolha dos cantos o gosto ou os critérios pessoais de letra, música e ritmo, mas de seguirmos as orientações daqueles especialistas, os liturgistas que definem melhormente essa questão. Há critérios litúrgicos e orientações seguras para cada momento litúrgico.


15 de julho de 2020

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a falar hoje sobre os “Cantos na Liturgia”.
Com o noticiário focado em grande parte na pandemia que assola a humanidade, deixamos de levar ao ar este espaço dedicado ao resgate do Concílio Vaticano II por quase quatro meses. Na última semana, no entanto, retomamos os programas com Padre Gerson Schmidt - que tem nos acompanhado neste percurso dos documentos conciliares - falando sobre “Os cantos litúrgicos na Missa”.
O canto na celebração, de fato, constitui um sinal de alegria do coração.  “A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene”, diz o n. 112 da Sacrossanctum Concilium. “A música sacra será, por isso, tanto mais santa quanto mais intimamente unida estiver à ação litúrgica, quer como expressão delicada da oração, quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas. A Igreja aprova e aceita no culto divino todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades requeridas.”
No programa de hoje deste nosso espaço, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre dá continuidade ao tema dos “Cantos na Liturgia”. Padre Gerson Schmidt:
A renovação litúrgica prevista pela Sacrosanctum Concilium quer buscar também a valorização do canto litúrgico apropriado para cada momento da missa. O documento conciliar aponta, no número 07, as diversas presenças de Cristo na Liturgia e dentre elas, “quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: ‘onde dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles’ (Mt 18,20) (SC, n. 07). Portanto, quando a Igreja canta e salmodia, Cristo garante sua presença na assembleia. Entendemos que os cantos fazem parte da Liturgia e devem contribuir para que Cristo se manifeste por meio da assembleia cantante, que louva ao Senhor.
Por isso, a presença salvadora de Cristo, no mistério do culto cristão, de um modo eminente, acontece não só com a Palavra, mas no conjunto das ações litúrgicas. “O canto da assembleia litúrgica não é, portanto, para os crentes, um rito apenas exterior. Também não pode consistir num puro exercício da arte musical... (...) Constitui um dos sinais de santificação do homem e do culto público da Igreja” [5]. O canto deve se integrar, portanto, no corpo da fé dos fiéis, fazendo parte da ação litúrgica.
A Constituição Sacrosanctum Concilium fala assim sobre o canto sacro e litúrgico: “o canto sacro foi enaltecido pela Sagrada Escritura, quer pelos Padres (entenda-se os Santos Padres da Igreja primitiva) e pelos Romanos Pontífices, que recentemente, a começar por São Pio X, salientaram, com insistência, a função ministerial da música sacra no culto divino” (SC, n. 112). Portanto, a equipe de cantos exerce um ministério litúrgico importante que traduz e revela de maneira mais perfeita o momento litúrgico e celebrativo. Continua o número 112 da SC dizendo assim: “Por esse motivo a música sacra será tanto mais santa quanto mais intimamente estiver unida à ação litúrgica, quer como expressão mais suave da oração, quer favorecendo a unanimidade, quer, enfim, dando maior solenidade aos ritos sagrados. A Igreja, porém, aprova e admite no culto divino todas as formas de verdadeira arte, dotadas das qualidades devidas”.
Além da suma diligência da música sacra, incentivada também nas casas de formação religiosa, vemos que o Concilio abriu largamente as portas às tradições musicais autóctones, ou seja, a música de cada cultura local. Exprime assim a Constituição, no número 119: “Em certas regiões, sobretudo nas missões, há povos com tradição musical própria, a qual tem excepcional importância na sua vida religiosa e social. Estime-se como se deve e dê-se o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação do culto à sua mentalidade...”.
Esse aspecto da valorização da música local tem sempre o objetivo da participação mais ativa dos fiéis. Por isso, o Concilio pediu aos compositores que façam músicas de acordo com o espírito cristão e litúrgico e que primem pela participação ativa de toda a assembleia dos fiéis, não somente dos coros. Diz assim o número 121 da SC: “Os compositores, imbuídos do espírito cristão, compreendam que foram chamados para cultivar a música sacra e para aumentar-lhe o patrimônio. Que as suas composições se apresentem com as características da verdadeira música sacra, e possam ser cantadas não só pelos grandes coros, mas se adaptem também aos pequenos e favoreçam uma ativa participação de toda a assembleia dos fiéis”. Por isso, repetimos aqui o que já frisamos: não cabe na escolha dos cantos o gosto ou os critérios pessoais de letra, música e ritmo, mas de seguirmos as orientações litúrgicas, nos critérios litúrgicos e orientações seguras para cada momento litúrgico. Como a própria SC diz: “Os textos destinados ao canto sacro devem estar de acordo com a doutrina católica e inspirar-se sobretudo na Sagrada Escritura e nas fontes litúrgicas” (SC, n. 121).

22 de julho de 2020

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar hoje sobre a Música Sacra na Liturgia.
Dentro do tema da reforma litúrgica, Padre Gerson Schmidt (incardinado da Arquidiocese de Porto Alegre), tem nos proposto algumas reflexões sobre os cantos na Liturgia. A Igreja Católica, de fato, desde a Idade Média, sempre dispôs por meio de documentos orientações sobre a música sacra. A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, por exemplo, dedica seu Capítulo VI à música sacra, onde fala sobre “importância para a Liturgia”, sobre a “adaptação às diferentes culturas”, os “instrumentos musicais”,  chegando a indicar até mesmo “normas para os compositores” .
“A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene”, diz, no n. 112.
Mas quem nos explica melhor sobre “A Música Sacra na Liturgia” é Padre Gerson Schmidt:
O Concílio Vaticano II recomendou que o “tesouro da música sacra seja conservado e favorecido com suma diligência. Promovam-se com empenho, sobretudo nas igrejas Catedrais, as ‘scholae cantorum’” (SC, 114). Essa conservação e favorecimento da música sacra, porém, não diz que seja necessariamente dentro da Liturgia. Na orientação acima frisada, o Concílio dá a entender que ela seja incentivada sobretudo nas Catedrais e tende a querer aludir que seja apenas nas Catedrais e com a reserva de que não sejam obstáculo à participação ativa do povo. Reforça a criação dos Institutos Superiores de Música Sacra (SC, n. 115), recomendando o canto gregoriano, a polifonia, o uso de órgão de tubos e, segundo condições formuladas pela tradição, também outros instrumentos (SC, n. 120).
O Concílio faz uma abertura incondicional da Liturgia a todos. “Deseja-se a participação ativa comum de todos no evento litúrgico e, portanto, também no canto litúrgico, e, com isso, adquirem elementos que obstaculizam a afirmação do aspecto artístico” [6]. Ou seja, nem todos os fiéis possuem a arte e o jeito certo de cantar, de forma que o aspecto artístico do canto se empobrece. Torna-se clara uma tensão entre a exigência da arte e a simplicidade da Liturgia, o embelezamento do canto com a participação de todos [7]. O excesso da preocupação pastoral ocasiona um empobrecimento no canto e no aprimoramento da música sacra: “(...) o equilíbrio se torna uma receita muito cômoda: música utilitária para a Liturgia, enquanto a música sacra verdadeira pode ser cultivada em outro lugar - ela não se adaptaria mais a Liturgia” [8]. Seria isso uma conclusão precipitada e descompassada.
Na obra preciosa, traduzida no Brasil pelas edições CNBB, de Joseph Ratzinger sobre a Teologia da Liturgia, o autor diz assim: “Nos anos transcorridos desde então (depois do Concílio), tornou-se cada vez mais claramente perceptível o espantoso empobrecimento que se verifica na Igreja lá onde se fecha a porta à beleza sem finalidade e tudo se submete, ao contrário, exclusivamente ao ‘uso’. Mas os calafrios que a Liturgia pós-conciliar privada de esplendor incute ou simplesmente o tédio provoca com o seu gosto pela banalidade e com a sua falta de exigência artística, não esclarecem o problema” [9]. Ratzinger afirma ainda que “o recuo na utilidade não tornou a Liturgia mais aberta, mas apenas mais pobre. A necessária simplicidade não é realizada por meio do empobrecimento” [10]. Segundo Ratzinger, percebe-se aí “a miséria de uma época ferida, cuja racionalidade criou o dilema entre especialização e banalidade, e cujo funcionalismo, minando o sentido de totalidade, tira, amplamente, o terreno também para uma expressão artística original e vital” [11].
Segundo Santo Tomás de Aquino, o louvor não é necessário para Deus, mas para a própria pessoa que louva [12]. Santo Tomás ainda diz: “Mediante o louvor de Deus, o homem se eleva até Deus”. Louvar é elevar-se, “tocar aquele que habita no louvor dos anjos” [13]. Tal elevação arranca o homem do que está contra Deus. “Sabe-o bem quem experimentou a forma transformadora de uma grande Liturgia, de uma grande arte, de uma grande música. O louvor que ressoa melodicamente induz todos nós a uma profunda reverência, observa além disso Santo Tomás” [14].

29 de julho de 2020

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre “Fundamentos teológicos da Música Sacra”.
A Liturgia é sempre um tema apaixonante, e se enriquece ainda mais de beleza quando falamos de música sacra. Padre Gerson Schmidt tem dedicado seus últimos programas deste nosso espaço de resgate dos documentos do Concílio Vaticano II justamente ao tema da música sacra, tema abordado no capítulo VI da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, que no número 116 diz: “A Igreja reconhece como canto próprio da Liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar. Não se excluem todos os outros gêneros de música sacra, mormente a polifonia, na celebração dos Ofícios divinos, desde que estejam em harmonia com o espírito da ação litúrgica”.
Mas também destaca no n. 119, que “em certas regiões, sobretudo nas missões, há povos com tradição musical própria, a qual tem excepcional importância na sua vida religiosa e social. Estime-se como se deve e dê-se o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação do culto à sua índole, segundo os art. 39 e 40. Por isso, procure-se cuidadosamente que, na sua formação musical, os missionários fiquem aptos, na medida do possível, a promover a música tradicional desses povos nas escolas e nas ações sagradas”.
Na edição de hoje, Padre Gerson Schmidt (incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre), nos fala sobre “Fundamentos Teológicos da Música Sacra”:
O canto cultual tinha-se desenvolvido na passagem da sinagoga para a Igreja primitiva. Aos salmos acrescentaram-se muito cedo os “cânticos”. A tais cânticos se alude nos seguintes textos bíblicos: 1Cor 14,26, que diz: “Que fazer, pois, irmãos? Quanto estais reunidos, cada um de vós pode cantar um cântico, proferir um ensinamento ou uma revelação, falar em línguas ou interpretá-las, mas que tudo se faça para a edificação”; Outro texto encontramos em Cl 3,16: “A Palavra de Cristo habite em vós ricamente: com toda a sabedoria ensinai e admoestai-vos uns aos outros e, em ação de graças a Deus, entoem vossos corações salmos, hinos e cânticos espirituais”. E em Ef 5,19, que diz assim: “Falai uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração, sempre e por tudo dando graças a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Uma série de hinos cristológicos do cristianismo primitivo está conservada nos textos neotestamentários: Fl 2,6-11; Ef 2,14-16; 2Tm 2,11-13.
“O fato de que estes cantos de Israel continuaram a ser recitados e cantados também como cânticos da Igreja, significa que toda a riqueza de sentimento da oração de Israel fora conservado” [15]. Segundo Santo Tomás de Aquino, o louvor não é necessário para Deus, mas para a própria pessoa que louva [16]. Santo Tomás ainda diz: “Mediante o louvor de Deus, o homem se eleva até Deus”.
Louvar é elevar-se, “tocar aquele que habita no louvor dos anjos” [17]. Tal elevação arranca o homem do que está contra Deus. “Sabe-o bem quem experimentou a forma transformadora de uma grande Liturgia, de uma grande arte, de uma grande música. O louvor que ressoa melodicamente induz todos nós a uma profunda reverência, observa além disso Santo Tomás” [18].
O salmo 33 proclama que “o louvor do Senhor sempre está a minha boca” (Sl 33,2-4). “A alegria do Senhor aparece aqui como algo em si mesmo, belo e pleno de sentido; alegrar-se no louvor comunitário a Deus e reconhecer, na festiva execução da música, que Ele é digno de tal louvor se justifica por si mesmo, além de qualquer teoria. (...) a expressão da alegria, porém, aparece como uma presença da glória, que é Deus: correspondendo a tal glória, ela mesma participa da glória” [19].
O homem redimido tem motivos suficientes para cantar e louvar: pelo Pai que criou o universo cheio de esplendor, por Cristo como glória de Deus acessível a nós, que nos salva, pelo Espírito Santo que geme em nós com gemidos inefáveis e nos faz render graças a todo o instante. Portanto, nosso louvor é trinitário.  
O louvor melodioso eleva a Deus e transforma corações. Santo Agostinho, no processo de conversão, experimenta isso em Milão, onde a experiência da Igreja que canta se torna para ele - racionalista e acadêmico - uma emoção que invadia a pessoa inteira. No livro das Confissões ele assim revela: “Quanto chorei entre os teus hinos e cânticos, profundamente comovido pelas vozes da tua Igreja que suavemente cantava! Aquelas vozes fluíam nas minhas orelhas e destilavam no meu coração a verdade, e se acendia em mim o sentimento de piedade; escorriam as lágrimas e me sentia bem” [20]. E diz mais Agostinho: “Ainda não corria atrás de vós, quando deste modo se exalava o aroma das Vossas fragrâncias. Por isso mais chorava ouvindo os Vossos hinos. Suspirava outrora por vós, e enfim, respirava quando o permite o ar de uma choça de colmo” [21].

05 de agosto de 2020

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, concluiremos hoje os programas dedicados à “Música na Liturgia”.
Padre Gerson Schmidt nos presenteou nos últimos programas com uma série de reflexões sobre a música sacra e seu uso na Liturgia, inspirando-se, principalmente, mas não só, na Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia.  “A ação litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo”, diz o n. 113 do Documento promulgado pelo Papa Paulo VI, agora São Paulo VI, em 04 de dezembro de 1963.
Antes de passarmos para um novo tema nos próximos programas, Padre Gerson Schmidt - incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre e que tem nos acompanhado na exposição dos documentos conciliares - nos traz hoje “As conclusões da música da Liturgia”:
O Concilio Vaticano II indicou com sabedoria apenas critérios mais gerais sobre a música dentro da Liturgia, ou seja, que a música deve corresponder ao espírito da ação litúrgica (SC, n. 116), ser adaptada ou adaptável ao uso sacro (SC, n. 120), corresponder à dignidade do tempo e favorecer verdadeiramente a edificação dos fiéis (SC, n. 120) [22]. Podemos chegar a algumas conclusões a partir do que já dissemos em outros programas:

1. A Liturgia deve ser simples, mas não simplória demais. A exigência para a simplicidade é, bem vista, com a exigência para o puro e maduro. A suprema maturidade leva também à simplicidade. A banalidade espiritual deve ser evitada. Ratzinger afirma ainda que “o recuo na utilidade não tornou a Liturgia mais aberta, mas apenas mais pobre. A necessária simplicidade não é realizada por meio do empobrecimento” [23].

2. A igreja Catedral pode e deve representar a solenidade e a beleza do culto a Deus, por meio do canto sacro, mais do que na igreja paroquial. Cada um não deve ser tudo, apenas todos juntos constituem a totalidade. Por isso, a utilização dos coros e da alternância das vozes do coro com a participação também popular.

3. A participação ativa do povo não significa sempre estar cantando ou se expressando. Também há participação ativa pelo silêncio e oração, não havendo necessidade de entender que todas as partes da Liturgia o povo deva cantar. Acolher, perceber, comover-se também é uma participação ativa.

4. “Uma Igreja que faz tão somente uma música ‘utilitária’ se precipita e se torna ela mesma inútil. A ela é confiado algo mais elevado. (...) A Igreja não deve contentar-se com o que é útil na comunidade; ela deve despertar a voz do cosmos e, na glorificação do Criador, tirar do cosmos a sua magnificência, torná-lo esplêndido e, com isso, belo, habitável, amável. A arte que a Igreja criou é, junto com os santos que nela cresceram, a única verdadeira ‘apologia’ que ela pode exibir na história” [24].

5. A Constituição Sacrosanctum Concilium concede estima à tradição musical local, de “algumas regiões, especialmente nas missões” (SC, n. 119). Isso corresponde à ideia de catolicidade do Concílio quer ver elevado e aperfeiçoado, como diz a Constituição Ad Gentes (n. 9): “Por isso, tudo o que de bom existe semeado no coração e na mente dos homens ou nos próprios ritos e culturas dos povos, não apenas permanece, mas é curado, elevado e consumado para glória de Deus...”. Portanto, uma valorização da cultura local de cada povo, de cada nação, de cada região, onde se celebra.

6. O canto litúrgico e sacro precisa estar adaptado para cada situação do momento eucarístico. Não se cante um canto de glória no ofertório ou vice-versa... Não se inventem cantos impróprios para a Liturgia. Cada momento deve ser preparado com esmero e simplicidade. O tesouro da música sacra seja, portanto, conservado e cultivado com muito cuidado, dentro e fora da Liturgia (SC, n. 114).

Anjos cantam o louvor do Ressuscitado

[1] Missal Romano, 19.
[2] ibid.
[3] RATZINGER, Joseph. Teologia da Liturgia - O fundamento sacramental da existência cristã - Obras completas, volume XI. Editor em língua alemã: Cardeal Gerhard Muller; Editor em língua portuguesa: Antonio Luiz Catelan Ferreira. Brasília -DF: Edições CNBB, 2019, p. 120.
[4] ibid.
[5] GELINEAU, Joseph. Renovação do canto e tradição: O papel dos coros. in: Revista Concilium - Revista Internacional de Teologia, 1965, Dilsar, 5 de outubro, 297-1, Lisboa, p. 43.
[6] RATZINGER, op. cit., p. 468.
[7] ibid.
[8] ibid.
[9] ibid, p. 469.
[10] ibid., p. 470.
[11] ibid.
[12] Summa Theologiae, II-IIae, q. 91 a 1 resp.
[13] RATZINGER, op. cit., p. 482.
[14] ibid.
[15] ibid, p. 481.
[16] Summa Theologiae, II-IIae, q. 91 a 1 resp.
[17] RATZINGER, op. cit., p. 482.
[18] ibid.
[19] ibid., p. 481.
[20] Confissões, IX, 6, 14.
[21] ibid. IX, 7.
[22] RATZINGER, op. cit., p. 485.
[23] ibid., p. 470.
[24] ibid., p. 489.

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