São João Crisóstomo
Sermão 54 sobre o Evangelho de São Mateus
Tudo
se consuma entre nós pela cruz
Que ninguém se
envergonhe dos sagrados símbolos de nossa salvação, que em si contêm a origem
de todos os bens, e pelos quais temos vida e existimos. Antes, levemos por toda
a parte, como uma coroa, a cruz de Cristo. Tudo, de fato, se consuma entre nós
pela cruz. Quando temos de regenerar-nos, ali está presente a cruz; quando nos
alimentamos do místico alimento; quando somos consagrados ministros do altar;
se é necessária qualquer outra ação sagrada, ali está sempre presente este
símbolo da vitória. Daí o fervor com que o inscrevemos e desenhamos sobre as
nossas casas e paredes, sobre as janelas, sobre nossa fronte e sobre o coração.
Porque este é o
sinal de nossa salvação, o sinal da liberdade do gênero humano, o sinal da
mansidão do Senhor para conosco que como
ovelha foi levado ao matadouro. Portanto, quando te persignar, considera
todo o mistério da cruz e apaga de ti toda ira e todas as demais paixões.
Quando te persignar, ocupa amplamente toda a tua frente libertando assim a tua
alma. Sabeis bem que coisas são as que nos geram a liberdade. Daí que Paulo,
para levar-nos a isso, quero dizer, para a liberdade que nos convém, nos
conduziu pela memória da cruz e do sangue do Senhor: Foram comprados, disse ele, por
alto preço. Não vos deixeis escravizar pelos homens.
É como se
dissesse: Pensa no preço que foi pago por ti e nunca te farás escravo dos
homens; e chama preço à cruz. É necessário que a formemos não somente com os
dedos, mas que primeiramente o façamos com a vontade e uma grande fé. Se com
esta condição a traças em tua casa, nenhum demônio impuro poderá estar contra
ti, pois verá a espada com que foi ferido com ferida mortal. Se nós, que
somente ao ver o lugar onde executam os réus sentimos horror, considera o que
sofrerão o diabo e todos os demônios ao ver o dardo com que Cristo venceu todo
o seu poder e cortou a cabeça do dragão.
Não te
envergonhes, pois, de tão grande dom, para que Cristo não se envergonhe de ti
quando venha em sua glória e se veja este sinal que desce, mais brilhante que
os raios do sol, diante de Cristo. Porque então verás a cruz clamando somente
com sua presença e defendendo diante de todo o orbe a causa do Senhor e
demonstrando que da parte d’Ele nada faltou para salvar-nos. Este sinal no
tempo de nossos antepassados, e também nos atuais, abriu as portas fechadas;
este sinal destruiu os venenos; este sinal desfez a força da cicuta; este sinal
curou as mordidas das feras venenosas. Pois se abriu as portas infernais, abriu
as portas do céu e renovou a entrada ao paraíso, destroçou a força dos
demônios, porque seria extraordinário que vencesse os venenos, as feras e as
outras coisas semelhantes a estas?
Grava isto em
tua mente e abraça este sinal, salvação de nossas almas. Porque esta cruz
salvou e converteu ao orbe, afastou o erro, trouxe a verdade, fez da terra céu
e dos homens fez anjos. Por virtude da cruz já não são temíveis os demônios; a
morte já não é morte, mas sono; pela cruz tudo o que nos era contrário ficou
abatido, por terra, pisoteado. De modo que se alguém te pergunta: Adoras ao
Crucificado? Com voz forte, com rosto alegre, responde-lhe: O adoro e nunca
deixarei de adorá-lo! E se esse tal te ridiculariza, chora tu por sua loucura.
Dá graças ao Senhor por tão imensos benefícios, que se não fosse pela revelação
ninguém poderia nem sequer conhecê-los.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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