sábado, 1 de junho de 2019

Catequese do Papa João Paulo II sobre a Ascensão

João Paulo II
Audiência Geral
23 de maio de 1979
Ascensão: A Igreja deve renovar a sua consciência missionária

1. Amanhã termina o período de 40 dias, que separa o momento da Ressurreição do Senhor nosso Jesus Cristo da sua Ascensão. Este é também a altura da separação definitiva entre o Mestre, e os Apóstolos e discípulos. Num momento tão importante, Cristo confia-lhes a missão que Ele próprio recebera do Pai e principiou na terra: Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós (Jo 20,21). Isto lhes disse durante o primeiro encontro depois da Ressurreição. Nesta altura encontravam-se na Galileia segundo escreve S. Mateus: Os onze Discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha designado. Quando O viram, adoraram-no; alguns, no entanto, duvidavam ainda. Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes: «Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra: Ide pois ensinar todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-lhes a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,16-20).
As palavras citadas contêm o chamado mandato missionário. Os deveres que transmite Cristo aos Apóstolos definem ao mesmo tempo a natureza missionária da Igreja. Esta verdade encontrou a sua expressão particularmente plena no ensinamento do Concílio Vaticano II. «A Igreja que vive no tempo é, por sua natureza, missionária, visto ter a Sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na missão do Filho e do Espírito Santo» (Ad Gentes, 2). A Igreja, nascida desta missão salvífica, encontra-se sempre «in statu missionis» (em estado de missão), e está sempre a caminho. Tal condição reflete as forças interiores da fé e da esperança que animam os Apóstolos, os discípulos e os confessores de Cristo Senhor, durante todos os séculos. «Muitos deixam de se fazer cristãos nestas terras, por não haver quem se ocupe de tão santas obras. Muitas vezes me vem ao pensamento ir aos colégios da Europa, levantando a voz como homem que perdeu o juízo ... aos que têm mais letras que vontade para se disporem a frutificar com elas. Quantas almas deixam de ir para a glória por negligência deles! ... Muitos desses deveriam procurar exercitar-se em ouvir o que o Senhor lhes diz. Então exclamariam do fundo da alma: «Eis-me aqui, Senhor; que quereis que eu faça? Mandai-me aonde quer que desejeis» (São Francisco Xavier, Carta a Santo Inácio de Loyola, de 1544: H. Tursellini, Vita Francisci Xaxerii, Romae 1956, lib. 4; cit. segundo o «Breviário Romano», Officium Lectionis para 3 de dezembro)
Nesta nossa época, estas forças, chamadas pelo Concílio nominalmente, devem ressoar de novo. A Igreja deve renovar a sua consciência missionária, o que, na prática apostólica e pastoral dos nossos tempos, exige certamente muitas novas aplicações; entre elas, uma renovada atividade missionária da Igreja motiva, ainda mais profundamente, e postula, ainda mais fortemente, esta atividade.
2. Aqueles que o Senhor Jesus manda - ou aqueles que, dez dias depois da Ascensão hão de sair do cenáculo do Pentecostes, ou todos os outros - geração após geração até aos nossos tempos - levam consigo um testemunho que é a primeira fonte e o conteúdo fundamental da evangelização: Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis Minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo (At 1, 8). São encarregados de ensinar testemunhando. «O homem contemporâneo escuta de melhor vontade as testemunhas que os mestres, ou se escuta os mestres fá-lo porque são testemunhas» (Paulo VI, Discurso aos Membros do «Consilium de Laicis», 2 de outubro de 1974; AAS 66, 1974, p. 31).
Quando relemos, quer nos Atos dos Apóstolos quer nas Epístolas, a narração da catequese apostólica, verificamos com que exatidão os primeiros executores do mandato apostólico de Cristo encarnaram na vida este encargo. Diz São João Crisóstomo: «Se o fermento, misturado com a farinha, não transformar toda a massa numa só qualidade, terá sido verdadeiramente fermento? Não digas que não podes levar os outros; na verdade, se fores verdadeiro cristão, é impossível que isto não aconteça» (S. Ioannes Chrysostomus, In Acta Apostolorum, Homilia XX, 4. PG 60, 163).
Quem realiza a obra da evangelização não é sobretudo professor. É mensageiro. Comporta-se como homem a quem está confiado um grande mistério. É ao mesmo tempo como aquele que descobriu pessoalmente o tesouro maior, como o «escondido num campo» da parábola de Mateus (Cf. Mt 13,44). O estado da sua alma é, então, caracterizado também pela prontidão em reparti-lo com os outros. Mais ainda que a prontidão, sente um imperativo interior, na linha daquele magnífico «urget» de Paulo (Cf. 2Cor 5,14).
Todos nós descobrimos esta fisionomia interior lendo e relendo as obras de Pedro, de Paulo, de João e de outros, para conhecermos - por meio das suas obras, das palavras pronunciadas e das cartas escritas - que eram verdadeiramente os Doze. A Igreja nasceu «in statu missionis» nos homens vivos.
E este caráter missionário da Igreja renovou-se em seguida em outros homens concretos, de geração em geração. É necessário caminhar segundo as pegadas destes homens a quem, nas diversas épocas, foi confiado o Evangelho como obra da salvação do mundo. É necessário vê-los como eram por dentro. Como os plasmou o Espírito Santo. Como os transformou o amor de Cristo. Só então vemos de perto a realidade que esconde em si a vocação missionária.
3. Na Igreja, em que é evangelizador cada homem, Cristo continua a escolher os homens que quer «para os ter consigo e para os enviar a pregar às nações» (Ad Gentes, 23): deste modo a narração do envio dos Apóstolos torna-se história da Igreja da primeira à última hora.
A qualidade e o número das vocações são sinal da presença do Espírito Santo, porque é o Espírito «que distribui como quer os seus carismas para bem das almas»: para este supremo bem, Ele «inspira no coração de cada um a vocação missionária» (ibid). E sem dúvida o Espírito que inspira e move os homens antecipadamente escolhidos, para a Igreja poder assumir a Sua responsabilidade evangelizadora. Sendo, de facto, a Igreja a missão encarnada, revela esta sua encarnação primeiro que tudo nos homens da missão: Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós (Jo 20,21).
Na Igreja, a presença de Cristo que chama e envia como durante a Sua vida mortal, e do Espírito Pentecostal que inflama, é a certeza de que as vocações missionárias não faltarão nunca.
Estes separados e designados pelo Espírito (At 13,2) «são marcados com vocação especial entre os povos e são enviados pela legítima autoridade: homens e mulheres, autóctones e estrangeiros: sacerdotes, religiosos e leigos» (Ad Gentes, 23). Surgirem e multiplicarem-se pessoas consagradas por toda a vida às missões, é também índice do espírito missionário da Igreja: da geral vocação missionária da comunidade cristã brota a especial e específica vocação do missionário: a vocação de facto não é nunca diretamente singular, mas toca o homem por meio da comunidade.
O Espírito Santo, que inspira a vocação de cada um, é o mesmo que «suscita na Igreja Institutos, que assumem como tarefa própria, o dever de evangelizar, que pertence a toda a Igreja» (ibid). Ordens, Congregações e Institutos missionários representaram e viveram por séculos o compromisso missionário da Igreja e vivem-no ainda hoje em plenitude.
A estas Instituições, portanto, confirma a Igreja a Sua confiança e o Seu mandato; e com alegria e esperança saúda as novas que surgem na Comunidade do mundo missionário. Mas elas, por sua vez, sendo a expressão da missionariedade também das Igrejas locais de que surgiram, em que vivem e em cujo favor operam, pretendem dedicar-se à formação dos missionários que são os verdadeiros agentes da evangelização na linha dos Apóstolos de Cristo. O número destes não deve diminuir, antes deve proporcionar-se às necessidades imensas dos tempos não longínquos em que os povos se abram a Cristo e ao Seu Evangelho de vida.
Além disso, não passa despercebido a ninguém um sinal da nova época missionária que a Igreja espera e prepara: as Igrejas locais, antigas e novas, são vivificadas e agitadas por uma ansiedade nova, a de encontrarem formas de ação especificamente missionárias com o envio dos próprios membros aos povos, quer individualmente quer inscrevendo-se nas Instituições missionárias. A missão evangelizadora «que diz respeito (precisamente) à Igreja toda» é cada vez mais sentida como esforço direto das Igrejas locais que por isso dão aos campos missionários os seus sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos. Bem o viu e descreveu o Papa Paulo VI: «Evangelizadora, a Igreja começa por evangelizar-se a si mesma ... Quer isto dizer, numa palavra, que Ela tem sempre necessidade de ser evangelizada, se quer conservar frescura, rasgo e força para anunciar o Evangelho».
Como consequência, cada Igreja deverá colocar-se na perspectiva daquela vocação apostólica, que Paulo reconhecia em si quanto aos gentios e por causa da qual dizia: Ai de mim se não evangelizar (1Cor 9,16).
4. O primeiro domingo de maio era consagrado de modo especial à oração pelas vocações [1]. Prolongamos esta oração por todo o mês, recomendando este problema tão importante à Mãe de Cristo e da Igreja, Maria.
Agora no período da Ascensão do Senhor, preparando-nos para a solenidade do Pentecostes, desejamos exprimir nesta oração o caráter missionário da Igreja. Por isso, pedimos também que a graça da vocação missionária, concedida à Igreja desde os tempos apostólicos através de tantos séculos e tantas gerações, ressoe na geração contemporânea dos cristãos com novo vigor de fé e de esperança: Ide ... e ensinai todas as nações (At 28,19).

[1] Naquele ano o primeiro domingo de maio foi o IV Domingo da Páscoa, Dia Mundial de Oração pelas Vocações Sacerdotais.


Fonte: Santa Sé

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