quinta-feira, 27 de junho de 2019

Catequese do Papa João Paulo II sobre o Coração de Jesus

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de junho de 1979
Aprendamos a ler o mistério do Coração de Cristo

1. Depois de amanhã, na próxima sexta-feira, a Liturgia da Igreja concentra-se, com adoração e amor particulares, à volta do mistério do Coração de Cristo. Desejo portanto já hoje, antecipando esse dia e essa festa, dirigir juntamente convosco o olhar dos nossos corações para o mistério daquele Coração. Ele falou-me desde a idade juvenil. Todos os anos volto a este mistério no ritmo litúrgico do tempo da Igreja.
É sabido que o mês de Junho é particularmente dedicado ao Coração Divino, ao Sagrado Coração de Jesus. A Ele exprimimos o nosso amor e a nossa adoração, por meio da ladainha que fala com particular profundidade dos seus conteúdos teológicos em cada uma das invocações.
Desejo por isso, ao menos brevemente, deter-me em vossa companhia diante deste Coração, ao qual se dirige a Igreja como comunidade de corações humanos. Desejo, pelo menos brevemente, falar deste mistério tão humano, no qual com tanta simplicidade e igual profundidade e força se revelou Deus.
2. Deixemos hoje que falem os textos da Liturgia da sexta-feira próxima, começando pela leitura do Evangelho segundo João. O Evangelista refere um fato com a precisão de testemunha ocular.
Então os judeus, visto ser o dia da Preparação, para os corpos não ficarem na cruz ao sábado - pois era grande dia aquele sábado -, pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Vieram então os soldados e quebraram as pernas ao primeiro, depois ao segundo dos que tinham sido crucificados com Ele. Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água (Jo 19,31-34).
Nem sequer uma palavra sobre o coração.
O Evangelista fala só da lançada do costado, de que saiu sangue e água. A linguagem da descrição é quase médica, anatômica. A lança do soldado feriu sem dúvida o coração, para verificar se o condenado já estava morto. Este coração - este coração humano - parou de trabalhar. Jesus cessou de viver. Ao mesmo tempo, contudo, esta anatômica abertura do coração de Cristo depois da morte - não obstante toda a «aspereza» histórica do texto - leva-nos a pensar também a nível de metáfora. O coração não é só órgão que condiciona a vitalidade biológica do homem. O coração é símbolo. Fala de todo o homem interior. Fala do interior espiritual do homem. E a tradição logo descobriu este sentido da descrição joanina. Aliás, em certo sentido, o próprio Evangelista levou a isso, quando, referindo-se à atestação da testemunha ocular que era ele mesmo, se referiu ao mesmo tempo a esta frase da Sagrada Escritura:
Hão de olhar para Aquele que trespassaram (Jo 19,37; Zc 12,10).
Assim, na realidade, olha a Igreja; assim olha a humanidade. E eis que, no trespassar da lança do soldado todas as gerações dos cristãos aprenderam e aprendem a ler o mistério do Coração do Homem Crucificado, que era e é Filho de Deus.
3. Diversa é a medida do conhecimento que deste mistério, no decurso dos séculos, adquiriram muitos discípulos e discípulas do Coração de Cristo. Um dos protagonistas neste campo foi certamente Paulo de Tarso, convertido de perseguidor em Apóstolo. Também ele nos fala na liturgia de sexta-feira próxima com as palavras da Carta aos Efésios. Fala como homem que recebeu grande graça, porque lhe foi concedido anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo e elucidar a todos qual a economia do Mistério escondido desde tempos antigos em Deus, que tudo criou (Ef 3,8-9).
Aquela «riqueza de Cristo» e ao mesmo tempo aquele «eterno desígnio de salvação» de Deus é dirigido pelo Espírito Santo ao «homem interior», para que assim Cristo habite pela fé nos vossos corações (Ef 3,16-17). E quando Cristo, com a força do Espírito Santo, habitar pela fé nos nossos corações humanos, então seremos capazes de compreender com o nosso espírito humano (quer dizer, exatamente com este «coração») qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, e conhecer a sua caridade que excede toda a ciência ... (Ef 3,18-19).
Para tal conhecimento conseguido com o coração, com cada coração humano, foi aberto, no fim da vida terrestre, o Coração Divino do Condenado e Crucificado no Calvário.
Diversa é a medida deste conhecimento por parte dos corações humanos. Diante da força das palavras de Paulo, interrogue-se a si mesmo cada um de nós sobre a medida do próprio coração. ...Tranquilizaremos os nossos corações diante d'Ele, sabendo que, se o nosso coração nos condena, Deus é maior que os nossos corações e conhece todas as coisas... (1Jo 3,19-20). O Coração do Homem-Deus não julga os corações humanos. O Coração chama. O Coração «convida». Com este fim foi aberto com a lança do soldado.
4. O mistério do coração abre-se através das feridas do corpo; abre-se o grande mistério da piedade, abem-se as entranhas de misericórdia do nosso Deus (São Bernardo, Sermo LXI, 4; PL 183, 1072).
Cristo diz na Liturgia de sexta-feira: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração (Mt 11,29).
Talvez uma só vez, com palavras suas, tenha o Senhor Jesus apelado para o seu coração. E salientou este único traço: «mansidão e humildade». Como se dissesse que só por este caminho quer conquistar o homem; que mediante «a mansidão e a humildade» quer ser o Rei dos corações. Todo o mistério do Seu reinar se exprimiu nestas palavras. A mansidão e a humildade cobrem, em certo sentido, toda a «riqueza» do Coração do Redentor, da qual escreveu São Paulo aos Efésios. Mas também aquela «mansidão e humildade» o desvelam plenamente; e melhor nos permitem conhecê-lo e aceitá-lo; tornam-no objeto de admiração suprema.
A bela ladainha ao Sagrado Coração de Jesus é composta de muitas palavras semelhantes - além disso, das exclamações de admiração pela riqueza do Coração de Cristo. Meditemo-las com atenção nesse dia.
5. Assim, no fim deste fundamental ciclo litúrgico da Igreja - que se iniciou com o primeiro domingo do Advento, e passou pelo tempo do Natal, depois pelos da Quaresma e da Ressurreição, até ao Pentecostes, ao Domingo da Santíssima Trindade e ao Corpo de Deus - apresenta-se discretamente a festa do Coração de Jesus. Todo este ciclo se fecha definitivamente n'Ele; no Coração do Deus-Homem. D'Ele irradia cada ano toda a vida da Igreja.
Este Coração é «fonte de vida e de santidade».


Fonte: Santa Sé

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