quinta-feira, 27 de junho de 2019

O sacerdote na Liturgia da Palavra da Missa

Publicamos hoje o terceiro dos textos sobre a relação entre o sacerdote e a Celebração Eucarística, divulgados pelo Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice no contexto do Ano Sacerdotal (2009-2010):

Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
O sacerdote na Liturgia da Palavra da Missa

Objeto deste artigo não é a Liturgia da Palavra considerada em si mesma, sobre a qual se deveria portanto oferecer uma panorâmica histórica, teológica e disciplinar. Em continuidade com a série de precedentes artigos desta seção, nos interessa, ao invés, o papel do sacerdote na Liturgia da Palavra da Missa, tendo presente tanto a forma ordinária (ou de Paulo VI) quanto aquela extraordinária (ou de São Pio V) do Rito Romano [1].

A forma extraordinária

Na «Missa baixa» (celebração simples, de uso quotidiano) da forma extraordinária, o sacerdote lê todas as leituras, ou seja, a Epístola [2], o Gradual e o Evangelho. Em geral, ele faz isto assumindo a mesma posição com a qual oferecerá em seguida o santo Sacrifício. Com uma expressão inadequada mas muito difundida, podemos dizer que o sacerdote proclama a Liturgia da Palavra «de costas para o povo». A língua da proclamação é a mesma de todo o rito, portanto o latim, mas também a língua nacional, como recorda o artigo 6 do Motu Proprio Summorum Pontificum. Ao final da Epístola, quem assiste diz: Deo gratias. À Epístola segue o Gradual, assim chamado pelos degraus que o diácono subia para ler o Evangelho do ambão na Missa solene. Depois do Gradual se lê o Aleluia com o seu versículo, ou o Trato [3]. Em algumas ocasiões, antes do Evangelho, o sacerdote proclama ainda uma Sequentia [4]. Feito isto, enquanto o acólito transposta o Missal (no qual se encontram também os textos das leituras bíblicas) do lado direito do altar (dito cornu epistulae) ao lado esquerdo (cornu evangelii), o sacerdote, ao centro do altar, pede ao Senhor a bênção antes de passar ao lado esquerdo (ou setentrional), em cuja extremidade proclama o Evangelho depois de ter dito Dominus vobiscum, ter recebido a respectiva resposta, ter anunciado o título do livro evangélico do qual é tirada a perícope que se está para ler, ter traçado com o polegar da mão direita um sinal da cruz sobre o livro e três sobre si (na fronte, na boca e no peito). Quando lê a Epístola, o Gradual e o Aleluia, o sacerdote tem as mãos apoiadas sobre o Missal ou sobre o altar, mas sempre de modo que as mãos toquem o livro. Ao contrário, ao proclamar o Evangelho, tem as mãos juntas na altura do peito. Terminada a leitura do Evangelho, levanta com as mãos o livro do suporte e o beija, dizendo em segredo a fórmula Per evangelica dicta, deleantur nostra delicta. Durante a proclamação das diversas leituras, o sacerdote faz uma inclinação de cabeça cada vez que pronuncia o nome de Jesus. Em casos particulares é prevista a genuflexão durante a leitura. Ao final da leitura do Evangelho se aclama Laus tibi, Christe. Depois do Evangelho, sobretudo nos domingos e nos dias de preceito, pode haver, segundo a oportunidade, uma breve homilia [5]. Enfim, depois da eventual homilia, quando é previsto, se recita o Símbolo da fé: o sacerdote retorna ao centro do altar e entoa o Credo estendendo e recolhendo as mãos diante do peito e fazendo uma inclinação de cabeça. Quando se recita o Et incarnatus est genuflete e permanece assim até o et homo factus est. Faz ainda uma inclinação de cabeça quando diz simul adoratur. Por fim, concluindo o Símbolo, faz sobre si o sinal da cruz. Todas as partes da Liturgia da Palavra, exceto as orações que o sacerdote recita antes e depois da proclamação do Evangelho, são ditas com tom de voz inteligível. Não podemos acrescentar aqui outros detalhes sobre o modo de proclamar as leituras bíblicas na Missa solene.


A forma ordinária

No Missal de Paulo VI, a Liturgia da Palavra manteve diversos elementos do Missal de São Paio V, ainda que tenham sido suprimidos alguns e acrescentados outros. Não foi mudada a língua da proclamação, porque a língua própria da Liturgia romana permanece o latim também na reforma litúrgica pós-conciliar, razão pela qual os novos lecionários (agora publicados como livros independentes) foram publicados em latim em 1969 e em 1981. Por outro lado, é notável que a editio typica foi depois traduzida nas várias línguas nacionais e estas são geralmente usadas. A Institutio Generalis Missalis Romani (IGMR) dita as normas gerais para a Liturgia da Palavra nos nn. 55-71. Uma primeira diferença entre as duas formas do Rito Romano está no fato de que também na Missa quotidiana, celebrada de forma não solene, se admite a possibilidade que outros leitores proclamem os textos bíblicos [6], à exceção do Evangelho, ainda que reste obviamente a possibilidade que seja o sacerdote a ler todos os textos da Liturgia da Palavra [7]. Uma segunda mudança está no fato que, nos domingos e solenidades, o número de leituras aumenta a três (Primeira a Segunda Leituras, mais o Evangelho), além do Salmo responsorial, que toma o lugar do Gradual ou do Trato. Também a seleção de perícopes bíblicas foi aumentada de modo considerável em relação ao lecionário da forma extraordinária [8]. Um terceiro elemento novo é a reinserção da Oração Universal ou Oração dos Fiéis, que se desenvolve depois do Evangelho e da homilia. A homilia é recomendada para todos os dias do ano e obrigatória nos domingos e nos dias de preceito [9]. Significativa é a inserção, dentro das normas ditadas pela Institutio, de um número sobre o silêncio:

«A Liturgia da Palavra deve ser celebrada de modo a favorecer a meditação; por isso, se deve evitar absolutamente toda forma de pressa que impeça o recolhimento. Nela são oportunos também breves momentos de silêncio, adaptados à assembleia reunida, por meio dos quais, com a ajuda do Espírito Santo, a Palavra de Deus seja acolhida no coração e se prepare a resposta com a oração. Estes momentos de silêncio se podem observar, por exemplo, antes que inicie a própria Liturgia da Palavra, depois da primeira e da segunda leitura, e terminada a homilia»[10].

Institutio estabelece ainda que as leituras bíblicas se leiam sempre do ambão [11], assim, ainda que as leia o sacerdote, não o faz mais estando «de costas para o povo». Também na forma ordinária, o sacerdote, antes de proclamar o Evangelho, recita uma oração silenciosa. No rito de Paulo VI, ao final de cada leitura se diz um versículo, que lança a resposta dos fiéis [12]. O Salmo, ao invés, é dito «responsorial», porque é intercalado por uma resposta dita por todos os fiéis entre uma estrofe e outra. Ainda que habitualmente isto não suceda, as normas preveem a possibilidade de cantar ou recitar o Salmo sem a resposta, ou ainda substituí-lo por um Gradual [13]. O Missal de Paulo VI mantém em algumas ocasiões o uso da Sequentia, a qual, porém, é obrigatória apenas nos dias de Páscoa e Pentecostes [14] e além disso se recita antes do versículo aleluiático e não depois dele. O Evangelho é proclamado cumprindo os mesmos gestos da Missa de São Pio V, embora a IGMR não precise a posição das mãos do sacerdote e outros aspectos semelhantes [15]. Isto sucede também para as normas relativas à recitação do Credo, para o qual, porém, se precisa que não se genuflete, mas apenas se inclina no momento das palavras Et incarnatus est [16]. Sobre a Oração dos Fiéis, a IGMR diz que «é conveniente que nas Missas com participação do povo haja normalmente esta oração» [17]. «Cabe ao sacerdote celebrante guiar da sede a oração. Ele a introduz com uma breve monição, para convidar os fiéis a rezar, e a conclui com uma oração [...] As intenções se leem do ambão ou de outro lugar adequado, da parte do diácono ou do cantor ou do leitor ou de um fiel leigo»[18].

Algumas anotações

De quanto foi dito, se nota uma continuidade substancial entre o modo de celebrar a Liturgia da Palavra nos dois Missais, unida a algumas mudanças, algumas enriquecedoras, outras mais problemáticas. A continuidade se baseia em diversos motivos. O primeiro e principal é que a Liturgia da Palavra da Missa acolhe em si única e exclusivamente textos bíblicos (Antigo e Novo Testamento). Representa, portanto, uma desnaturalização desta parte da celebração a inserção de textos extra-bíblicos, ainda que tomados dos Padres, dos grandes Doutores e Mestres de espiritualidade cristã. Com maior razão não podem ser lidos textos profanos ou escritos sacros de outras religiões [19]. Outro motivo de continuidade é a estrutura da Liturgia da Palavra, que é similar nas duas formas do Rito Romano.

Há também diversos aspectos que indicam uma mudança. No rito de Paulo VI a seleção das perícopes é muito mais rica que no precedente Missal. Este fato é sem dúvida positivo e corresponde às indicações da Sacrosanctum Concilium [20]. Seria todavia o caso de abreviar numerosas perícopes muito longas [21]. Positiva é também a norma pela qual as leituras são proclamadas do ambão e, portanto, com os leitores voltados para o povo. Esta postura é de fato a mais indicada para a Liturgia da Palavra [22]. Positiva é também a norma que prescreve a obrigatoriedade da homilia aos domingos e nos dias de preceito. Aqui o sacerdote tem um papel importante e delicado. Recentemente, Dom Mariano Crociata recordou que «é decisivo que o homileta tenha consciência de ser ele mesmo um ouvinte, mais, de ser o primeiro ouvinte das palavras que pronuncia. Ele deve sentir, acima de tudo, dirigida a si esta palavra que está pronunciando para os outros»[23]. A preparação cuidadosa da homilia é parte integrante do papel do sacerdote na Liturgia da Palavra. Bento XVI nos recorda que a homilia tem sempre finalidade tanto catequética quanto exortativa [24]: não pode ser, portanto, uma lição de exegese bíblica, seja porque deve exprimir também o dogma, seja porque deve ser um discurso catequético e não acadêmico; não pode ser uma simples parênese que alude a certos valores vagos, muitas vezes tomados da mentalidade corrente sem um filtro evangélico (o que significaria separar a parte exortativa, que afeta o bem a realizar, daquela veritativa ou catequética).

Sobre o ministério dos leitores, a forma ordinária permite que não só leiam ministros especialmente instituídos pela Igreja para esta função, mas também outros fiéis leigos. O papel do sacerdote, neste caso, não é mais aquele de ler sempre em primeira pessoa as leituras bíblicas, mas aquele - mais remoto - de assegurar que estes leitores sejam verdadeiramente idôneos. Ninguém pode simplesmente subir ao ambão e proclamar a Palavra de Deus na Liturgia. Se não há pessoas adequadamente preparadas, o sacerdote deve continuar a assumir em primeira pessoa a função de leitor, até que se possa assegurar a presença de leitores verdadeiramente idôneos. Por razões de espaço, não podemos aqui aprofundar o tema da Oração dos Fiéis.

Por fim, um elemento de mudança que representa um empobrecimento é a falta de indicações precisas sobre as atitudes corporais que o sacerdote deve assumir no ato de ler (em particular o Evangelho). Todavia, isto representa uma escolha de fundo do novo Missal, que é muito menos preciso do que o precedente sob este aspecto, deixando o campo aberto a diversas atitudes celebrativas. Se pode evitar esta carência aplicando ao novo rito os usos do antigo, ali onde isto é possível, para aquelas indicações que não são excluídas explicitamente das atuais rubricas, como o ter as mãos juntas à altura do peito durante a proclamação do Evangelho. Isto contribui à dignidade da celebração da Liturgia da Palavra e pode representar um exemplo daquele recíproco influxo entre os dois Missais desejado por Bento XVI, quando escreveu que «as duas formas do uso do Rito Romano podem enriquecer-se mutuamente». Também neste sentido «na celebração da Missa segundo o Missal de Paulo VI poderá manifestar-se, de maneira mais forte do que muitas vezes até agora, aquela sacralidade que atrai muitos ao uso antigo»[25].


Notas
[1] Para uma panorâmica histórica e teológica sobre a Liturgia da Palavra, se pode ver, por exemplo: M. Kunzler. La liturgia della Chiesa. Jaca Book: Milano, 2003 (II edição ampliada), pp. 297-309, com bibliografia nas pp. 309-310.
[2] Em alguns casos, a Epístola é precedida de outras leituras.
[3] O versículo aleluiático é substituído pelo Trato da Septuagésima à Páscoa e nas Missas dos defuntos.
[4] No Missal de João XXIII se encontram apenas cinco SequentiaeVictimae paschali para a Páscoa, Veni sancte Spiritus para Pentecostes, Lauda Sion para o Corpus Christi, Stabat Mater para as duas festas das Sete Dores, Dies Irae para as Missas dos defuntos.
[5] «Post Evangelium, praesertim in dominicis et diebus festis de praecepto, hebeatur, iuxta opportunitatem, brevis homilia ad populum»: Missale Romanum 1962, Rubricae generales, VIII, n. 474.
[6] A leitura litúrgica é competência do leitor instituído (cf. IGMR, n. 99), todavia, «se falta o leitor instituído, outros leigos, que sejam, porém, aptos a desempenhar esta função e bem preparados, sejam encarregados de proclamar as leituras da Sagrada Escritura» (IGMR, n. 101).
[7] Todavia, como se deduz da IGMR, n. 59, esta segunda possibilidade se mantém apenas na ausência de leitores idôneos. Assim também o n. 135: «Quando falta o leitor, o próprio sacerdote proclama todas as leituras e o salmo estando no ambão». O n. 176 prescreve que, se está presente o diácono, será ele a ler no caso de falta do leitor.
[8] Não há dúvida sobre a maior amplitude da seleção bíblica do lecionário pós-conciliar. É necessário também reconhecer, todavia, que diversas vezes as perícopes escolhidas são muito longas, o que, unido à reinserção da Oração dos Fiéis e à prática ordinária da homilia, torna muitas vezes a Liturgia da Palavra mais longa que a Liturgia Eucarística, dando lugar a uma descompensação teológico-litúrgica, além de ritual.
[9] cf. IGMR, nn. 65-66. À diferença das normas fixadas no Missal de 1962, na IGMR não se precisa que a homilia deve ser «breve».
[10] ibid., n. 56.
[11] cf. ibid., n. 58.
[12] cf. ibid., n. 128.
[13] cf. ibid., n. 61.
[14] cf. ibid., n. 64.
[15] cf. ibid., n. 134.
[16] A genuflexão se mantém apenas na Anunciação e no Natal do Senhor (cf. ibid., n. 137).
[17] ibid., n. 69.
[18] ibid., n. 71.
[19] «Não é permitido omitir ou substituir por própria iniciativa as leituras bíblicas prescritas nem substituir especialmente “as leituras e o salmo responsorial, que contêm a Palavra de Deus, por outros textos não bíblicos”» (Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramenti, Redemptionis Sacramentum, n. 62).
[20] «Nas sagradas celebrações se restaurará uma leitura da Sagrada Escritura mais abundante, mais variada e melhor escolhida» (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, n. 35).
[21] Outros defeitos do lecionário pós-conciliar são assinalados por A. Nocent em: Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo (ed.). Scientia liturgica. Manuale di liturgia, III: L’Eucaristia. Piemme: Casale Monferrato, 2003 (III ed.), pp. 195-200.
[22] cf. J. Ratzinger. Introduzione allo spirito della liturgia. San Paolo: Cinisello Balsamo, 2001, p. 77.
[23] M. Crociata, Homilia na Missa da Convenção Litúrgica para Seminaristas, Roma, 29 de dezembro de 2009.
[24] cf. Bento XVI, Sacramentum Caritatis, n. 46.
[25] Bento XVI, Carta aos Bispos por ocasião do Motu Proprio «Summorum Pontificum».

Tradução livre nossa a partir do texto italiano.

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