São Cirilo de Alexandria
Sermão 10
“São-nos
apresentados dons divinos, está preparada a mística mesa”
Pode haver algo
mais agradável e delicioso para os homens piedosos e desejosos da verdadeira
vida do que gozar perpetuamente de Deus e encontrar repouso pensando nele?
Porque se os que comem e bebem até a saciedade e reforçam os seus flutuantes
caprichos têm um corpo robusto e cheio de vida, quanto mais aqueles que se
preocupam da alma e se nutrem das tranquilas águas da divina pregação,
brilharão vestidos de tisu [1] de ouro e brocados, como testemunha o profeta.
Bem, quando da
palestra espiritual chegamos ao final dos mistérios vivíficos, e o Senhor
colocou à nossa disposição, como viático de imortalidade, dons que superam toda
reflexão, coragem! Todos aqueles que neste mundo suspirais pelos deleites dos
mistérios e, feitos partícipes da vocação celestial, vestidos de uma fé sincera
como de um vestido nupcial, dirijamo-nos com prontidão à mística ceia. Cristo
nos recebe hoje em um banquete, Cristo hoje nos serve; o enamorado dos homens
nos deleita.
É tremendo o que
se diz, formidável o que se realiza. É imolado aquele terneiro cevado; é
sacrificado o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O Pai se alegra; o
Filho se oferece espontaneamente ao sacrifício, que hoje já não executam os
inimigos de Deus, mas ele mesmo, para significar que, pela salvação dos homens,
ele padeceu voluntariamente o suplício. Queres que te demonstre como naquilo
que acabo de dizer se contém o sinal de uma realidade concreta?
Não te fixes na
brevidade de minhas palavras ou em nossa insignificância, mas na voz e na
autoridade daqueles que, com anterioridade, pregaram estas coisas. Compreendes
a grande dignidade do pregador? Observa agora e considera a força do que ele
prediz. Diz: A Sabedoria construiu sua
casa plantando sete colunas; preparou o banquete, misturando o vinho, e pôs a
mesa. Estas coisas, caríssimo, são símbolos do que agora se realiza. As
delícias deste banquete, esplêndido pela majestade e variedade de seus
manjares, são para ti. Está presente o próprio autor de tal majestade, são-nos
apresentados dons divinos, está preparada a mística mesa, o vinho está
misturado. Quem convida é o rei da glória; o mestre de cerimônias é o Filho de
Deus; o Deus encarnado convida o Verbo: a Sabedoria subsistente de Deus Pai,
que construiu para si um templo não edificado por homens, é ela a que distribui
seu corpo como pão, e seu sangue vivificante a bebe como vinho.
Ó tremendo
mistério! Ó inefável desígnio do divino conselho! Ó irrastreável bondade! O
Criador se oferta como alimento à criatura, a própria vida se oferece aos
mortais como comida e bebida. Vinde, comei meu corpo – nos exorta –, e bebei o
vinho que mesclei para vós. Eu mesmo me preparei como alimento, eu mesmo me
mesclei para aqueles que o desejem. Livremente me encarnei, eu que sou a vida;
voluntariamente quis ser partícipe da carne e do sangue, eu que sou o Verbo e a
imagem hipostática do Pai, para salvar-vos. Degustai
e vede quão bom é o Senhor.
[1] Veste de seda.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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