Publicamos hoje o segundo texto da série sobre a relação entre o sacerdote e a Celebração Eucarística, divulgados pelo Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice no contexto do Ano Sacerdotal (2009-2010):
Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
O sacerdote nos Ritos Iniciais da Santa Missa
Na primeira
parte da Missa, os ritos parecem falar por si mesmos. Não chegamos ainda à
Liturgia da Palavra, que proclama a Sagrada Escritura, nem preparamos ainda o
altar para o Sacrifício. No entanto, de alguma forma já fizemos essas coisas,
pelo menos na disposição interior do sacerdote. Quando se cumprem os ritos
iniciais, vários atos já foram realizados, ainda que não visíveis à assembleia.
E são estes que não apenas formam o pano de fundo para aquilo que de mais
sagrado existe, mas também determinam na vida de um sacerdote o modo com o qual
ele se apresenta ao compromisso com o altar, para que as preocupações da vida
quotidiana não façam guerra à sacralidade que é exigida pela celebração da
Santa Missa.
O sacerdote faz
a sua preparação privada, que é delineada no Missal seja na Forma Ordinária (de
Paulo VI) ou naquela Extraordinária (de São Pio V). A distinção entre as duas
formas é aqui evidenciada não apenas porque representam o uso corrente do Rito
Romano, mas também porque se complementam um ao outro no propósito de «fazer
crescer cada dia mais a vida cristã entre os fiéis; de melhor adaptar às
exigências do nosso tempo aquelas instituições que estão sujeitas a mudanças;
de favorecer aquilo que pode contribuir para a união de todos os fiéis em
Cristo» [1]. A Praeparatio ad Missam de
ambas as formas tem em comum uma oração de Santo Ambrósio, uma de Santo Tomás
de Aquino e uma oração à Bem-aventurada Virgem Maria [2]. A «fórmula de
intenção» recorda ao sacerdote que ele consagra o Corpo e o Sangue de Cristo em
benefício de toda a Igreja e por todos aqueles que se recomendam às suas
orações. Uma vez que esta oração se encontra em ambas as formas do rito, é
claro que ambas mantêm a dimensão eclesiológica da Missa [3]. Também o
sacerdote que celebra em privado não celebra a Missa apenas para si mesmo. A
Introdução Geral do Missal Romano (IGMR), no n. 93, ao explicar isso, também descreve
a disposição que deve ter o celebrante:
«(...) o
presbítero, que na Igreja tem o poder sagrado da Ordem para oferecer o
sacrifício em nome de Cristo [4], também está à frente do povo fiel reunido,
preside à sua oração, anuncia-lhe a mensagem da salvação, associa a si o povo
no oferecimento do sacrifício a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo, dá a
seus aos irmãos o pão da vida eterna e participa com eles do mesmo alimento.
Portanto, quando celebra a Eucaristia, ele deve servir a Deus e ao povo com
dignidade e humildade, e, pelo seu modo de agir e proferir as palavras divinas,
sugerir aos fiéis uma presença viva de Cristo» [5].
Por consequência, os ritos iniciais supõem que o sacerdote chegue ao altar pronto a desempenhar as suas sagradas funções. Ao mesmo tempo, não se espera menos do povo de Deus: os fiéis presentes devem se unir à ação da Igreja e evitar toda atitude de individualismo ou de divisão [6]. «Esta unidade aparece muito bem nos gestos e nas atitudes do corpo que os fiéis realizam todos juntos» [7].
Os ritos iniciais na Forma Extraordinária
A Forma Extraordinária, enquanto nos recorda que o sacerdote que endossa os paramentos se aproxima do altar depois de ter feito os necessários atos de reverência, se preocupa também em ilustrar o cuidado com o qual o celebrante deve fazer o sinal da cruz [8]. Os ritos iniciais da Forma Extraordinária, mais longos que os da Forma Ordinária, são compostos antes de tudo pelo Salmo 42 com sua famosa antífona: “Introibo ad altare Dei ad Deum qui laetificat iuventutem meum” (Entrarei no altar de Deus, do Deus que alegra minha juventude), recitada pelo sacerdote e pelo acólito. O Confiteor é rezado duas vezes, a primeira pelo sacerdote e a segunda pelo acólito, que recita inclusive o Misereatur depois do Confiteor do sacerdote. Depois do segundo Confiteor, o Misereatur - que foi conservado na Forma Ordinária da Missa, mas que ali pede o perdão os pecados em geral, sem evidenciar a distinção entre os pecados do sacerdote e aqueles do povo - é seguido da fórmula Indulgentiam, durante a qual o sacerdote faz o sinal da cruz, enquanto reza pela remissão dos pecados de todos. Seguem alguns versículos do Salmo 84. Guéranguer descreve o seu propósito deste modo:
«A prática de recitar estes versículos é muito antiga. O último nos transmite as palavras de Davi, o qual, no seu Salmo 84, reza pela vinda do Messias. Na Missa, antes da Consagração, nós aguardamos a vinda de nosso Senhor, assim como aqueles que viveram antes da Encarnação esperaram o Messias prometido. Não devemos compreender a palavra “misericórdia”, que se encontra aqui porque usada pelo Profeta, como referida à bondade de Deus; pelo contrário, nós pedimos a Deus que aceite enviar Ele, (...) o Salvador, de quem esperamos a salvação que vem sobre nós. Estas poucas palavras do Salmo nos levam de volta, em espírito, ao tempo do Advento, no qual nós invocamos continuamente Aquele que há de vir» [9].
O sacerdote, ao subir ao altar, diz em segredo a oração Aufer a nobis, pedindo que Deus possa remover os nossos pecados e que as nossas mentes possam estar bem dispostas no momento em que entramos no Santo dos Santos. Depois, beija o altar e reza - invocando os méritos dos santos, em particular daqueles cujas relíquias se encontram no altar - que Deus seja indulgente com os seus pecados. Na «Missa alta» (Missa solene), o sacerdote incensa a cruz e depois o altar [10] e o faz de modo a cobrir de incenso cada parte do altar. Um diagrama do Missal descreve o modo preciso com o qual isso é feito. Este ato nos recorda que o altar representa Cristo. Dom Guéranger reporta o significado escriturístico deste gesto:
«A santa Igreja tomou emprestada esta cerimônia do próprio Céu, onde São João a contemplou. No seu Apocalipse, ele viu um anjo em pé, com um incensário de ouro, junto do altar, sobre o qual se encontrava o Cordeiro, cercado pelos vinte e quatro anciãos (cf. Ap 8,3-4). Ele nos descreve este anjo enquanto oferece a Deus as orações dos santos, que são simbolizadas pelo incenso. Por isso nossa santa Mãe, a Igreja, a Esposa fiel de Cristo, deseja fazer como se faz no Céu» [11].
Os ritos iniciais na Forma Ordinária
A Forma Ordinária do Rito Romano inicia enfatizando a presença do povo reunido, antes de mencionar a procissão do sacerdote e dos ministros até o altar, procissão acompanhada do canto de entrada. A substituição dos hinos com as antífonas de entrada e de Comunhão implicou, de fato, na perda destes textos próprios da Missa. Se bem que eles foram traduzidos para as línguas vernáculas junto com outros textos, é na verdade raro ouvi-los serem cantados, sobretudo nas paróquias. Não obstante, a Liturgia inicia com o canto, durante o qual o sacerdote pode incensar o altar. As palavras iniciais da Missa são as mesmas em ambas as formas: «Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo». Guiados pelo celebrante, sacerdote e fiéis fazem juntos este gesto, superando assim o tempo transcorrido entre a morte história de Cristo na cruz e o sacrifício de Cristo no Calvário, tornado presente sobre o altar cada vez que é celebrada a Missa. Como escreve o Padre Jeremy Driscoll: «Os nossos corpos são carregados no corpo que foi suspenso na cruz, e esta participação na morte de Cristo é a revelação do mistério trinitário» [12].
«Em nome» sugere que nós confiamos a celebração ao nome da Trindade. Com o Batismo, nós somos imersos e confiados ao nome de Deus. Como no Batismo somos sepultados e ressuscitamos com Cristo, assim ao fazer o sinal da cruz nós renovamos ativamente a nossa fé no nome trinitário de Deus. O sinal da cruz não é apenas o modo tradicional com o qual os cristãos iniciam a rezar, mas é o modo mais óbvio e mais forte de começar a fazê-lo. O Amém é o consentimento solene daqueles que respondem.
A «saudação apostólica» acolhe a assembleia. É chamada assim porque é inspirada nas cartas de São Paulo. O sacerdote pode usar o Dominus vobiscum (O Senhor esteja convosco), ou pode escolher entre as diversas fórmulas. Qualquer que seja a sua escolha, certamente não deverá banalizar tal saudação dizendo «Bom dia». A saudação litúrgica é formalizada porque o sacerdote saúda os fiéis na sua específica função sacerdotal pela qual, in persona Christi capitis [13], ele saúda a assembleia reunida por Deus. A assembleia por sua vez não responde «Bom dia, padre», mas «E com o teu espírito». Escreve também Driscoll: «Os fiéis se voltam ao “espírito” do sacerdote, isto é, àquela profundíssima parte interior do seu ser, na qual ele foi ordenado exatamente para guiar o povo nesta ação sagrada» [14].
O sacerdote, pois, guia os fiéis com o rito penitencial, ao convidar o povo a reconhecer os próprios pecados e a pedir a misericórdia de Deus. No Missal da Forma Ordinária há uma certa variedade de escolha. O Confiteor, que aqui é dito por todos juntos, encoraja cada um a rezar pelo outro e invoca a comunhão dos santos para que o assista. Uma outra forma retoma os versículos que seguem o Indulgentiam na forma extraordinária [15]. Ambas as formas do Ato Penitencial são seguidas pelo Misereatur e pelo Kyrie, cuja repetição indica a persistente súplica por misericórdia. A terceira forma consiste em uma série de petições, muitas vezes ligadas ao tempo litúrgico, ditas também «tropos», seguidas da invocação Kyrie eleison ou Christe eleison [16]. No domingo, nas festas e em ocasiões especiais o sacerdote entoa na sequência o Gloria, o canto dos anjos, ao qual se unem os presentes, ou que é cantado pelo coro que representa os fiéis.
A oração principal, a coleta, conclui as funções do sacerdote nos ritos iniciais da Missa. O convite «Oremos» é seguido por um breve silêncio. O silêncio fala profundamente ao ser interior. Na Forma Extraordinária ele é um componente natural, na Forma Ordinária é considerado uma resposta adequada e humilde ao mistério. O nome de «coleta» dado a esta oração vem do verbo latino colligere, que indica o colocar juntas partes dispersas para formar uma unidade. A Liturgia da Igreja, através da boca do sacerdote, põe no coração dos fiéis uma oração que resume aquilo pelo que todos devem rezar. Não apenas a coleta nos encoraja a olhar para além da pequenez das nossas necessidades e pedidos, mas também a escutar a oração lida ou cantada pelo sacerdote em nome de toda a Igreja, para fazê-la de cada um de nós. Depois disso, orientados para Deus e dedicados ao culto da Bem-aventurada Trindade no serviço da sagrada Liturgia da Igreja, sacerdote e fiéis juntos podem estar melhor sintonizados para escutar a doce voz que nos chama para que, com a graça de Deus, alcancemos finalmente «os mais altos cumes da ciência e da virtude» [17].
Notas:
[1] Concílio
Vaticano II. Constituição Sacrosanctum Concilium,
n. 1.
[2] A Praeparatio no Missale Romanum de 1962 é mais ampla.
[3] Missale Romanum, Editio Typica Tertia. Typis
Vaticanis, 2002, 1289-1291.
[4] Concílio
Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium,
n. 28.
[5] Institutio Generalis Missalis Romani (IGMR),
n. 93.
[6] cf. ibid., n. 95.
[7] ibid., n. 96.
[8] «(...) signat se signo crucis a fronte ad pectus,
et clara voce dicit...»: Missale
Romanum 1962.
[9] P.
Guéranger. Explanation of the Prayers and
Ceremonies of Holy Mass. [trad. L. Shepherd]. Stanbrook Abbey:
Worcestershire, 1885, 7.
[10] A. Fortescue;
J.B. O'Connell; A. Reid. The Ceremonies
of the Roman Rite Described. 14th ed. St Michael's Abbey Press: Farnborough,
2003, 142.
[11] P.
Guéranger. Explanation of the Prayers and
Ceremonies of Holy Mass, 8.
[12] J. Driscoll.
What happens at Mass. Gracewing
Publishing: Leominster, 2005, 21.
[13] «Na pessoa
de Cristo Cabeça».
[14] J. Driscoll.
What happens at Mass, 25.
[15] «Ostende nobis Domine misericordiam tuam...».
[16] Um tropo, do
latim tropus, às vezes referido pejorativamente
como farsato, era originalmente uma
frase ou um versículo acrescentado como enfeite ou inserção na Missa cantada na
Idade Média. Por exemplo o «Kyrie Lux et Origo eleison» da Missa I in Tempore Paschali. O Missal de
São Pio V os eliminou.
[17] Regra de São Bento, capítulo 73.
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