domingo, 23 de junho de 2019

Homilia do Papa: Missa em Camerino

Visita à Diocese de Camerino-Sanseverino Marche
Santa Missa - Solenidade da Santíssima Trindade
Homilia do Papa Francisco
Praça Cavour (Camerino)
Domingo, 16 de junho de 2019

«Que é o homem, para dele assim vos lembrardes», rezamos no Salmo (Sl 8,5). Me vieram à mente estas palavras pensando em vós. Diante daquilo que haveis visto e sofrido, diante de casas derrubadas e edifícios reduzidos a escombros, vem esta pergunta: que é o homem? O que é, se aquilo que levanta pode colapsar em um instante? O que é, se a sua esperança pode terminar no pó? Que é o homem? A resposta parece vir da continuação da frase: que é o homem, para dele assim vos lembrardes? De nós, assim como somos, com nossas fragilidades, Deus se recorda. Na incerteza que sentimos fora e dentro, o Senhor nos dá uma certeza: Ele se recorda de nós. Se re-corda, isto é, retorna com o coração a nós, porque estamos em Seu coração. E enquanto muitas coisas são rapidamente esquecidas, Deus não deixa no esquecimento. Ninguém é desprezível aos seus olhos, cada um tem para Ele um valor infinito: somos pequenos sob o céu e impotentes quando a terra treme, mas para Deus somos mais preciosos que qualquer coisa.

Recordação é uma palavra-chave para a vida. Peçamos a graça de re-cordar cada dia que não somos esquecidos por Deus, que somos seus filhos amados, únicos e insubstituíveis: recordá-lo nos dará a força para não render-se diante das contrariedades da vida. Recordemos quanto valemos diante das tentações de entristecer-nos e de continuar a desenterrar o pior que parece nunca acabar. As recordações ruins chegam, também quando não pensamos nelas; porém pagam mal: deixam apenas melancolia e nostalgia. Mas como é difícil libertar-se das más recordações! Vale aquele ditado, segundo o qual foi mais fácil para Deus tirar Israel do Egito que o Egito do coração de Israel!

Para libertar o coração do passado que retorna, das recordações negativas que nos têm prisioneiros, dos arrependimentos que paralisam, precisamos de alguém que nos ajude a suportar os pesos que temos dentro de nós. Hoje Jesus nos diz que há tantas coisas que não somos “capazes de portar o peso” (cf. Jo 16,12). E que coisa Ele faz diante da nossa fraqueza? Não nos tira os peso, como nós gostaríamos, nós que estamos sempre em busca de soluções rápidas e superficiais; não, o Senhor nos dá o Espírito Santo. D’Ele temos necessidade, porque é o Consolador, Aquele que não nos deixa sozinhos sob os pesos da vida. É Aquele que transforma a nossa memória escrava em memória livre, as feridas do passado em recordações de salvação. Cumpre em nós aquilo que fez por Jesus: as suas chagas, aquelas feias feridas escavadas pelo mal, pela força do Espírito Santo se tornam canais de misericórdia, chagas luminosas nas quais resplandece o amor de Deus, um amor que levanta, que faz ressurgir. Isto faz o Espírito Santo quando O convidamos para nossas feridas. Ele unge as feias recordações com o bálsamo da esperança, porque o Espírito Santo é o reconstrutor da esperança.

Esperança. De que esperança se trata? Não é uma esperança passageira. As esperanças terrenas são fugazes, têm sempre data de validade: são feitas de ingredientes terrenos, que cedo ou tarde vão mal. Aquela do Espírito é uma esperança a longo prazo. Não expira, porque se baseia sobre a fidelidade de Deus. A esperança do Espírito não é tampouco otimismo. Nasce mais em profundidade, reacende a fundo no coração a certeza de sermos preciosos porque amados. Infunde a certeza de não estarmos sozinhos. É uma esperança que deixa dentro de nós paz e alegria, independentemente do que passa fora. É uma esperança que tem raízes fortes, que nenhuma tempestade da vida pode erradicar. É uma esperança, diz hoje São Paulo, que «não decepciona» (Rm 5,5) - a esperança não decepciona! -, que dá a força de superar toda tribulação (vv. 2-3). Quando estamos atribulados ou feridos - e vós sabeis bem o que significa estar atribulados, feridos -, somos levados a “fazer o ninho” em torno da nossa tristeza e dos nossos medos. O Espírito, ao contrário, nos liberta dos nossos “ninhos”, nos faz lançar voo, nos revela o destino maravilhoso para o qual nascemos. O Espírito nos nutre de esperança viva. Convidemo-lo. Peçamos-lhe que venha a nós e Ele se fará próximo. Vinde, Espírito Consolador! Vinde dar-nos um pouco de luz, dar-nos o sentido desta tragédia, dar-nos a esperança que não decepciona. Vinde, Santo Espírito!

Proximidade é a terceira e última palavra que desejo dividir convosco. Hoje celebramos a Santíssima Trindade. A Trindade não é um enigma teológico, mas o esplêndido mistério da proximidade de Deus. A Trindade nos diz que não temos um Deus solitário lá no céu, distante e indiferente; não, Ele é Pai que nos deu o seu Filho, feito homem como nós, e que para ser ainda mais próximo a nós, para ajudar-nos a levar os pesos da vida, nos manda o seu próprio Espírito. Ele, que é Espírito, vem ao nosso espírito e assim nos consola por dentro, nos leva ao íntimo da ternura de Deus. Com Deus os pesos da vida não permanecem sobre os nossos ombros: o Espírito, que invocamos cada vez que fazemos o sinal da cruz propriamente enquanto tocamos os ombros, vem para dar-nos força, para encorajar-nos, para sustentar os pesos. Com efeito, Ele é especialista em ressuscitar, em reerguer, em reconstruir. Necessita-se mais força para reparar que para construir, para recomeçar que para iniciar, para reconciliar-se que para dar-se bem. Esta é a força que Deus nos dá. Por isso quem se aproxima de Deus não se abate, vai adiante: recomeça, tenta de novo, reconstrói. Sofre também, mas arrisca a recomeçar, a tentar de novo, a reconstruir.

Queridos irmãos e irmãs, vim aqui hoje simplesmente para estar próximo; estou aqui para rezar convosco ao Deus que se recorda de nós, para que ninguém se esqueça de quem está em dificuldade. Rezo ao Deus da esperança, para que o que instável na terra não faça vacilar a certeza que temos dentro de nós. Rezo ao Deus próximo, para que suscite gestos concretos de proximidade. São passados quase três anos e o risco é que, depois da primeira comoção emotiva e midiática, a atenção diminua e as promessas caiam no esquecimento, aumentando a frustração de quem vê o território se despovoar cada vez mais. O Senhor, ao invés, impulsiona a recordar, reparar, reconstruir, e a fazê-lo juntos, sem esquecer jamais quem sofre.

Que é o homem, para dele assim vos lembrardes? Deus que se recorda de nós, Deus que cura as nossas memórias feridas ungindo-as com esperança, Deus que é próximo para reerguer-nos desde dentro, este Deus nos ajude a sermos construtores do bem, consoladores de corações. Cada um de nós pode fazer um pouco de bem, sem esperar que sejam os outros a começar. “Começo eu, começo eu, começo eu”: cada um deve dizer isto. Cada um pode consolar alguém, sem esperar que os seus problemas sejam resolvidos. Também levando a minha cruz, eu me aproximo para consolar os outros. Que é o homem? É o teu grande sonho, Senhor, do qual te recordas sempre. O homem é o teu grande sonho, Senhor, do qual te recordar sempre. Não é fácil percebê-lo nestas circunstâncias, Senhor. Os homens se esquecem de nós, não recordam esta tragédia. Mas tu, Senhor, não te esqueces. O homem é o teu grande sonho, Senhor, do qual te recordas sempre. Senhor, faz que também nós nos recordemos de estar no mundo para dar esperança e proximidade, porque somos teus filhos, «Deus de toda consolação» (2Cor 1,3).


Tradução livre do original italiano.

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