quinta-feira, 11 de junho de 2020

I Catequese do Papa João Paulo II sobre a Eucaristia

Durante o Grande Jubileu do ano 2000 o Papa João Paulo II proferiu seis catequeses sobre a Eucaristia. Ao comemorarmos os 20 anos deste grande acontecimento eclesial, iremos propor aqui em nosso blog estas seis catequeses nas próximas quintas-feiras, dia comumente associado à instituição da Eucaristia na Última Ceia.

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira,  27 de setembro de 2000
A Eucaristia, suprema celebração terrena da “glória”

Caríssimos irmãos e irmãs:
1. Segundo as orientações definidas na Tertio millenio adveniente, este ano jubilar, na solene celebração da Encarnação, deve ser um ano “intensamente eucarístico” (TMA 55). Por isso, depois de ter fixado o olhar sobre a glória da Trindade, que resplandece no caminho do homem, iniciamos uma catequese sobre a grande e, ao mesmo tempo, humilde celebração da glória divina que é a Eucaristia. Grande porque é a expressão principal da presença de Cristo no meio de nós, “todos os dias e até ao fim dos tempos” (Mt 28,20); humilde, porque está ligada aos sinais simples e quotidianos do pão e do vinho, alimento e bebida usados na terra de Jesus e em muitas outras regiões. Neste caráter quotidiano dos alimentos, a Eucaristia introduz não só a promessa, mas o “penhor” da futura glória: “futurae gloriae nobis pignus datur” (Santo Tomás de Aquino. Officium de festo Corporis Christi). Para atingir a grandeza do mistério eucarístico, queremos considerar hoje o tema da glória divina e da ação de Deus no mundo, ora manifestada nos grandes acontecimentos da revelação, ora escondida sob humildes sinais, que só a visão da fé pode perceber.

2. No Antigo Testamento, com a palavra hebraica kabód indica-se a revelação da glória divina e a presença de Deus na história e na criação. A glória do Senhor refulge sobre o cimo do Sinai, aquando da revelação da Palavra divina (cf. Ex 24,16). Está presente sobre a tenda santa e na Liturgia do povo de Deus peregrino no deserto (cf. Lv 9,23). Domina no templo, a morada - como diz o salmista - “onde habita a tua glória” (Sl 26,8). Envolve como um manto de luz (cf. Is 60,1) todo o povo eleito: o próprio Paulo é conhecedor de que “os israelitas possuem a adoção de filhos, a glória, a aliança... (Rm 9,4).

3. Esta glória divina que se manifesta de modo especial a Israel está presente em todo o universo, como o profeta Isaías ouviu proclamar aos serafins no momento da sua vocação: “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos! Toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6,3). Antes, o Senhor revela a todos os povos a sua glória, como se lê no Saltério: “Todos os povos contemplam a sua glória” (Sl 97,6). O acender da luz da glória é, portanto, universal, pelo que toda a humanidade pode descobrir a presença divina no cosmos.
Acima de tudo, em Cristo se realiza esta revelação porque ele é “irradiação da glória” divina (Hb 1,3). Antes de mais, é isso mesmo através das suas obras, como testemunha o evangelista João, perante o sinal de Caná:  Cristo “manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram nele” (Jo 2,11). Ele irradia a glória divina também através da sua palavra, que é palavra divina: “Eu dei-lhes a tua palavra”, diz Jesus ao Pai; “a glória que tu me deste, eu a dei a eles” (Jo 17,14.22). Mais radicalmente, Cristo manifesta a glória divina através da sua humanidade, assumida na Encarnação: “o Verbo fez-se carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).

4. A revelação terrena da glória divina atinge o seu ponto culminante na Páscoa que, sobretudo nos escritos joaninos e paulinos, é descrita como uma glorificação de Cristo à direita do Pai (cf. Jo 12,23; 13,31; 17,1; Fl 2,6-11; Cl 3,1; 1Tm 3,16). Ora, o mistério pascal, expressão da “perfeita glorificação de Deus” (SC 7), perpetua-se no sacrifício eucarístico, memorial da morte e da ressurreição confiado por Cristo à Igreja, sua esposa amada (cf. SC 47). Com o mandamento “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,19), Jesus assegura a presença da glória pascal através de todas as Celebrações Eucarísticas que marcarão o decurso da história humana. “Através da santa Eucaristia, o acontecimento da Páscoa de Cristo espalha-se a toda a Igreja (...). Com a comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo, os fiéis crescem na misteriosa divinização que, graças ao Espírito Santo, os faz habitar no Filho como filhos do Pai” (João Paulo II e Moran Mar Ignatius Zakka I Iwas, Declaração Comum 23.6.1984, n. 6:  EV 9, 842).

5. Não há dúvida de que temos a mais alta celebração da glória divina na Liturgia. “Dado que a morte de Cristo na Cruz e a sua Ressurreição constituem o conteúdo da vida quotidiana da Igreja e o penhor da sua Páscoa eterna, a Liturgia tem como função primária reconduzir-nos a trilhar infatigavelmente o caminho pascal aberto por Cristo, no qual se aceita morrer para entrar na vida” (Carta Apostólica Vicesimus quintus annus, 6). Ora, este dever exercita-se, antes de tudo, por meio da Celebração Eucarística, que torna presente a Páscoa de Cristo e comunica o seu dinamismo aos fiéis. Assim, o culto cristão é a expressão mais viva do encontro entre a glória divina e a glorificação que sai dos lábios e do coração do homem. À “glória do Senhor que enche a morada” do templo com a sua presença luminosa (cf. Ex 40,34) deve corresponder o nosso “glorificar o Senhor com espírito generoso” (Eclo 35,7).

6. Como nos recorda São Paulo, devemos também glorificar a Deus no nosso corpo, quer dizer, em todo o nosso ser, porque o nosso corpo é templo do Espírito que está em nós (cf. 1Cor 6,19.20). A esta luz, pode também falar-se de uma celebração cósmica da glória divina. O mundo criado, “tantas vezes desfigurado pelo egoísmo e pela cobiça”, tem em si uma “potencialidade eucarística”: “ele está destinado a ser assumido na Eucaristia do Senhor, na sua Páscoa presente no sacrifício do altar” (Orientale Lumen, 11). Ao elevar da glória do Senhor, que está “acima do céu” (Sl 113,4) e se irradia sobre o Universo, responderá então, como contraponto de harmonia, o coro de louvores da criação de forma a que “em tudo Deus seja glorificado por meio de Jesus Cristo, ao Qual pertencem a glória e o poder para sempre. Amém!” (1Pd 4,11).


Fonte: Santa Sé

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