quinta-feira, 25 de junho de 2020

III Catequese do Papa João Paulo II sobre a Eucaristia

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 11 de outubro de 2000
A Eucaristia é sacrifício de louvor

Queridos irmãos e irmãs,
1. “Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a Vós, Deus Pai onipotente, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória”. Esta proclamação de louvor trinitário conclui em toda a Celebração Eucarística a oração do Cânon. Com efeito, a Eucaristia é o perfeito “sacrifício de louvor”, a glorificação mais excelsa que da terra sobe ao céu, “fonte e centro de toda a vida cristã, na qual (os filhos de Deus) oferecem (ao Pai) a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela” (LG, 11). No Novo Testamento, a Carta aos Hebreus ensina-nos que a Liturgia cristã é oferecida por um “Sumo Sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos Céus”, que se realizou de uma vez para sempre um único sacrifício, “oferecendo-Se a Si mesmo” (cf. Hb 7,26-27). “Por meio d'Ele - diz a Carta - oferecemos, sem cessar, a Deus um sacrifício de louvor” (13, 15). Queremos hoje evocar brevemente os dois temas do sacrifício e do louvor que se encontram na Eucaristia, sacrificium laudis.

2. Na Eucaristia atualiza-se, antes de mais, o sacrifício de Cristo. Jesus está realmente presente sob as espécies do pão e do vinho, como Ele mesmo nos assegura: “Isto é o Meu corpo... Este é o Meu sangue” (Mt 26,26.28). Mas o Cristo presente na Eucaristia é o Cristo já glorificado, que na Sexta-Feira Santa Se ofereceu a Si mesmo na cruz. É o que sublinham as palavras por Ele pronunciadas sobre o cálice do vinho: “Este é o Meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos” (Mt 26,28; cfMc 14,24; Lc 22,20). Se estas palavras forem examinadas à luz da sua filigrana bíblica, afloram duas referências significativas. A primeira é constituída pela locução “sangue derramado” que, como afirma a linguagem bíblica (cf. Gn 9,6), é sinônimo de morte violenta. A segunda consiste na explicação “por muitos”, referente aos destinatários deste sangue derramado. A alusão aqui nos remete para um texto fundamental com vista na releitura cristã das Escrituras, o quarto cântico de Isaías: com o seu sacrifício, “ao entregar a sua vida à morte”, o Servo do Senhor “tomava sobre si os pecados de muitos” (Is 53,12; cf. Hb 9,28; 1Pd 2,24).

3. A mesma dimensão sacrifical e redentora da Eucaristia é expressa na Última Ceia pelas palavras de Jesus sobre o pão, tal como são referidas pela tradição de Lucas e de Paulo: “Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós” (Lc 22,19; cf. 1Cor 11,24). Também neste caso se verifica uma chamada à doação sacrifical do Servo do Senhor, segundo a passagem de Isaías (53,12), já evocada: “Ele próprio entregou a sua vida à morte... tomou sobre si os pecados de muitos e intercedeu pelos culpados”. “A Eucaristia é, acima de tudo, um Sacrifício: sacrifício da Redenção e, ao mesmo tempo, da nova Aliança, como nós acreditamos e as Igrejas do Oriente professam claramente: o sacrifício hodierno afirmou, há alguns séculos a Igreja grega (no Sínodo Constantinopolitano de 1156-57, contra Sotérico) é como aquele que um dia ofereceu o Unigênito Verbo Encarnado [de Deus]; e é (hoje como então) por Ele oferecido, sendo o mesmo e único Sacrifício” (Carta Apostólica Dominicae cenae, 9).

4. A Eucaristia, como sacrifício da nova Aliança, põe-se como desenvolvimento e cumprimento da aliança celebrada no Sinai, quando Moisés derramou metade do sangue das vítimas sacrificais sobre o altar, símbolo de Deus, e metade sobre a assembleia dos filhos de Israel (cf. Ex 24,5-8). Este “sangue da aliança” unia intimamente Deus e o homem num vínculo de solidariedade. Com a Eucaristia a intimidade torna-se total, o abraço entre Deus e o homem atinge o seu ápice. É a realização completa daquela “nova aliança” que Jeremias tinha predito (cf. Jr 31,31-34): um pacto no espírito e no coração, que a Carta aos Hebreus exalta precisamente partindo do oráculo do profeta, unindo-o ao sacrifício único e definitivo de Cristo (cf. Hb 10,14-17).

5. A esta altura, podemos ilustrar a outra afirmação: a Eucaristia é um sacrifício de louvor. Essencialmente orientado para a comunhão plena entre Deus e o homem, “o sacrifício eucarístico é a fonte e o centro de todo o culto da Igreja e de toda a vida cristã. Neste sacrifício de ação de graças, de propiciação, impetração e louvor os fiéis participam com maior plenitude, quando não só oferecem ao Pai com todo o coração, em união com o sacerdote, a vítima sagrada e, nela, a si mesmos, mas recebem também a própria vítima no sacramento” (Sagrada Congregação para os Ritos, Eucharisticum mysterium, 3 e).
Como diz o próprio termo na sua gênesis grega, a Eucaristia é “agradecimento”; nela o Filho de Deus une a Si a humanidade remida num cântico de ação de graças e de louvor. Recordamos que a palavra hebraica  todah, traduzida como “louvor”, significa também “agradecimento”. O sacrifício de louvor era um sacrifício de ação de graças (cf. Sl 49,14.23). Na Última Ceia, para instituir a Eucaristia, Jesus deu graças a seu Pai (cfMt 26,26-27 e paralelos); esta é a origem do nome deste sacramento.

6. “No Sacrifício eucarístico, toda a Criação amada por Deus é apresentada ao Pai, através da Morte e Ressurreição de Cristo” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1359). Unindo-se ao sacrifício de Cristo, a Igreja na Eucaristia dá voz ao louvor da inteira criação. A isto deve corresponder o empenho de cada um dos fiéis em oferecer a sua existência, o seu “corpo” como diz Paulo em “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1), numa comunhão plena com Cristo crucificado e ressuscitado por todos, e o discípulo é chamado a doar-se inteiramente a Ele.
Esta íntima comunhão de amor é decantada pelo poeta francês Paul Claudel, que põe nos lábios de Cristo estas palavras: “Vem comigo, onde Eu Estou, em ti mesmo, /e dar-te-ei a chave da existência. / Lá onde Eu Estou, lá eternamente / está o segredo da tua origem... / (...) Onde estão as tuas mãos, que não estejam as minhas? / E os teus pés, que não estejam pregados na mesma cruz? / Morri e ressuscitei uma vez por todas! Estamos muito próximos um do outro / (...) Como fazer para te separar de Mim / sem que tu Me dilaceres o coração?” (La Messe là-bas).


Fonte: Santa Sé

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