sexta-feira, 5 de junho de 2020

V Catequese do Papa sobre a oração

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 03 de junho de 2020
A oração (5): A oração de Abraão

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Há uma voz que repentinamente ressoa na vida de Abraão. Uma voz que o convida a tomar um caminho que parece absurdo: uma voz que o leva a desenraizar-se de sua pátria, das raízes de sua família, para ir em direção a um novo futuro, um futuro diferente. E tudo com base em uma promessa, na qual ele precisa apenas confiar. E confiar em uma promessa não é fácil, é preciso coragem. E Abraão confiou.
A Bíblia é silenciosa sobre o passado do primeiro patriarca. A lógica das coisas sugere que ele adorava outras divindades; talvez ele fosse um homem sábio, acostumado a examinar o céu e as estrelas. De fato, o Senhor promete a ele que seus descendentes serão tão numerosos quanto as estrelas que pontilham o céu.
E Abraão parte. Escuta a voz de Deus e confia em sua palavra. Isso é importante: ele confia na palavra de Deus. E com sua partida, nasce uma nova maneira de conceber o relacionamento com Deus; é por essa razão que o patriarca Abraão está presente nas grandes tradições espirituais judaicas, cristãs e islâmicas como o perfeito homem de Deus, capaz de se submeter a ele, mesmo quando sua vontade se mostra difícil, se não incompreensível.
Abraão é, portanto, o homem da Palavra. Quando Deus fala, o homem se torna o receptor dessa Palavra e de sua vida o lugar onde esta palavra pede para encarnar-se. Esta é uma grande novidade no caminho religioso do homem: a vida do crente começa a ser concebida como uma vocação, isto é, como um chamado, como um lugar onde uma promessa é cumprida; e ele se move no mundo não tanto sob o peso de um enigma, mas com a força dessa promessa, que um dia se tornará realidade. E Abraão creu na promessa de Deus. Acreditou e foi, sem saber para onde estava indo – assim diz a Carta aos Hebreus (cf. 11,8), mas ele confiou.
Lendo o livro de Gênesis, descobrimos como Abraão viveu a oração em contínua fidelidade àquela Palavra, que periodicamente aparecia ao longo de seu caminho. Em resumo, podemos dizer que na vida de Abraão a fé se torna história. A fé se faz história. De fato, Abraão, com sua vida, com seu exemplo, nos ensina esse caminho, essa estrada sobre a qual a fé se faz história. Deus não é mais visto apenas nos fenômenos cósmicos, como um Deus distante, que pode incutir terror. O Deus de Abraão se torna “meu Deus”, o Deus da minha história pessoal, que guia meus passos, que não me abandona; o Deus dos meus dias, o companheiro das minhas aventuras; o Deus Providência. Eu me pergunto e pergunto a vocês: temos essa experiência de Deus? “Meu Deus”, o Deus que me acompanha, o Deus da minha história pessoal, o Deus que guia meus passos, quem não me abandona, o Deus dos meus dias? Temos essa experiência? Pensemos um pouco nisso.
Essa experiência de Abraão também é testemunhada por um dos textos mais originais da história da espiritualidade: o Memorial de Blaise Pascal. Começa assim: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não de filósofos e sábios. Certeza, certeza. Sentimento. Alegria. Paz. Deus de Jesus Cristo”. Este memorial, escrito em um pequeno pergaminho, e encontrado após sua morte costurado dentro de uma roupa do filósofo, não expressa uma reflexão intelectual de que um homem sábio como ele possa conceber Deus, mas o sentido vivido e experimentado de seu presença. Pascal anota por fim, o momento exato em que sentiu essa realidade, tendo-a finalmente encontrando: a noite de 23 de novembro de 1654. Não é o Deus abstrato ou o Deus cósmico, não. Ele é o Deus de uma pessoa, de um chamado, o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus que é certeza, que é sentimento, que é alegria.
“A oração de Abraão é expressa, antes de tudo, por ações: homem de silêncio, em todas as etapas edifica um altar ao Senhor” (Catecismo da Igreja Católica, 2570). Abraão não constrói um templo, mas espalha o caminho de pedras que lembram o trânsito de Deus, um Deus surpreendente, como quando o visita na figura de três convidados, a quem ele e Sara acolhem e que anunciam o nascimento de seu filho Isaac. (cf. Gn 18,1-15). Abraão tinha cem anos e sua esposa noventa, mais ou menos. E eles creram, confiaram em Deus, e Sara, sua esposa, concebeu. Nessa idade! Este é o Deus de Abraão, nosso Deus, que nos acompanha.
Assim, Abraão se familiariza com Deus, também capaz de discutir com ele, mas sempre fiel. Fala com Deus e discute. Até o teste final, quando Deus pede que ele sacrifique seu próprio filho Isaac, o filho da velhice, o único herdeiro. Aqui Abraão vive a fé como um drama, como um caminhar tateando a noite, sob um céu desta vez sem estrelas. E muitas vezes acontece conosco também andar no escuro, mas com fé. O próprio Deus segurará a mão de Abraão já pronta para golpear, porque viu sua disponibilidade verdadeira total (cf. Gn 22,1-19).
Irmãos e irmãs, aprendamos com Abraão, aprendamos a orar com fé: ouvir o Senhor, caminhar, dialogar até discutir. Não tenhamos medo de discutir com Deus! Direi também algo que parece uma heresia. Muitas vezes ouvi pessoas me dizendo: “Sabe, isso aconteceu comigo e fiquei com raiva de Deus” – “Você teve coragem de ficar com raiva de Deus?” – “Sim, fiquei com raiva” – “Mas esta é uma forma de oração”. Porque apenas uma criança é capaz de ficar com raiva de seu pai e depois reencontrá-lo. Aprendamos com Abraão a orar com fé, dialogar, discutir, mas sempre dispostos a aceitar a palavra de Deus e colocá-la em prática. Com Deus, aprendemos a falar como um filho com o pai: ouvi-lo, responder, discutir. Mas transparente, como um filho com o pai. Assim, Abraão nos ensina a orar. Obrigado.


Fonte: Canção Nova

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