sábado, 6 de junho de 2020

Homilia: Santíssima Trindade - Ano A

Santo Hilário de Poitiers
Tratado sobre a Trindade
Bendito seja Deus pelos séculos dos séculos

Segundo meu critério, não é suficiente afirmar, na confissão de minha fé, que o Senhor Jesus Cristo, meu Deus e teu Unigênito, não é uma simples criatura; nem suporto que se empregue tal expressão ao referir-se ao teu Santo Espírito, que procede de ti e é enviado por meio dele. Eu sinto uma grande veneração pelas coisas concernentes a ti. Sabendo que somente tu és o Ingênito e que o Unigênito nasceu de ti, não me ocorrerá, contudo, dizer que o Espírito Santo foi gerado, nem jamais afirmarei que foi criado. Temo que desta maneira de falar, que me é comum com o resto de teus representantes, pudesse derivar-se para ti até mesmo certas mal dissimuladas injúrias. Segundo o Apóstolo, teu Espírito perscruta e conhece tuas profundezas, e teu advogado em meu favor te diz coisas que eu jamais seria capaz de dizer. E eu, para a potência de sua natureza permanente que procede de ti através de teu Unigênito, não somente a chamarei, ainda a difamarei chamando-a “criada”? Nada, a não ser algo que te pertença, pode penetrar a tua intimidade: nem o abismo de tua imensa majestade pode ser medido por força alguma que te seja estranha ou alheia. Tudo o que está em ti é teu: nem pode te ser alheio o que é capaz de sondar-te.
Para mim é inenarrável aquele que te diz, em meu favor, palavras que eu não posso expressar. Pois, assim como na geração de teu Unigênito, antes de todos os tempos, fica suspensa toda ambiguidade de expressão e toda a dificuldade de compreensão, e resta unicamente o que foi gerado por ti, assim também, mesmo quando não chegue a perceber com os sentidos a processão de teu Espírito Santo de ti através dele, o percebo, contudo, com a minha consciência.
Na realidade, nas coisas espirituais sou tardo de compreensão, como afirma o teu Unigênito: Não estranhes que eu tenha dito: Tereis que nascer de novo; o vento sopra onde quer e ouves seu ruído, porém não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do Espírito. Tendo obtido a fé de minha regeneração, não a entendo: e já possuo o que ignoro. Renasço sem senti-lo, somente com a virtualidade de renascer. Ao Espírito não se lhe pode canalizar: fala quando quer, o que quer e onde quer. Se, pois, desconheço o motivo de suas idas e vindas, mesmo sendo consciente de sua presença, como poderia colocar sua natureza entre as coisas criadas e limitá-la pretendendo definir sua origem? Tudo se fez pelo Filho, que no princípio estava junto a ti, ó Deus: e a Palavra era Deus, como disse teu evangelista João. E Paulo enumera todas as coisas criadas por meio dele: celestes e terrestres, visíveis e invisíveis. E enquanto recorda que tudo foi criado em Cristo e por Cristo, do Espírito Santo julgou suficiente indicar que é teu Espírito.
Abrigando, como abrigo, os mesmos sentimentos em tais matérias que estes santos varões expressamente eleitos por ti, de maneira que não me atreverei a afirmar de teu Unigênito nada que, segundo o seu critério, supere o nível de minha própria compreensão, exceto que nasceu; de idêntico modo tampouco direi de teu Espírito Santo nada que, segundo eles, ultrapasse as possibilidades da inteligência humana, exceto que é teu Espírito. Nem quero perder-me em uma inútil luta de palavras, mas manter-me, antes, na perene profissão de uma fé inquebrantável.
Conserva, eu te rogo, esta norma incontaminada de minha fé e, até meu derradeiro alento, concede esta voz à minha consciência, para que eu me mantenha sempre fiel ao que professei no símbolo de meu novo nascimento, quando fui batizado no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a saber: que possa sempre te adorar, Pai nosso, junto com teu Filho, e mereça ao teu Espírito Santo, que procede de ti através de teu Unigênito. Porque, para mim, meu Senhor Jesus Cristo é idônea testemunha para crer, ele que disse: Pai, tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu; ele que permanece sempre Deus em ti, de ti e junto de ti. Bendito seja pelos séculos dos séculos. Amém.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 261-263. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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