quinta-feira, 18 de junho de 2020

II Catequese do Papa João Paulo II sobre a Eucaristia

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 04 de outubro de 2000
A Eucaristia, memorial das maravilhas de Deus

Caríssimos irmãos e irmãs:
1. Entre os múltiplos aspectos da Eucaristia ressalta o do “memorial”, que está relacionado com um tema bíblico de primeira importância. Lemos, por exemplo, no livro do Êxodo: “Deus recordou-se da Sua aliança com Abraão e Jacó! (2,24). No Deuteronômio, ao invés, diz-se: “Lembra-te do Senhor, teu Deus” (8,18). “Recorda-te daquilo que o Senhor, teu Deus, fez...” (7,18). Na Bíblia, a recordação de Deus e a lembrança do homem entrelaçam-se e constituem uma componente fundamental na vida do povo de Deus. Porém, não se trata da mera comemoração de um passado já extinto, mas sim de um zikkarôn, isto é, de um “memorial”. “Não é somente a lembrança dos acontecimentos do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus fez por amor dos homens. Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tornam-se de certo modo presentes e atuais” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1363). O memorial lembra um laço de aliança que jamais cessa: “O Senhor se lembre de nós e nos abençoe” (Sl 115,12).
Por conseguinte, a fé bíblica implica a recordação eficaz das maravilhosas obras da salvação. Elas são professadas no “Grande Hallel”, o Salmo 136, que depois de ter proclamado a criação e a salvação oferecida a Israel no êxodo conclui:  “Ele lembrou-se de nós na nossa humilhação, porque o seu amor é para sempre (...) Ele livrou-nos (...) dá o pão a todo o ser vivo, porque o seu amor é para sempre” (Sl 136,23-25). Encontraremos palavras semelhantes no Evangelho, nos lábios de Maria e de Zacarias: “Ele socorre Israel, Seu servo, lembrando-Se da Sua misericórdia (...) e recordando-Se da Sua santa aliança” (Lc 1,54.72).

2. No Antigo Testamento, o “memorial” por excelência das obras de Deus na história era a Liturgia pascal do Êxodo: cada vez que o povo de Israel celebrava a Páscoa, Deus oferecia-lhe, de modo eficaz, o dom da liberdade e da salvação. Portanto, no rito pascal cruzavam-se as duas recordações, a divina e a humana, isto é, a graça salvífica e a fé reconhecida: “Este dia será para vós um memorial; celebrai-o como festa do Senhor (...) Isto servirá como sinal no braço e faixa na fronte, para que tenhas na tua boca a lei do Senhor que te tirou do Egito com mão forte” (Ex 12,14; 13,9). Em virtude deste acontecimento, como afirmava um filósofo judeu, Israel será sempre “uma comunidade assente na recordação” (M. Buber).

3. O laço entre a recordação de Deus e a lembrança do homem está também no centro da Eucaristia, que é o “memorial” por excelência da Páscoa cristã. A “anamnese”, isto é, o ato de recordar, é efetivamente o coração da celebração; o sacrifício de Cristo, acontecimento único, realizado ef'hapax, isto é, “de uma vez para sempre” (Hb 7,27; 9,12.26; 10,12), difunde a sua presença salvífica no tempo e no espaço da história humana. Isto é expresso no imperativo final que Lucas e Paulo relatam na narração da Última Ceia: “Isto é o Meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim... Este cálice é a Nova Aliança no Meu sangue; todas as vezes que beberdes dele, fazei-o em memória de Mim” (1Cor 11,24-25; cf. Lc 22,19). O passado do “corpo dado por nós” na cruz apresenta-se vivo ainda hoje e, como declara Paulo, abre-se ao futuro da redenção final: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,26). A Eucaristia é, pois, memorial da morte de Cristo, mas também presença do seu sacrifício e antecipação da sua vinda gloriosa. É o sacramento da contínua proximidade salvadora do Senhor ressuscitado na história.
Assim, compreende-se a exortação de Paulo a Timóteo: “Lembra-te de que Jesus Cristo, descendente de Davi, ressuscitou dos mortos” (2Tm 2,8). Esta recordação vive e atua de maneira especial na Eucaristia.

4. O evangelista João explica-nos o sentido profundo da “recordação” das palavras e dos acontecimentos de Cristo. Perante o gesto de Jesus que purifica o templo dos mercadores e anuncia que este será destruído e de novo levantado em três dias, ele faz notar: “Quando Ele ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que Jesus tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus” (Jo 2,22). Esta memória que gera e alimenta a fé é obra do Espírito Santo “que o Pai enviará em nome” de Cristo: “Ele ensinar-vos-á todas as coisas e vos fará recordar tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,26). É, portanto, uma recordação eficaz: a interior, que conduz à compreensão da Palavra de Deus, e a sacramental, que se realiza na Eucaristia. São as duas realidades da salvação, que Lucas uniu na esplêndida narração dos discípulos de Emaús, feita claramente pela explicação das Escrituras e do “partir o pão” (cf. Lc 24,13-35).

5. Portanto, “recordar" é “trazer de novo ao coração” com a memória e o afeto, mas também celebrar uma presença. “A Eucaristia, verdadeiro memorial do mistério pascal de Cristo, é capaz de manter viva em nós a memória do seu amor. Por isso, ela é o segredo da vigilância da Igreja: diversamente, sem a eficácia desta lembrança contínua e dulcíssima, e sem a força penetrante deste olhar do seu Esposo fixo sobre ela, ser-lhe-ia muito fácil cair no esquecimento, na insensibilidade e na infidelidade” (Carta Apostólica Patres Ecclesiae, III:  Ench. Vat., 7, 33). Esta exortação à vigilância torna as nossas Liturgias Eucarísticas abertas à vinda do Senhor na plenitude, à manifestação da Jerusalém celeste. Na Eucaristia, o cristão alimenta a esperança do encontro definitivo com o seu Senhor.


Fonte: Santa Sé

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