segunda-feira, 25 de maio de 2020

Jubileu dos Cientistas no ano 2000

No dia 25 de maio do ano 2000, o Cardeal Paul Poupard, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, presidiu a Santa Missa na Basílica de São Pedro por ocasião do Jubileu dos Cientistas no Ano Santo.

No final da Missa o Papa João Paulo II foi até a Basílica e proferiu o seguinte discurso:

Jubileu dos Cientistas
Discurso do Papa João Paulo II
 25 de maio de 2000
  
Senhores Cardeais,
Amados irmãos no episcopado e no sacerdócio,
Caros Amigos que representais o mundo da ciência e da investigação!
1. Acolho-vos com profunda alegria por ocasião da vossa peregrinação jubilar. Agradeço ao Cardeal Paul Poupard, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, as palavras de boas-vindas e a organização deste Jubileu, com todos os seus colaboradores. Exprimo a minha viva gratidão ao Professor Nicola Cabibbo, Presidente da Pontifícia Academia das Ciências, a homenagem que acabou de me dirigir em nome de todos vós.
No decurso dos séculos passados, a ciência, cujas descobertas são fascinantes, ocupou um lugar determinante e às vezes foi considerada como o único critério da verdade ou como a via da felicidade. Uma reflexão baseada exclusivamente em elementos científicos tentara habituar-nos a uma cultura da suspeita e da dúvida. Ela recusava-se a considerar a existência de Deus e a examinar o homem no mistério da sua origem e do seu fim, como se tal perspectiva pudesse pôr em discussão a própria ciência. Às vezes ela pensou que Deus fosse uma simples construção da mente, incapaz de resistir ao conhecimento científico. Semelhantes atitudes levaram a afastar a ciência do homem e do serviço que é chamada a prestar-lhe.

2. Hoje, “um grande desafio... é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do fenômeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na experiência; mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a sustenta” (Encíclica Fides et ratio, 81). A investigação científica baseia-se, também ela, nas capacidades de a mente humana descobrir aquilo que é universal. Esta abertura ao conhecimento introduz no significado último e fundamental da pessoa humana no mundo (cf. ibid.).
“Os céus narram a glória de Deus, e a obra das suas mãos anuncia o firmamento” (Sl 18,2); por outras palavras, o salmista evoca o “testemunho silencioso” da admirável obra do Criador, inscrita na própria realidade da criação. Aqueles que estão empenhados na investigação são chamados a fazer, num certo sentido, a mesma experiência do salmista e a procurar a mesma maravilha. “É necessário cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a capacidade de admirar, intuir, contemplar, formar um juízo pessoal e cultivar o sentido religioso, moral e social” (Gaudium et spes, 59).

3. Ao basearem-se numa atenta observação da complexidade dos fenômenos terrestres e ao seguiram o objeto e o método próprios de cada disciplina, os cientistas descobrem as leis que governam o universo e também as suas relações. Ficam atônitos e humildes diante da ordem criada e sentem-se atraídos pelo amor do Autor de todas as coisas. A fé, por sua vez, é capaz de integrar e assimilar toda a investigação, porque todas as pesquisas, através duma compreensão mais profunda da realidade criada em toda a sua especificidade, dão ao homem a possibilidade de descobrir o Criador, fonte e finalidade de todas as coisas. “As Suas perfeições invisíveis, tanto o Seu poder eterno como a Sua divindade, tornam-se visíveis quando as Suas obras são consideradas pela inteligência” (Rm 1,20).
Ao aprofundar o seu conhecimento do universo, e em particular do ser humano, que é o seu centro, o homem tem uma percepção velada da presença de Deus, uma presença que ele é capaz de discernir no “manuscrito silencioso” que o Criador inscreveu na criação, reflexo da sua glória e grandeza.
Deus gosta de ser ouvido no silêncio da criação, na qual a inteligência percebe a transcendência do Senhor da criação. Todos os que procuram compreender os segredos da criação e os mistérios do homem devem estar prontos a abrir a própria mente e o seu coração à verdade profunda que ali se manifesta e que “leva o intelecto a dar o próprio consenso” (Santo Alberto Magno, Comentário sobre João 6, 44).

4. A Igreja tem grande estima pela investigação científica e técnica, pois estas “constituem uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2293) e um serviço à verdade, ao bem e à beleza. De Copérnico a Mendel, de Alberto Magno a Pascal, de Galileu a Marconi, a história da Igreja e a história das ciências mostram-nos de maneira clara como há uma cultura científica arraigada no cristianismo. De fato, pode-se dizer que a investigação, explorando ao mesmo tempo aquilo que é maior e o que é mais pequenino, contribui para a glória de Deus que se reflete em toda a parte do universo.
A fé não teme a razão. Estas “constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si mesmo” (Fides et ratio, Proêmio). Se no passado a separação entre fé e razão foi um drama para o homem, que conheceu o risco de perder a sua unidade interior sob a ameaça de um saber cada vez mais fragmentado, a vossa missão consiste hoje em prosseguir a investigação convencidos de que, “para o homem inteligente [...] todas as coisas se harmonizam e concordam” (Gregório Palamas, Theophanes).
Convido-vos, então, a pedir ao Senhor que vos conceda o dom do Espírito Santo, pois amar a verdade é viver do Espírito Santo (cf. Santo Agostinho, Sermo, 267, 4), que nos permite aproximar-nos de Deus e em voz alta chamar-Lhe Abbá, Pai. Que nada vos impeça de invocá-Lo deste modo, ainda que submergidos no rigor das vossas análises sobre as coisas que Ele pôs diante dos nossos olhos.

5. Caros cientistas, grande é a responsabilidade a que sois chamados. A vós é pedido que atueis ao serviço do bem de cada pessoa e da inteira humanidade, atentos sempre à dignidade de todo o ser humano e ao respeito pela criação. Toda a abordagem científica tem necessidade dum apoio ético e duma sábia abertura a uma cultura respeitosa das exigências da pessoa. Precisamente isto é sublinhado pelo escritor Jean Guitton, quando afirma que na investigação científica jamais se deveria separar o aspecto espiritual do intelectual (cf. Le travail intellectuel. Conseil à ceux qui étudient et à ceux qui écrivent, 1951, p. 29). Além disso, ele recorda que, por essa razão, a ciência e a técnica necessitam dum apelo ao valor da interioridade da pessoa humana.
Dirijo-me com confiança a vós, homens e mulheres que vos encontrais nas trincheiras da investigação e do progresso! Ao perscrutardes constantemente os mistérios do mundo, deixai abertos os vossos espíritos aos horizontes que a fé vos abre de par em par. Firmemente ancorados nos princípios e valores fundamentais do vosso itinerário de homens de ciência e de fé, podeis estabelecer um diálogo profícuo e construtivo, também com quem está afastado de Cristo e da sua Igreja. Sede, portanto, antes de tudo apaixonados pesquisadores do Deus invisível, o único que pode satisfazer o anseio profundo da vossa vida, cumulando-vos com a sua graça.

6. Homens e mulheres de ciência, animados pelo desejo de testemunhar a vossa fidelidade a Cristo! O rico panorama da cultura contemporânea, no alvorecer do terceiro milênio, abre inéditas e promissoras perspectivas no diálogo entre a ciência e a fé, assim como entre a filosofia e a teologia. Participai com toda a vossa energia na elaboração duma cultura e dum projeto científico que deixem sempre transparecer a presença e a intervenção providencial de Deus.
Este Jubileu dos Cientistas constitui, quanto a isto, um encorajamento e um apoio para quantos procuram a verdade com sinceridade: confirma que se pode ser um pesquisador rigoroso em todos os campos do saber e um fiel discípulo do Evangelho. Como não recordar aqui o empenho espiritual de tantas pessoas quotidianamente dedicadas ao fatigante trabalho científico? Através de vós aqui presentes, quereria fazer chegar a minha saudação e o meu mais cordial encorajamento a cada uma delas.
Homens de ciência, sede construtores de esperança para a humanidade inteira! Deus vos acompanhe e torne frutuoso o vosso esforço ao serviço do autêntico progresso do homem.
Proteja-vos Maria, Sede da Sabedoria. Intercedam por vós Santo Tomás de Aquino e os outros Santos e Santas que, em vários campos do saber, ofereceram um notável contributo ao aprofundamento do conhecimento das realidades criadas à luz do mistério divino.
Da minha parte, acompanho-vos com atenção constante e amizade cordial. Asseguro-vos uma quotidiana lembrança na oração e abençoo-vos de coração, a vós, às vossas famílias e a quantos, de vários modos, cooperam com sincera e constante dedicação no progresso científico da humanidade.


Fonte: Santa Sé

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