quarta-feira, 6 de maio de 2020

A Comemoração das Testemunhas da fé do século XX: Rito

O caráter ecumênico do Grande Jubileu foi marcado primeiramente pela Abertura da Porta Santa da Basílica de São Paulo fora dos muros no início da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18 de janeiro).

Não obstante, outro grande momento ecumênico durante o Jubileu foi a Comemoração das Testemunhas da fé do século XX, presidida pelo Papa São João Paulo II junto ao Coliseu romano no dia 07 de maio do ano 2000, III Domingo da Páscoa.


A celebração foi precedida pelo trabalho de um grupo de estudos que se reuniu na Basílica de São Bartolomeu all’Isola para pesquisar os mártires do século XX. A partir de então esta igreja tornou-se o “santuário dos mártires dos novos tempos”. Tanto Bento XVI quanto o Papa Francisco presidiram celebrações em honra dos novos mártires na Basílica, sempre no Tempo Pascal.

A escolha deste tempo para a celebração destaca seu caráter cristocêntrico. Na Páscoa a Igreja lê o Livro do Apocalipse, que proclama Jesus Cristo como a “Testemunha fiel do Pai” (Ap 1,5). É em torno d’Ele que se reúne a “grande nuvem de testemunhas” (Hb 12,1) que “lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14).

Esta “nuvem de testemunhas” congrega cristãos de todas as Igrejas e Comunidades Eclesiais, o que justifica o caráter ecumênico da celebração. Já na Carta Tertio millennio adveniente (n. 37) o Papa João Paulo II falava do “ecumenismo dos mártires” como o mais eloquente caminho para o diálogo.

1. Ritos iniciais

A celebração teve início dentro do Coliseu, onde se reuniram o Santo Padre e os representantes das outras Igrejas e Comunidades Eclesiais.
Para saber mais sobre o Coliseu romano, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa.

O Papa iniciou a celebração com o sinal da cruz e a saudação, seguidas por uma invocação de louvor à Trindade proferida por alguns representantes das Igrejas com textos selecionados do Livro do Apocalipse (Ap 4,11; 5,12; 5,9-10; 5,13). A assembleia respondeu a cada invocação cantando: Amém. Aleluia.

Ao convite do diácono teve início a procissão de entrada até o local da celebração diante do Coliseu, enquanto se entoava o “Hino a Cristo, Senhor dos milênios”. A procissão, guiada pela cruz e pelo Livro dos Evangelhos, simbolizou o desejo das Igrejas de caminharem juntas no seguimento a Cristo.


Chegando ao local da celebração, o diácono ortodoxo depositou o Livro dos Evangelhos sobre um pedestal preparado no centro do palco e os dois diáconos, o romano e o ortodoxo, o incensaram. Os ritos iniciais se concluíram com uma monição do Santo Padre e uma oração:

Pai onipotente e eterno, nós te rendemos graças porque sempre, com o teu Santo Espírito, acompanhas os fiéis em Cristo que estão no mundo: a sua fidelidade até a morte, a sua esperança na vida eterna e a sua caridade para contigo e para com os irmãos nos impulsione a sermos tuas autênticas testemunhas em plena comunhão. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.

Início da celebração dentro do Coliseu

2. Liturgia da Palavra

A Liturgia da Palavra foi composta pelas seguintes leituras:
1ª leitura: 1Pd 1,3-9.13-21
Cântico: Ap 19,1-7 (R. Aleluia, aleluia, aleluia).
2ª leitura: Hb 12,1-6.18-19a.22-24
Aclamação ao Evangelho: Jo 12,24-25
Evangelho: Mt 5,1-12

O Evangelho das bem-aventuranças foi proclamado pelos dois diáconos, ocidental e oriental, para destacar a universalidade da mensagem evangélica. Em seguida o coro entoou o antiquíssimo hino “Phos hilaron” em honra a Cristo luz, que faz parte das Vésperas (oração da tarde) das Igrejas Orientais. Após o canto, o Santo Padre proferiu sua homilia.


3. Profissão de fé, testemunhos e orações

Terminada a homilia, os dois diáconos convidaram ao abraço da paz, acompanhado do canto do hino “Ubi caritas”.


Seguiu-se a profissão de fé (Símbolo Apostólico), proferido por três representantes das Igrejas e intercalado pela resposta da assembleia: Credimus, Domine. Amen (Cremos, Senhor. Amém).

Depois da profissão de fé teve lugar a comemoração propriamente dita das testemunhas da fé do século XX, reunidas em oito grupos inspirados nas bem-aventuranças, conforme a seguinte estrutura:
- Leitura de dois testemunhos;
- Oferta do incenso, símbolo da oração dos santos (Ap 5,8), em um braseiro diante do Evangeliário;
- Oração em diversas línguas;
- Iluminação de uma lâmpada diante do Crucifixo ao centro do palco;
- Aclamação da assembleia: Kyrie eleison.
Após algumas comemorações um coro executou um canto próprio da sua tradição.

A série de comemorações foi precedida por uma monição do Santo Padre:

Irmãos e irmãs, uma nuvem de testemunhas nos circunda. Diante de Deus e do Cordeiro imolado e glorioso, na graça do Espírito Santo, façamos memória, na presença da Igreja e do mundo, das testemunhas da fé do século XX, dos muitos soldados desconhecidos pela grande causa do Evangelho. Com gratidão e esperança, com o coração que recorda e perdoa, ouçamos a narração dos gestos de amor e de sofrimento de alguns dos nossos irmãos e irmãs na fé. São homens e mulheres de todas as terras e de todos os povos; são fiéis de todas as Igrejas e Comunidades Eclesiais. Representam todas as idades, todas as vocações. Ouçamos e recordemos, a fim de que não se apague da nossa memória o testemunho corajoso da sua fé e do seu amor.


1. Cristãos que testemunharam a fé sob o totalitarismo soviético

Testemunhos: Patriarca Tikhon da Igreja Ortodoxa Russa e Olga Jafa, testemunha do gulag de Solovki.

Oração (Ucraniano)
Recorda-te, Pai misericordioso, de todos aqueles que testemunharam a sua fé nas prisões, nos campos de concentração e nos gulags. É uma multidão imensa e desconhecida, que ninguém pode contar: metropolitas e bispos, sacerdotes e diáconos, monges e monjas, pastores, leigos, homens e mulheres de fé inabalável na ressurreição de Cristo. Eles conheceram a bem-aventurança da aflição e foram sustentados pela tua consolação. Recorda-te, Pai, de tudo e de todos.

2. Testemunhas da fé, vítimas do comunismo em outras nações da Europa

Testemunhos: Dom Joan Suciu, Bispo greco-católico romeno, e Padre Anton Luli, jesuíta albanês.

Oração (Búlgaro)
Recorda-te, Deus que ama a vida, de todos os nossos irmãos e irmãs, ortodoxos, católicos, protestantes, que em muitas nações da Europa sofreram sob o comunismo, com paciência e até o heroísmo, a perseguição, a prisão, a tortura, o desprezo e a morte, pela causa do Evangelho e pela fidelidade à sua tradição cristã, rezando frequentemente por seus perseguidores; eles conheceram a bem-aventurança da tua pobreza e por isto são dignos do teu Reino. Seja bendita a sua memória agora e sempre.

O coro ucraniano executou um canto da tradição litúrgico-pascal eslava.

3. Confessores da fé, vítimas do nazismo e do fascismo

Testemunhos: Paul Schneider, pastor luterano, no campo de concentração de Buchenwald, e Dom Ignacy Jez, sacerdote polonês, no campo de concentração de Dachau.

Oração (Tcheco)
Recorda-te, Deus das trevas da Sexta-feira Santa, Deus do imenso silêncio do Sábado Santo, mas também Deus da alegre aurora da ressurreição, recorda-te de todos os cristãos vítimas do nazismo: católicos, protestantes, ortodoxos e também irmãos e irmãs da primeira Aliança e de outras religiões; eles sofreram a fadiga dos trabalhos forçados, a humilhação da sua dignidade humana, a fome e a sede, a aniquilação da memória até a sua destruição nas câmaras de gás e nos fornos crematórios; mas testemunharam a bem-aventurança e a força da mansidão evangélica; não se renderam ao poder das trevas mas, resistindo ao mal, confessaram a força do Deus da vida. Seja viva junto de ti e em nós a memória dos teus justos.

O coro da Igreja Evangélica Luterana executou um canto.

4. Seguidores de Cristo que deram a vida pelo anúncio do Evangelho na Ásia e na Oceania

Testemunhos: Margherita Chou, católica chinesa, e Philip Strong, “Bispo” anglicano de Papua Nova Guiné.

Oração (Vietnamita)
Recorda-te, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, de todos aqueles que não apenas creram no Evangelho, mas deram a vida pelo Evangelho que pregavam na Ásia e na Oceania: pastores e fiéis, religiosos e religiosas, catequistas e leigos, mães e pais de família, muitas vezes unidos no sofrimento por um novo vínculo de comunhão e de fraternidade, prontos a dar a vida uns pelos outros; eles mostraram a força e a beleza da bem-aventurança dos promotores da paz e serão chamados filhos de Deus. Seus nomes sejam escritos no céu.

O coro filipino executou um canto.


5. Fiéis de Cristo perseguidos por ódio à fé católica

Testemunhos: Manuel de Irujo, Ministro da Justiça espanhol, e Dom José de Jesús Manríquez y Zárate, Bispo mexicano.

Oração (Espanhol)
Recorda-te, Pai santo e fiel, da multidão imensa dos teus filhos e das tuas filhas que sofreram a perseguição mesmo em nações de tradição católica; eles não renegaram a fé do seu batismo e de diversos modos confessaram o nome de Cristo Rei e Senhor; experimentaram a bem-aventurança daqueles que são perseguidos por causa da justiça e permaneceram fiéis até o fim. Possam receber de ti a coroa da glória.

6. Testemunhas da evangelização na África e Madagascar

Testemunhos: Jolique Rusimbamigera, seminarista burundês, e W. G. R. Jotcham, médico missionário batista morto na Nigéria.

Oração (Swahili)
Recorda-te, Pai do céu e da terra, de todos os cristãos - católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes - que anunciaram o Evangelho da verdade e da vida nas terras generosas das antigas e das jovens igrejas na África e em Madagascar. Eles semearam com fadiga a Palavra da vida e a irrigaram com o seu sangue, depois de tê-la vivido no início e no desenvolvimento da evangelização; foram testemunhas da bem-aventurança dos misericordiosos, e rezaram e ofereceram a vida pelos seus amigos e seus perseguidores. Eterna memória a estes antepassados na fé.

O coro africano executou um canto.

7. Cristãos que deram a vida por amor a Cristo e aos irmãos na América

Testemunhos: Dom Alejandro Labaka, Bispo missionário no Equador, e Dom Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, Bispo na Colômbia.

Oração (Português)
Recorda-te, Pai dos pobres e dos marginalizados, de quantos testemunharam a verdade e a caridade do Evangelho na América até o dom da própria vida: pastores zelosos, sacerdotes generosos, catequistas corajosos, religiosos e religiosas fiéis à sua consagração, leigos comprometidos no serviço da paz e da justiça, testemunhas da fraternidade sem fronteiras; eles fizeram resplandecer a bem-aventurança dos famintos e dos sedentos da justiça de Deus. Sejam saciados com a visão da tua face e sejam para nós testemunhas da esperança.

8. Testemunhas da fé em várias partes do mundo

Testemunhos: Dom Christian de Chergé, monge trapista na Argélia, e Karekin I, Catholicos dos Armênios.

Oração (Armênio)
Recorda-te, Deus de nossos Pais na fé, de todos os teus filhos que deram testemunho da cruz gloriosa de Cristo em meio a povos mais fortes e numerosos, até o dom da vida: irmãos e irmãs das antigas Igrejas do Oriente - armênios, sírios, coptas, etíopes e eritreus, maronitas - e de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, testemunhas mansas e silenciosas do Reino nas nações do médio e do extremo Oriente e vítimas da intolerância e do integralismo religioso; eles fizeram resplandecer a bem-aventurança dos puros de coração. Sejam acolhidos no teu Reino, permaneça intacta a sua memória.

O coro armênio executou um canto.

A série das comemorações foi concluída com uma memória coletiva de todas as testemunhas da fé do século XX através da oração proferida pelo Santo Padre:

Recorda-te, Senhor, de tudo e de todos. Sejam acolhidos pela tua infinita misericórdia todos os justos que em paz contigo chegaram à tua presença como testemunhas corajosas da fé. Só tu, que é o Pai de todos, conheceste a sua honestidade, a bondade do seu ânimo, os seus sofrimentos, a sua coerência religiosa até o fim. Estejam junto a ti, com todos os justos, em eterna memória. E acolhe no teu infinito perdão misericordioso também todos os perseguidores.

Seguiu-se o canto do Pai-nosso, após o qual o Papa recitou uma oração final:

Ó Pai, que na gloriosa morte do teu Filho, vítima de expiação pelos nossos pecados, puseste o fundamento da reconciliação e da paz, concede à tua Igreja que faz memória das testemunhas da fé do século XX brilhar diante do mundo com a luz das bem-aventuranças, e a todos os fiéis ser testemunhas de uma humanidade nova, purificada pelo sangue do Cordeiro e unida pelo teu Espírito de amor. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.

A celebração concluiu-se então com uma exortação final do Santo Padre a manter viva a memória das testemunhas da fé em todas as Igrejas, a bênção e a despedida.

Ícone dos novos mártires do século XX

Fonte: Commemorazione Ecumenica dei Testimoni della Fede del Secolo XX: Presentazione / Preparazione.

No vídeo a seguir, divulgado pela Basílica de São Bartolomeu, é possível ver alguns momentos da celebração:


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