Dando início ao itinerário rumo à JMJ 2023 em Lisboa (inicialmente prevista para 2022 e adiada devido à pandemia), que terá como tema “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1,39), confira a Mensagem do Papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude 2020, a ser celebrada a nível diocesano no Domingo de Ramos, com o tema “Jovem, Eu te digo, levanta-te!” (cf. Lc 7,14):
Papa Francisco
Mensagem para a XXXV Jornada Mundial da Juventude
Domingo de Ramos, 05 de abril de 2020
«Jovem, Eu te digo, levanta-te!» (cf. Lc 7,14)
Queridos jovens,
No mês de outubro de 2018,
através do Sínodo dos Bispos dedicado ao tema Os jovens, a fé e o discernimento vocacional,
a Igreja lançou um processo de reflexão sobre a vossa condição no mundo atual,
a vossa busca de um sentido e um projeto na vida, a vossa relação com Deus.
Depois, em janeiro de 2019, encontrei centenas de milhares de coetâneos vossos
de todo o mundo, reunidos no Panamá para a Jornada Mundial da Juventude.
Acontecimentos como estes - Sínodo e JMJ - manifestam uma dimensão essencial da
Igreja: o «caminhar juntos».
Discurso do Papa Francisco na Festa de Acolhida da JMJ 2019 no Panamá |
Nesta caminhada, sempre que
alcançamos um marco importante, somos desafiados por Deus e pela própria vida a
pôr-nos novamente em marcha. Vós, jovens, sois especialistas nisto! Gostais de
viajar, cruzar-vos com lugares e rostos nunca vistos antes, viver novas
experiências. Por isso, como destino da vossa próxima peregrinação
intercontinental em 2022, escolhi a cidade de Lisboa, capital de Portugal. De
lá, nos séculos XV e XVI, inúmeros jovens, incluindo muitos missionários,
partiram para terras desconhecidas a fim de partilhar a sua experiência de
Jesus com outros povos e nações. O tema da JMJ de Lisboa será: «Maria
levantou-Se e partiu apressadamente» (Lc 1,39).
Nos dois anos que precedem o Encontro, pensei em refletir juntamente convosco
sobre outros dois textos bíblicos: «Jovem, Eu te digo, levanta-te! (cf. Lc 7,14)», em 2020, e
«Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste! (cf. At 26,16)», em 2021.
Como podeis ver, o verbo
comum aos três temas é levantar-se. Esta palavra possui também o
significado de ressuscitar, despertar para a vida. É um verbo frequente na Exortação Christus
vivit (Cristo vive), que vos dediquei depois do Sínodo de 2018 e que,
juntamente com o Documento Final, a Igreja vos oferece como um farol para
iluminar as sendas da vossa existência. Espero de todo o coração que o caminho
que nos levará a Lisboa coincida em toda a Igreja com um forte empenho na
concretização destes dois documentos, orientando a missão dos animadores da
pastoral juvenil.
Passemos agora ao nosso
tema deste ano: “Jovem, Eu te digo, levanta-te!” (cf. Lc 7,14). Já citei este versículo
do Evangelho na Exortação Christus vivit: «Se perdeste o vigor
interior, os sonhos, o entusiasmo, a esperança e a generosidade, diante de ti
está Jesus, como parou diante do filho morto da viúva, e o Senhor, com todo o
seu poder de Ressuscitado, exorta-te: “Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!”» (n.
20).
Neste texto, vemos que
Jesus, ao entrar na cidade de Naim, na Galileia, se depara com um cortejo
fúnebre acompanhando à sepultura um jovem, filho único duma mãe viúva. Tocado
pelo sofrimento angustiado daquela mulher, Jesus faz o milagre de lhe
ressuscitar o filho. Entretanto o milagre tem lugar depois duma série de
atitudes e gestos: «Vendo-a, o Senhor compadeceu-Se dela e disse-lhe: “Não
chores”. Aproximando-Se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam» (Lc 7,13-14). Detenhamo-nos a
meditar sobre alguns destes gestos e palavras do Senhor.
Ver o sofrimento e a morte
Jesus pousa um olhar
atento, não distraído, sobre aquele cortejo fúnebre. No meio da multidão,
avista o rosto duma mulher marcado por extremo sofrimento. O seu olhar gera o
encontro, fonte de vida nova. Não há necessidade de muitas palavras.
Como é o meu olhar? Vejo
com olhos atentos ou como faço ao repassar rapidamente as milhares de
fotografias no meu celular ou os perfis sociais? Quantas vezes nos acontece,
hoje, ser testemunhas oculares de inúmeros acontecimentos, sem nunca os
vivermos ao vivo! Às vezes, a nossa primeira reação é filmar a cena com o celular,
talvez esquecendo-nos de fixar nos olhos as pessoas envolvidas.
Ao nosso redor e às vezes
mesmo dentro de nós, deparamo-nos com realidades de morte: física, espiritual,
emocional, social. Damo-nos conta disso ou limitamo-nos a sofrer as
consequências? Haverá algo que possamos fazer para restabelecer a vida?
Penso em tantas situações
negativas vividas pelos vossos coetâneos. Por exemplo, há quem arrisque tudo no
momento presente com experiências extremas, colocando em perigo a própria vida.
Mas há outros jovens que estão «mortos», porque perderam a esperança. Ouvi uma
moça dizer: «Vejo que, entre os meus amigos, se perdeu o ímpeto para se
comprometer, a coragem de se levantar». Infelizmente, entre os jovens, alastra
também a depressão, que pode, em alguns casos, levar à tentação de destruir a
própria vida. Há tantas situações onde reina a apatia e o indivíduo se perde
num abismo de angústias e remorsos. Inúmeros jovens choram, sem que ninguém
ouça o grito da sua alma. Muitas vezes, ao seu redor, o que há são olhares
distraídos, indiferentes talvez mesmo de quem esteja a gozar os seus momentos
felizes mantendo-se à larga.
Há quem deixe correr os
dias na superficialidade, considerando-se vivo quando dentro, na realidade,
está morto (cf. Ap 3,1). É
possível encontrar-se aos vinte anos a arrastar uma vida decadente, não à
altura da própria dignidade. Tudo se reduz a um «deixar correr», contentando-se
com qualquer gratificação: um pouco de diversão, algumas migalhas de atenção e
carinho dos outros, etc. Há também um generalizado narcisismo digital, que
influencia tanto jovens como adultos. Muitos vivem assim! Alguns deles talvez
tenham respirado ao seu redor o materialismo de quem pensa apenas em ganhar
dinheiro e estabelecer-se na vida, como se fossem os únicos objetivos da mesma.
A longo prazo, irá inevitavelmente aparecer um surdo mal-estar, uma apatia, um
tédio de viver, cada vez mais angustiante.
Os comportamentos negativos
podem ser provocados também por fracassos pessoais, quando algo que tínhamos a
peito e por que nos tínhamos esforçado deixa de progredir ou não produz os
resultados esperados. Pode acontecer no campo escolar, ou com pretensões
desportivas e artísticas, etc. O fim dum «sonho» pode levar a sentir-se morto.
Mas os fracassos fazem parte da vida de todo o ser humano, podendo às vezes
revelar-se até uma graça. Com frequência algo que pensávamos nos iria dar
felicidade revela-se uma ilusão, um ídolo. Os ídolos pretendem tudo de nós,
escravizando-nos; mas nada dão em troca. E no fim desabam, deixando apenas pó e
fumo. Neste sentido os fracassos, se fizerem cair os ídolos, são bons, ainda
que nos façam sofrer.
Poder-se-ia continuar com
outras situações de morte física ou moral em que é possível encontrar-se um
jovem, tais como os vícios, o crime, a miséria, uma doença grave, etc. Mas
deixo-o para vós refletirdes pessoalmente e tomardes consciência do que causou
«morte» em vós ou em alguém próximo de vós, no presente ou no passado. Ao mesmo
tempo, lembrai-vos de que aquele jovem do Evangelho - estava realmente morto -
voltou à vida, porque foi visto por Alguém que queria que ele
vivesse. Isto pode acontecer ainda hoje e todos os dias.
Ressurreição do filho da viúva de Naim - Eustache Le Sueur |
Ter compaixão
Muitas vezes, a Sagrada
Escritura refere o estado de ânimo de quem se deixa comover «até às entranhas»
pela dor alheia. A comoção de Jesus torna-O participante da realidade do outro.
Toma sobre Si a miséria do outro. A dor daquela mãe torna-se a sua dor. A morte
daquele filho torna-se a sua morte.
Em muitas ocasiões, vós,
jovens, demonstrais que vos sabeis “com-padecer”. Basta ver como tantos de
vós se doam generosamente, quando as circunstâncias o exigem. Não há desastre,
terremoto, inundação que não veja grupos de jovens voluntários mostrarem-se
disponíveis para socorrer. Também a grande mobilização de jovens que querem
defender a criação dá testemunho da vossa capacidade de ouvir o clamor da
terra.
Queridos jovens, não
deixeis que vos roubem esta sensibilidade. Oxalá ouçais sempre o gemido de quem
sofre; oxalá vos deixeis comover por aqueles que choram e morrem no mundo
atual. «Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas
lágrimas» (Christus vivit, n. 76). Se
souberdes chorar com quem chora, sereis verdadeiramente felizes. Há tantos
coetâneos vossos que se veem privados de oportunidades, sofrem violências,
perseguições. Que as suas feridas se tornem as vossas, e sereis portadores de
esperança neste mundo. Podereis dizer ao irmão, à irmã «levanta-te, não estás
sozinho, não estás sozinha», fazendo-lhe experimentar que Deus Pai nos ama e
Jesus é a sua mão estendida para nos erguer.
Aproximar-se e «tocar»
Jesus para o cortejo
fúnebre. Avizinha-Se, faz-Se próximo. A proximidade impele a ir mais além,
cumprindo um gesto corajoso para que o outro viva. Gesto profético é o toque de
Jesus, o Vivente, que comunica a vida. Um toque que infunde o Espírito Santo no
corpo morto do jovem e reacende as suas funções vitais.
Aquele toque penetra numa
realidade de desolação e desespero. É o toque do Divino, que passa também
através do amor humano autêntico e abre espaços inimagináveis de liberdade,
dignidade, esperança, vida nova e plena. A eficácia deste gesto de Jesus é
incalculável: lembra-nos que um sinal de proximidade, mesmo simples mas
concreto, pode suscitar forças de ressurreição.
Sim! Também vós, jovens,
podeis aproximar-vos das realidades de sofrimento e morte que encontrais, podeis
tocá-las e gerar vida como Jesus. Isso é possível, graças ao Espírito Santo, se
primeiro fordes tocados vós pelo seu amor, se o vosso coração se deixar
enternecer pela experiência da sua bondade para convosco. Ora, se sentirdes
dentro de vós esta ternura apaixonada de Deus por cada criatura viva,
especialmente pelo irmão faminto, sedento, enfermo, nu, encarcerado, então
podereis aproximar-vos como Ele, tocar como Ele e transmitir a sua vida aos
vossos amigos que estão mortos por dentro, que sofrem ou perderam a fé e a
esperança.
«Jovem, Eu te digo,
levanta-te!»
O Evangelho não refere o
nome daquele jovem ressuscitado por Jesus em Naim. Isto é um convite ao leitor,
para se identificar com ele. Jesus fala a ti, a mim, a cada um de nós e diz:
«Levanta-te!». Bem sabemos que também nós, cristãos, caímos e sempre nos
devemos levantar. Só quem não caminha é que não cai; mas também não avança para
diante. Por isso, é preciso acolher a intervenção de Cristo e fazer um ato de
fé em Deus. O primeiro passo é aceitar levantar-se. A nova vida que Ele nos
der, será boa e digna de ser vivida, porque será sustentada por Alguém que nos
acompanhará também no futuro sem nunca nos deixar, ajudando-nos a gastar de
forma digna e fecunda esta nossa existência
É verdadeiramente uma nova
criação, um novo nascimento; e não mera persuasão psicológica. Provavelmente,
nos momentos de dificuldade, muitos de vós ouviram repetir-lhe certas frases
«mágicas» que estão de moda hoje e deveriam resolver tudo: «deves acreditar em
ti próprio», «deves encontrar os recursos dentro de ti», «deves tomar
consciência da tua energia positiva», etc. Mas todas elas não passam de meras
palavras e, para quem estiver verdadeiramente morto dentro, não funcionam. A
palavra de Cristo tem outra espessura: é infinitamente superior; é uma palavra
divina e criadora, a única que pode restabelecer a vida onde esta se apagou.
A nova vida «de
ressuscitados»
Diz o Evangelho que o jovem
«começou a falar» (Lc 7,15). A
primeira reação duma pessoa que foi tocada e restituída à vida por Cristo é
expressar-se, manifestar sem medo nem complexos o que tem dentro: a sua
personalidade, os seus desejos, as suas necessidades, os seus sonhos. Talvez
nunca o tivesse feito antes; estava convencida que ninguém a poderia
compreender.
Falar significa também
entrar em relação com os outros. Quando se está «morto», o indivíduo fecha-se
em si mesmo: interrompem-se as relações ou tornam-se superficiais, falsas,
hipócritas. Quando Jesus nos devolve a vida, «restitui-nos» aos outros (cf. Lc 7,15).
Hoje muitas vezes há
«conexão», mas não comunicação. Se o uso dos aparelhos eletrônicos não for
equilibrado, pode levar-nos a ficar sempre colados a um visor. Com esta
mensagem, queridos jovens, gostaria também de lançar juntamente convosco o
desafio duma viragem cultural, a partir deste «levanta-te» de Jesus. Numa
cultura que quer os jovens isolados e debruçados sobre mundos virtuais, façamos
circular esta palavra de Jesus: «Levanta-te». É um convite a abrir-se para uma
realidade que vai muito além do virtual. Isto não significa desprezar a
tecnologia, mas usá-la como um meio e não como fim. «Levanta-te» significa
também «sonha», «arrisca», «esforça-te por mudar o mundo», reacende os teus
desejos, contempla o céu, as estrelas, o mundo ao teu redor. «Levanta-te e
torna-te aquilo que és». Graças a esta mensagem, muitos rostos apagados de
jovens ao nosso redor animar-se-ão tornando-se muito mais belos do que qualquer
realidade virtual.
Porque se tu dás a vida,
alguém a acolhe. Uma jovem disse: «Levantas-te do sofá, quando vês uma coisa
estupenda e decides fazê-la também tu». O que é belo, apaixona. E se um jovem
se apaixona por qualquer coisa, ou melhor, por Alguém, por fim levanta-se e
começa a fazer grandes coisas; e, de morto que estava, pode tornar-se testemunha
de Cristo e dar a vida por Ele.
Queridos jovens, quais são
as vossas paixões e os vossos sonhos? Fazei-os sobressair e, através deles,
proponde ao mundo, à Igreja, a outros jovens, algo de belo no campo espiritual,
artístico e social. Deixai que vo-lo repita na minha língua materna: «¡Hagan lìo!» [Façam barulho]. Fazei-vos
ouvir! Ouvi dizer a outro jovem: «Se Jesus tivesse sido alguém preocupado
apenas com as suas coisas, o filho da viúva não teria ressuscitado».
A ressurreição do jovem
reuniu-o à sua mãe. Nesta mãe, podemos ver Maria, nossa Mãe, a Quem confiamos
todos os jovens do mundo. Nela podemos reconhecer também a Igreja, que quer
acolher com ternura os jovens todos, sem excluir nenhum. Assim rezemos a Maria
pela Igreja, para que seja sempre mãe dos seus filhos que se encontram na
morte, chorando e pedindo o seu renascimento. Por cada filho seu que morre,
morre também a Igreja; e por cada filho que ressuscita, também ela ressuscita.
Abençoo a vossa caminhada.
E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.
Roma, na Basílica de São João do Latrão, 11 de fevereiro de 2020,
Memória de Nossa Senhora de Lourdes.
Francisco
Fonte: Santa Sé.
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