Santo Agostinho
Sermão 221
No céu a vida não é outra coisa senão estar
em vigília
Esta noite
corresponde, como é de nosso conhecimento, ao dia seguinte que consideramos
como “o dia do Senhor”. Certamente Ele devia ressuscitar nas horas da noite,
porque com sua ressurreição iluminou também as nossas trevas. Não foi em vão
que se cantou para Ele com tanta antecipação: Tu iluminarás minha lâmpada, Senhor; meu Deus, tu iluminarás minhas
trevas.
Nossa devoção
presta honra a tão grande mistério, para que, como nossa fé, corroborada por
sua ressurreição, já está desperta, assim também esta noite, iluminada por
nossa vigília, de destaque por seu resplendor, para que possamos pensar com
dignidade, junto com a Igreja estendida por todo o orbe da terra, em não ser
encontrados submersos na noite. Para tantos e tantos povos que sob o nome de
Cristo congrega por toda a parte esta célebre solenidade, o sol se pôs, porém
sem deixar de ser de dia, pois a luz da terra assumiu o relevo da luz do céu.
Contudo, se
alguém busca o porquê da importância de nossa vigília, pode achar as causas
adequadas e responder com confiança: o mesmo que nos concedeu a glória de seu
nome, o mesmo que ilumina esta noite e a quem dizemos: Tu iluminarás as minhas trevas, concede a luz aos nossos corações,
para que do mesmo modo que, com deleite para os olhos vemos o esplendor desta
luz, assim vejamos também, iluminada a mente, o motivo do resplendor desta
noite.
Portanto, por
que se mantêm em vigília os cristãos nesta festa anual? Esta é nossa vigília
por excelência, e nosso pensamento não costuma voar para nenhuma outra
solenidade distinta desta quando, movidos pelo desejo, perguntamos ou dizemos:
“Quando será a vigília?” Dentro de tantos dias, se responde, como se, em comparação
com ela, as demais não fossem vigílias.
Certamente, o
Apóstolo exortou a Igreja a ser assídua não somente nos jejuns, mas também nas
vigílias. Falando de si mesmo, diz: frequentemente
em jejuns, frequentemente em vigílias. Mas a vigília desta noite destaca
tanto que pode reivindicar como próprio o nome que é comum a todas as demais.
Assim, direi algo, aquilo que o Senhor me conceda, primeiro da vigília em geral
e em seguida da vigília particular de hoje.
Naquela vida
pela qual todos trabalhamos almejando descanso, vida que nos promete a verdade
para depois da morte deste corpo ou também para o final deste mundo, na
ressurreição, nunca precisamos dormir, como também nunca morreremos. O que é o
sono senão uma morte cotidiana que nem tira o homem totalmente desta vida, nem
o retém por longo tempo? E o que é a morte a não ser um sono longo e muito
profundo, do qual o homem é despertado por Deus? Portanto, aonde nenhuma morte
chega, tampouco chega o sono, sua imagem. Somente os mortais experimentam o sono.
Não é deste tipo
o descanso dos anjos: eles, dado que vivem perpetuamente, nunca restauram sua
saúde com o sono. Como ali está a própria vida, ali existe a vigília sem fim.
Ali a vida não é outra coisa a não ser estar em vigília, e estar em vigília não
é outra coisa que viver.
Nós, por outro
lado, enquanto estamos neste corpo que se
corrompe e humilha a alma, visto que não podemos viver se não reparamos as
forças com o sono, interrompemos a vida com a imagem da morte para poder viver,
ao menos, em intervalos. Portanto, quem acorre assiduamente às vigílias com
coração casto e puro, sem dúvida nenhuma pratica a vida dos anjos - na medida
em que a debilidade desta carne está sujeita ao peso terreno, os desejos
celestiais se encontram sufocados -, exercitando a carne, mediante uma vigília
mais longa, contra a massa causante da morte para adquirir-lhe méritos para a
vida eterna.
Não está de
acordo consigo mesmo quem deseja viver para sempre e não quer aumentar suas
vigílias; quer que desapareça totalmente a morte e não quer que sua imagem
diminua. Esta é a causa, este é o motivo pelo qual o cristão tem que exercitar
sua mente nas vigílias com maior frequência.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 84-85. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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