Quase concluindo suas meditações sobre a oração nas Cartas de Paulo dentro das suas Catequese sobre a oração, o Papa Bento XVI refletiu sobre a contemplação e a força da oração na vida do Apóstolo.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 13 de junho de 2012
A oração (37):
A contemplação e a força da oração
Amados irmãos e irmãs,
O encontro quotidiano com o Senhor e a
frequência aos Sacramentos permitem abrir a nossa mente e nosso coração à sua presença,
às suas palavras e à sua ação. A oração não é apenas o respiro da alma, mas -
para usar uma imagem - é também o oásis de paz no qual podemos ir buscar a água
que alimenta a nossa vida espiritual e transforma a nossa existência. E Deus
atrai-nos a Si, faz-nos subir ao monte da santidade, para estarmos cada vez
mais próximos d’Ele, oferecendo-nos luz e conforto ao longo do caminho.
São Paulo com o espinho no coração (Vittore Carpaccio) |
Esta é
a experiência pessoal à qual São Paulo faz referência no capítulo 12 da Segunda
Carta aos Coríntios, sobre o qual desejo meditar hoje. Diante de quantos
contestavam a legitimidade do seu apostolado, não enumera as comunidades que
fundou e os quilômetros que percorreu; não se limita a recordar as dificuldades
e as oposições que enfrentou para anunciar o Evangelho, mas indica a sua
relação com o Senhor, uma relação tão intensa a ponto de ser caracterizada
também por momentos de êxtase, de contemplação profunda (2Cor 12,1);
portanto, não se exalta com aquilo que fez, com a sua força, com as suas atividades
e os seus sucessos, mas orgulha-se pela ação que Deus realizou nele e através
dele. Com efeito, narra com grande pudor o momento em que viveu a experiência
particular de ser arrebatado até ao Céu de Deus. Ele recorda que quatorze anos
antes do envio da Carta «foi arrebatado - como diz - ao terceiro céu»
(v. 2). Com a linguagem e os modos de quem narra o que não se pode descrever, São
Paulo chega a falar sobre tal acontecimento em terceira pessoa; afirma que um
homem foi arrebatado no «jardim» de Deus, no Paraíso. A contemplação é tão
profunda e intensa que o Apóstolo nem consegue recordar os conteúdos da
revelação recebida, mas tem em mente a data e as circunstâncias em que o Senhor
o arrebatou de forma total, atraindo-o a Si como fizera no caminho de Damasco,
no momento da sua conversão (Fl 3,12).
São Paulo continua dizendo que, precisamente
para não se encher de orgulho pela grandeza das revelações recebidas, ele tem
em si um «espinho» (2Cor 12,7), um sofrimento, e suplica com vigor
ao Ressuscitado para ser libertado do enviado do Maligno, desse espinho
doloroso na carne. Pede insistentemente três vezes - refere ele - ao Senhor que
o afaste dessa prova. E é em tal situação que, na contemplação profunda de
Deus, durante a qual «ouviu palavras inefáveis que nenhum homem consegue pronunciar»
(v. 4), recebe uma resposta à sua súplica. O Ressuscitado dirige-lhe uma
palavra clara e tranquilizadora: «Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que
a força se manifesta» (v. 9).
O comentário de São Paulo a estas palavras
pode deixar-nos admirados, mas revela como ele compreendeu o que significa ser
verdadeiramente Apóstolo do Evangelho. Com efeito, exclama assim: «De bom
grado, eu me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite
em mim. Eis por que me comprazo nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas por amor a Cristo. Pois, quando eu me
sinto fraco, é então que sou forte» (vv. 9b-10); ou seja, não se gloria das
suas obras, mas da atividade de Cristo que age precisamente na sua debilidade.
Meditemos mais um momento sobre este
acontecimento ocorrido durante os anos em que São Paulo viveu em silêncio e em
contemplação, antes de começar a percorrer o Ocidente para anunciar Cristo,
porque esta atitude de profunda humildade e confiança perante o manifestar-se
de Deus é fundamental também para a nossa oração e para a nossa vida, para a
nossa relação com Deus e com as nossas fragilidades.
Antes de tudo, de que fragilidade fala o Apóstolo?
O que é este «espinho» na carne? Não sabemos e ele não o diz, mas a sua atitude
faz compreender que cada dificuldade no seguimento de Cristo e no testemunho do
seu Evangelho pode ser superada, abrindo-se com confiança à intervenção do
Senhor. São Paulo está bem consciente de ser um «servo inútil» (Lc 17,10)
- não foi ele que realizou maravilhas, mas foi o Senhor - um «vaso de barro» (2Cor 4,7)
no qual Deus coloca a riqueza e o poder da sua Graça. Nesse momento de intensa
oração contemplativa, São Paulo compreende com clareza como enfrentar e viver
cada acontecimento, principalmente o sofrimento, a dificuldade e a perseguição:
no momento em que se experimenta a própria debilidade, manifesta-se o poder de
Deus, que não nos abandona, não nos deixa sozinhos, mas torna-se sustento e força.
Sem dúvida São Paulo teria preferido ser libertado desse «espinho», desse
sofrimento; mas Deus diz: «Não, isto é necessário para ti! Receberás a graça
suficiente para resistir e para realizar quanto deve ser feito». Isto é válido
também para nós. O Senhor não nos liberta dos males, mas ajuda-nos a amadurecer
nos sofrimentos, nas dificuldades e nas perseguições. Portanto, a fé diz-nos
que, se permanecermos em Deus, se em nós o homem exterior vai caminhando para a
ruína, se existem muitas dificuldades, contudo, o homem interior renova-se,
amadurece dia após dia, precisamente nas provações (cf. 2Cor 4,16).
O Apóstolo comunica aos cristãos de Corinto, e também a nós, que «o volume
insignificante de uma tribulação momentânea acarreta para nós uma glória eterna
e incomensurável» (v. 17). Na realidade, humanamente falando, não era leve o
peso das dificuldades, era gravíssimo; mas em comparação com o amor de Deus,
com a grandeza do ser amado por Deus, parece leve, sabendo que a quantidade da
glória será incomensurável. Portanto, na medida em que aumenta a nossa união
com o Senhor e se faz intensa a nossa oração, também nós vamos ao essencial e
compreendemos que não é o poder dos nossos meios, das nossas virtudes e das
nossas capacidades que realiza o Reino de Deus, mas é Deus que realiza
maravilhas precisamente através da nossa debilidade, da nossa inadequação ao
encargo. Por conseguinte, devemos ter a humildade de não confiar simplesmente
em nós mesmos, mas de trabalhar na vinha do Senhor, com a ajuda do Senhor,
confiando-nos a Ele como frágeis «vasos de barro».
São Paulo menciona duas revelações
particulares que mudaram radicalmente a sua vida. A primeira - sabemo-lo - é a
pergunta perturbante no caminho de Damasco: «Saulo, Saulo, por que me persegues?»
(At 9,4), interrogação que o levou a descobrir e encontrar Cristo
vivo e presente, e a sentir a sua chamada a ser Apóstolo do Evangelho. A
segunda são as palavras que o Senhor lhe dirigiu na experiência de oração
contemplativa sobre a qual continuamos a meditar: «Basta-te a minha graça, pois
é na fraqueza que a força se manifesta» (2Cor 12,9). Só a fé, o confiar
na ação de Deus, na bondade de Deus que não nos abandona, é a garantia de não
trabalhar em vão. Assim, a Graça do Senhor foi a força que acompanhou São Paulo
nas dificuldades enormes para propagar o Evangelho, e o seu coração penetrou no
Coração de Cristo, tornando-se capaz de conduzir os outros Àquele que morreu e
ressuscitou por nós.
Portanto, na oração abrimos a nossa alma ao
Senhor a fim de que Ele venha habitar a nossa debilidade, transformando-a em
força para o Evangelho. E é rico de significado também o verbo grego com que São
Paulo descreve este habitar do Senhor na sua humanidade frágil; usa episkenoo
(ἐπισκηνόω), que poderíamos traduzir como «montar a própria tenda». O Senhor
continua a montar a sua tenda em nós, no meio de nós: é o Mistério da
Encarnação. O próprio Verbo divino, que veio habitar na nossa humanidade, quer
habitar em nós, montar em nós a sua tenda, para iluminar e transformar a nossa
vida e o mundo.
A contemplação intensa de Deus experimentada
por São Paulo evoca a dos discípulos no monte Tabor quando, vendo Jesus
transfigurar-se e resplandecer de luz, Pedro disse: «Mestre, é bom ficarmos
aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para
Elias» (Mc 9,5). «Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos
com muito medo», acrescenta São Marcos (v. 6). Contemplar o Senhor é, ao mesmo
tempo, fascinante e tremendo: fascinante, porque Ele nos atrai a Si e arrebata
o nosso coração rumo ao alto, levando-o à sua altura onde experimentamos a paz,
a beleza do seu amor; tremendo, porque revela a nossa debilidade humana, a
nossa inadequação, o cansaço de vencer o Maligno que ameaça a nossa vida,
aquele espinho cravado na nossa carne. Na oração, na contemplação quotidiana do
Senhor, nós recebemos a força do amor de Deus e sentimos que são verdadeiras as
palavras de São Paulo aos cristãos de Roma, onde escreveu: «Tenho certeza de
que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os poderes celestiais, nem o
presente nem o futuro, nem as forças cósmicas, nem a altura nem a profundeza,
nem outra criatura qualquer serão capazes de nos separar do amor de Deus por
nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8,38-39).
Em um mundo em que corremos o risco de
confiar unicamente na eficiência e no poder dos instrumentos humanos, somos
chamados a redescobrir e dar testemunho do poder de Deus que se comunica na
oração, com a qual crescemos todos os dias na conformação da nossa vida com a
de Cristo que - como Paulo afirma - «foi crucificado na sua fraqueza, mas agora
está vivo pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com
Ele pelo poder de Deus que age em vós» (2Cor 13,4).
Caros amigos, no século passado Albert
Schweitzer (†1965), teólogo protestante e Prêmio Nobel da Paz (1952), afirmava
que «Paulo é um místico, e nada mais que um místico», ou seja, um homem
verdadeiramente apaixonado por Cristo, e assim unido a Ele, a ponto de poder
dizer: Cristo vive em mim. A mística de São Paulo não se funda unicamente nos
acontecimentos extraordinários vividos por ele, mas também na relação
quotidiana e intensa com o Senhor, que sempre o sustentou com a sua Graça. A
mística não o afastou da realidade, ao contrário, deu-lhe a força de viver cada
dia para Cristo e de construir a Igreja daquela época até ao fim do mundo. A
união com Deus não afasta do mundo, mas confere-nos a força para permanecer
realmente no mundo, para fazer quanto se deve realizar no mundo. Portanto,
também na nossa vida de oração talvez possamos ter momentos de intensidade
particular, nos quais sentimos mais viva a presença do Senhor, mas são
importantes a constância e a fidelidade da relação com Deus, sobretudo nas
situações de aridez, de dificuldade, de sofrimento e de ausência aparente de
Deus. Somente se formos arrebatados pelo amor de Cristo, seremos capazes de
enfrentar cada adversidade como Paulo, persuadidos de que tudo podemos naquele
que nos dá a força (cf. Fl 4,13). Por conseguinte,
quanto mais espaço reservarmos à oração tanto mais veremos que a nossa vida se
transformará e será animada pela força concreta do amor de Deus. Assim
aconteceu, por exemplo, com Madre Teresa de Calcutá (†1997), que na
contemplação de Jesus, também em épocas de longa aridez, encontrava a razão última
e a força incrível para reconhecê-Lo nos pobres e nos abandonados, não obstante
a sua figura frágil. A contemplação de Cristo na nossa vida não nos afasta -
como eu já disse - da realidade, mas torna-nos ainda mais participantes das
vicissitudes humanas, porque o Senhor, atraindo-nos a Si na oração, permite que
nos tornemos presentes e próximos de cada irmão no seu amor.
Glória de São Paulo (Federico Zuccari) |
Fonte: Santa Sé.
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