Ainda dentro da terceira parte das suas Catequeses sobre a oração, após as meditações sobre os Atos dos Apóstolos e as Cartas de Paulo, o Papa Bento XVI dedicou duas reflexões sobre a oração no Livro do Apocalipse, a primeira delas sobre a “visão inicial” e as cartas às sete Igrejas.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 05 de setembro de 2012
A oração (39):
A oração no Apocalipse (1)
Queridos
irmãos e irmãs,
Hoje,
após a interrupção das férias, retomamos as Audiências no Vaticano, continuando
naquela «escola da oração» que estou vivendo juntamente convosco nestas
Catequeses de quarta-feira.
Hoje
gostaria de falar sobre a oração no Livro do Apocalipse que,
como sabeis, é o último do Novo Testamento. Trata-se de um livro difícil, mas
que contém uma grande riqueza. Ele põe-nos em contato com a oração viva e
palpitante da assembleia cristã, reunida «no dia do Senhor» (Ap 1,10):
com efeito, esta é a linha de fundo na qual o texto se move.
O Apocalipse de João: “visão inicial” |
Um
leitor apresenta à assembleia uma mensagem confiada pelo Senhor ao evangelista
João. O leitor e a assembleia constituem, por assim dizer, os dois
protagonistas do desenvolvimento do livro; a eles, desde o início, são
dirigidos votos exultantes: «Bem-aventurado aquele que lê e aqueles que escutam
as palavras desta profecia» (Ap 1,3). Do diálogo constante entre eles
nasce uma sinfonia de oração, que se desenvolve com grande variedade de formas,
até à conclusão. Ouvindo o leitor que apresenta a mensagem, escutando e
observando a assembleia que reage, a sua oração tende a tornar-se nossa.
A
primeira parte do Apocalipse (Ap 1,4–3,22) apresenta,
na atitude da assembleia que reza, três fases sucessivas. A primeira (Ap
1,4-8) é constituída por um diálogo que - único caso no Novo Testamento - se
realiza entre a assembleia que acaba de se reunir e o leitor, que lhe dirige
votos de bênçãos: «A vós, graça e paz » (v. 4). O leitor continua sublinhando a
proveniência destes votos: eles derivam da Trindade: do Pai, do Espírito Santo,
de Jesus Cristo, unidos na promoção do projeto criador e salvífico para a humanidade.
A assembleia escuta e, quando ouve mencionar Jesus Cristo, tem como que um
sobressalto de alegria e responde com entusiasmo, elevando a seguinte prece de
louvor: «A Jesus, que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos
pecados 6e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a
glória e o poder, em eternidade. Amém!» (vv. 5b-6). A assembleia, envolvida
pelo amor de Cristo, sente-se livre das cadeias do pecado e proclama-se «reino»
de Jesus Cristo, que pertence totalmente a Ele. Reconhece a grande missão que
com o Batismo lhe foi confiada, de levar ao mundo a presença de Deus. E conclui
esta sua celebração de louvor olhando de novo diretamente para Jesus e, com
entusiasmo crescente, reconhece «a sua glória e o seu poder» para salvar a
humanidade. O «amém» final conclui o hino de louvor a Cristo. Já estes
primeiros quatro versículos contêm uma grande riqueza de indicações para nós;
dizem-nos que a nossa oração deve ser antes de tudo escuta de Deus que nos
fala. Submergidos por tantas palavras, estamos pouco habituados a ouvir,
sobretudo a predispormo-nos interior e exteriormente para o silêncio a fim de
estarmos atentos ao que Deus nos quer dizer. Além disso, tais versículos
ensinam-nos que a nossa oração, que muitas vezes é só de pedido, antes de tudo
deve ser de louvor a Deus pelo seu amor, pelo dom de Jesus Cristo, que nos deu
força, esperança e salvação.
Depois,
uma nova intervenção do leitor exorta a assembleia, arrebatada pelo amor de
Cristo, ao compromisso de captar a sua presença na própria vida. Diz assim: «Olhai!
Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, também aqueles que o transpassaram.
Todas as tribos da terra baterão no peito por causa d’Ele» (Ap 1,7a).
Depois de ter subido ao Céu em uma «nuvem», símbolo da transcendência (At 1,9),
Jesus Cristo voltará do mesmo modo como subiu ao Céu (At 1,11b).
Então, todos os povos o reconhecerão e, como exorta São João no quarto Evangelho,
«olharão para Aquele que transpassaram» (Jo 19,37; Zc 12,10).
Pensarão nos próprios pecados, causa da sua crucificação e, como aqueles que
tinham assistido diretamente a ela no Calvário, «baterão no peito» (Lc 23,48)
pedindo-lhe perdão, para segui-Lo na vida e preparar assim a comunhão plena com
Ele, depois do seu retorno final.
A
assembleia medita sobre essa mensagem e diz: «Sim. Amém!» (Ap 1,7b).
Exprime com o seu «sim» o pleno acolhimento daquilo que lhe é comunicado e pede
que isto possa tornar-se verdadeiramente realidade. É a oração da assembleia,
que medita sobre o amor de Deus manifestado de modo supremo na Cruz e pede para
viver com a coerência dos discípulos de Cristo. Eis a resposta de Deus: «Eu sou
o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, Aquele que é, que era e que vem, o
Todo-poderoso» (Ap 1,8). Deus, que se revela como o início e a conclusão
da história, acolhe e toma a peito o pedido da assembleia. Ele estava, está e
estará presente e ativo com o seu amor nas vicissitudes humanas, no presente,
no futuro, assim como no passado, até alcançar a meta final. Esta é a promessa
de Deus. E aqui encontramos mais um elemento importante: a oração constante
desperta em nós o sentido da presença do Senhor na nossa vida e na história, e
é a sua presença que nos sustenta, nos guia e nos dá uma grande esperança,
inclusive no meio da obscuridade de certas vicissitudes humanas; além disso,
qualquer oração, mesmo se feita na solidão mais radical, nunca é um isolar-se
nem é estéril, mas é a linfa vital para alimentar uma existência cristã cada
vez mais comprometida e coerente.
A
segunda fase da oração da assembleia (Ap 1,9-22) aprofunda ulteriormente
a relação com Jesus Cristo: o Senhor mostra-se, fala e age, e a comunidade,
cada vez mais próxima d’Ele, ouve, reage e acolhe. Na mensagem apresentada pelo
leitor, São João narra uma sua experiência pessoal de encontro com Cristo: está
na ilha de Patmos «por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus» (v. 9)
e é o «dia do Senhor» (v. 10a), o domingo, no qual se celebra a Ressurreição. São
João é «arrebatado pelo Espírito» (v. 10a): o Espírito Santo impregna-o e
renova-o, dilatando a sua capacidade de acolher Jesus, que o convida a
escrever. A oração da assembleia que escuta assume gradualmente uma atitude
contemplativa ritmada pelos verbos «vê», «olha»: ou seja, contempla o que o
leitor lhe propõe, interiorizando-o e fazendo-o seu.
João
ouve «uma voz forte, como de trombeta» (v. 10b): a voz lhe ordena que transmita
uma mensagem «às sete Igrejas» (v. 11) que se encontram na Ásia Menor e,
através delas, a todas as Igrejas de todos os tempos, juntamente com os seus pastores.
A expressão «voz como de trombeta», tirada do Livro do Êxodo (Ex
20,18), evoca a manifestação divina a Moisés no monte Sinai e indica a voz de
Deus, que fala do seu Céu, da sua transcendência. Aqui é atribuída a Jesus
Cristo Ressuscitado que, da glória do Pai, fala com a voz de Deus à assembleia
reunida em oração.
Virando-se
«para ver quem estava falando» (Ap 1,12), João avista «sete candelabros
de ouro» e, no meio dos candelabros, «alguém semelhante a um “filho de homem”»
(vv. 12-13), termo particularmente familiar a João, que indica o próprio Jesus.
Os candelabros de ouro, com as suas velas acesas, indicam a Igreja de todos os
tempos, em atitude de oração na Liturgia: Jesus Ressuscitado, o «Filho do
homem», encontra-se no meio dela e, revestido com os paramentos do sumo sacerdote
do Antigo Testamento, desempenha a função sacerdotal de mediador junto do Pai.
Na
mensagem simbólica de João, segue-se uma manifestação luminosa de Cristo
Ressuscitado, com as características próprias de Deus, que se repetem no Antigo
Testamento. Fala-se dos «cabelos brancos como lã branca, cor de neve» (v. 14),
símbolo da eternidade de Deus (Dn 7,9) e da Ressurreição. Um
segundo símbolo é o do fogo que, no Antigo Testamento, é frequentemente
referido a Deus para indicar duas propriedades. A primeira é a intensidade zelosa
do seu amor, que anima a sua aliança com o homem (Dt 4,24). E é
esta mesma intensidade ardente do amor que se lê no olhar de Jesus
Ressuscitado: «seus olhos eram como chamas de fogo» (Ap 1,14). A
segunda é a capacidade constante de vencer o mal como um «fogo devorador» (Dt 9,3).
Assim também «os pés» de Jesus, a caminho para enfrentar e destruir o mal, têm
a incandescência do «bronze purificado no crisol» (Ap 1,15a). Além
disso, a voz de Jesus Cristo, «como o fragor de uma cachoeira» (v. 15b), tem o som
impressionante «da glória do Deus de Israel» que se move rumo a Jerusalém, da
qual fala o profeta Ezequiel (Ez 43,2). Seguem-se ainda três elementos
simbólicos que demonstram quanto Jesus Ressuscitado está realizando pela sua
Igreja: tem-na firmemente na sua mão direita - uma imagem muito importante:
Jesus tem a Igreja na sua mão [representada pelas sete estrelas] - fala-lhe com
a força penetrante de uma espada afiada e mostra-lhe o esplendor da sua divindade:
«seu rosto era como o sol no seu brilho mais forte» (Ap 1,16). João
está tão envolvido nesta experiência maravilhosa do Ressuscitado que desfalece
e cai como morto.
Depois
desta experiência de revelação, o Apóstolo tem à sua frente o Senhor Jesus que
fala com ele, o tranquiliza, põe uma mão sobre a sua cabeça, revela-lhe a sua
identidade de Crucificado Ressuscitado e confia-lhe o cargo de transmitir a sua
mensagem às Igrejas (Ap 1,17-18). É uma coisa bela este Deus diante
do qual ele desfalece e cai como morto: é o amigo da vida e põe a mão sobre a
sua cabeça. E será assim também para nós: somos amigos de Jesus. Depois, a
revelação do Deus Ressuscitado, do Cristo Ressuscitado, não será tremenda, mas
será o encontro com o amigo. Também a assembleia vive com João o momento
particular de luz diante do Senhor, mas unido à experiência do encontro
quotidiano com Jesus, sentindo a riqueza do contato com o Senhor, que preenche
todos os espaços da existência.
Na
terceira e última fase da primeira parte do Apocalipse (Ap
2–3), o leitor propõe à assembleia uma mensagem septiforme na qual Jesus fala
em primeira pessoa. Dirigido a sete Igrejas situadas na Ásia Menor, ao redor de
Éfeso, o discurso de Jesus começa a partir da situação particular de cada uma
das Igrejas, para depois se ampliar às Igrejas de todos os tempos. Jesus entra
imediatamente no fulcro da situação de cada Igreja, evidenciando as suas luzes
e sombras e dirigindo-lhe um convite urgente: «Converte-te» (Ap 2,5.16);
«Conserva o que recebeste» (Ap 3,11); «Volta à tua prática inicial» (Ap
2,5); «Esforça-te, pois, e converte-te» (Ap 3,19). Se for ouvida com fé,
esta palavra de Jesus começa a ser imediatamente eficaz: acolhendo a Palavra do
Senhor, a Igreja em oração é transformada. Todas as Igrejas devem pôr-se à
escuta do Senhor, abrindo-se ao Espírito como Jesus pede com insistência,
repetindo esta ordem sete vezes: «Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às Igrejas» (Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22). A assembleia ouve a mensagem,
recebendo um estímulo para o arrependimento, a conversão, a perseverança, o
crescimento no amor e a orientação para o caminho.
Estimados
amigos, o Apocalipse apresenta-nos uma comunidade congregada
em oração, porque é precisamente na oração que sentimos cada vez mais a
presença de Jesus conosco e em nós. Quanto mais e melhor orarmos com constância
e intensidade, tanto mais nos assemelharemos a Ele, e Ele entrará
verdadeiramente na nossa vida e a guiará, dando-lhe alegria e paz. E quanto
mais conhecermos, amarmos e seguirmos Jesus, tanto mais sentiremos a necessidade
de nos determos em oração com Ele, recebendo serenidade, esperança e força na
nossa vida.
As sete Igrejas do Apocalipse |
Fonte: Santa Sé.
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