sábado, 6 de maio de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (40)

Concluindo sua reflexão sobre a oração no Livro do Apocalipse, e com elas suas Catequese sobre a oração no Novo Testamento, o Papa Bento XVI meditou sobre a “Liturgia do trono” e a conclusão do Livro.

Confira a postagem com os links para todas as Catequeses sobre a oração, incluindo as duas últimas, sobre a Liturgia como escola de oração, clicando aqui.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 12 de setembro de 2012
A oração (40):
A oração no Apocalipse (2)

Prezados irmãos e irmãs,
Na quarta-feira passada falei sobre a oração na primeira parte do Apocalipse; hoje passaremos à segunda parte do Livro. Enquanto na primeira parte a oração está orientada para o interior da vida eclesial, na segunda a atenção dirige-se para o mundo inteiro; com efeito, a Igreja caminha na história, faz parte dela segundo o desígnio de Deus. A assembleia que, ouvindo a mensagem de João apresentada pelo leitor, redescobriu a própria tarefa de colaborar para o desenvolvimento do Reino de Deus como «sacerdotes de Deus e de Cristo» (Ap 20,6; cf. Ap 1,5; 5,10), e abre-se para o mundo dos homens. E aqui sobressaem dois modos de viver em relação dialética entre si: o primeiro poderíamos defini-lo o «sistema de Cristo», ao qual a assembleia está feliz por pertencer, e o segundo o «sistema terrestre anti-Reino e anti-aliança, posto em ato pelo influxo do Maligno» que, enganando os homens, quer realizar um mundo oposto àquele desejado por Cristo e por Deus (cf. Pontifícia Comissão Bíblica, Bíblia e Moral: Raízes bíblicas do agir cristão, n. 70). A assembleia deve então saber ler em profundidade a história que está vivendo, aprendendo a discernir com a fé os acontecimentos para colaborar, com a sua ação, para o desenvolvimento do Reino de Deus. E esta obra de leitura e de discernimento, assim como de ação, está ligada à oração.

Adoração do Cordeiro (Retábulo de Ghent, detalhe)

Antes de tudo, depois do apelo insistente de Cristo que, na primeira parte do Apocalipse, disse sete vezes: «Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à Igreja» (Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22), a assembleia é convidada a subir ao Céu a fim de olhar para a realidade com os olhos de Deus; e aqui voltamos a encontrar três símbolos, pontos de referência a partir dos quais recomeçar para ler a história: o trono de Deus, o Cordeiro e o Livro (Ap 4,1–5,14).

O primeiro símbolo é o trono, sobre o qual está sentado um personagem que João não descreve, porque ultrapassa qualquer representação humana; só pode mencionar o sentido de beleza e alegria que sente, encontrando-se diante dele. Este personagem misterioso é Deus, Deus Todo-Poderoso que não permaneceu fechado no seu Céu, mas que se fez próximo do homem, entrando em aliança com ele; Deus que faz ouvir na história, de modo misterioso, mas real, a sua voz simbolizada pelos relâmpagos e pelos trovões. Há vários elementos que aparecem ao redor do trono de Deus, como os vinte e quatro anciãos e os quatro seres vivos, que louvam incessantemente o único Senhor da história.

Portanto, o primeiro símbolo é o trono. O segundo símbolo é o livro, que contém o plano de Deus sobre os acontecimentos e sobre os homens; está fechado hermeticamente com sete selos, e ninguém é capaz de lê-lo. Diante desta incapacidade do homem de perscrutar o desígnio de Deus, João sente uma tristeza profunda que o leva ao pranto. Mas existe um remédio para a confusão do homem perante o mistério da história: alguém é capaz de abrir o livro e de iluminá-lo.

E aqui aparece o terceiro símbolo: Cristo, o Cordeiro imolado no Sacrifício da Cruz, mas que está de pé, sinal da sua Ressurreição. E é precisamente o Cordeiro, Cristo Morto e Ressuscitado, que, progressivamente, abre os selos e revela o plano de Deus, o sentido profundo da história.

O que dizem estes símbolos? Eles recordam-nos qual é o caminho para saber ler os acontecimentos da história e da nossa própria vida. Elevando o olhar para o Céu de Deus, na relação constante com Cristo, abrindo-lhe o nosso coração e a nossa mente na oração pessoal e comunitária, nós aprendemos a ver a realidade de modo novo e a captar o seu sentido mais verdadeiro. A oração é como uma janela aberta, que nos permite manter o olhar voltado para Deus, não apenas para nos recordarmos da meta rumo à qual nos dirigimos, mas também para deixar que a vontade de Deus ilumine o nosso caminho terreno e nos ajude a vivê-lo com intensidade e empenhamento.

De que modo orienta o Senhor a comunidade cristã para uma leitura mais profunda da história? Antes de tudo, convidando-a a considerar com realismo o presente que estamos vivendo. Então o Cordeiro abre os primeiros quatro selos do livro e a Igreja vê o mundo na qual está inserida, um mundo onde existem vários elementos negativos. Existem os males que o homem realiza, como a violência, que nasce do desejo de possuir, de prevalecer uns sobre os outros, a ponto de chegar a matá-los (segundo selo); ou então a injustiça, porque os homens não respeitam as leis que se atribuíram a si mesmos (terceiro selo). A eles acrescentam-se os males que o homem deve padecer, como a morte, a fome e a doença (quarto selo). Diante destas realidades, muitas vezes dramáticas, a comunidade eclesial é convidada a nunca perder a esperança, a crer firmemente que a onipotência aparente do Maligno se confronta com a verdadeira onipotência, que é a de Deus. E o primeiro selo que o Cordeiro abre contém precisamente esta mensagem. João narra: «Vi então aparecer um cavalo branco. O cavaleiro tinha um arco, e deram-lhe uma coroa. Saiu, vitorioso e para vencer ainda mais» (Ap 6,2). Na história do homem entrou a força de Deus, que não é capaz só de equilibrar o mal, mas até de derrotá-lo; a cor branca evoca a Ressurreição: Deus tornou-se tão próximo, a ponto de descer à obscuridade da morte para iluminá-la com o esplendor da sua vida divina; assumiu sobre si o mal do mundo para purificá-lo com o fogo do seu amor.

Como crescer nesta leitura cristã da realidade? O Apocalipse diz-nos que a oração alimenta em cada um de nós e nas nossas comunidades esta visão de luz e de esperança profunda: convida a não nos deixarmos vencer pelo mal, mas a vencer o mal com o bem, a olhar para Cristo Crucificado e Ressuscitado que nos associa à sua vitória. A Igreja vive na história, não se fecha em si mesma, mas enfrenta com coragem o seu caminho no meio das dificuldades e dos sofrimentos, afirmando com força que, definitivamente, o mal não vence o bem, a escuridão não ofusca o esplendor de Deus. Este é um ponto importante para nós; como cristãos, nunca podemos ser pessimistas; sabemos bem que no caminho da nossa vida encontramos muitas vezes violência, mentira, ódio e perseguição, mas isto não nos desanima. Sobretudo, a oração educa-nos a ver os sinais de Deus, a sua presença e ação, aliás, a sermos nós mesmos luzes de bem, que difundem esperança e indicam que a vitória é de Deus.

Esta perspectiva leva a elevar a Deus e ao Cordeiro a ação de graças e o louvor: os vinte e quatro anciãos e os quatro seres vivos entoam juntos o «cântico novo» que celebra a obra de Cristo Cordeiro que «renovará todas as coisas» (Ap 21,5). Mas esta renovação é antes de tudo um dom a pedir. E encontramos mais um elemento que deve caracterizar a oração: invocar do Senhor com insistência que o seu Reino venha, que o homem tenha o coração dócil ao senhorio de Deus, que seja a sua vontade a orientar a nossa vida e a do mundo. Segundo a visão do Apocalipse, esta oração de súplica é representada por um pormenor importante: «os vinte e quatro anciãos» e «os quatro seres vivos» têm na mão, juntamente com a cítara que acompanha o seu cântico, também «taças de ouro cheias de incenso» que, como se explica, «são as orações dos santos» (Ap 5,8), ou seja, daqueles que já alcançaram Deus, mas também de todos nós que nos encontramos a caminho. E vemos que diante do trono de Deus um anjo tem na sua mão um turíbulo de ouro no qual põe continuamente os grãos de incenso, isto é, as nossas orações, cujo aroma suave é oferecido juntamente com as preces que se elevam na presença de Deus (Ap 8,1-4). É um simbolismo que nos diz como todas as nossas orações - com todos os limites, o cansaço, a pobreza, a aridez e as imperfeições que podem ter - são como que purificadas e alcançam o Coração de Deus. Ou seja, devemos estar persuadidos de que não existem orações supérfluas, inúteis; nenhuma se perde. E elas encontram resposta, embora às vezes misteriosa, porque Deus é Amor e Misericórdia infinita. O anjo - escreve João - «pegou o turíbulo, encheu-o com o fogo do altar e atirou-o sobre a terra. Houve trovões, clamores, relâmpagos e um grande terremoto» (Ap 8,5). Esta imagem significa que Deus não é insensível às nossas súplicas, intervém e faz sentir o seu poder e ouvir a sua voz na terra, faz tremer e altera o sistema do Maligno. Muitas vezes, diante do mal temos a sensação de nada podemos fazer, mas é precisamente a nossa oração a resposta primeira e mais eficaz que podemos oferecer e que torna mais forte o nosso compromisso quotidiano na difusão do bem. O poder de Deus torna fecunda a nossa debilidade (cf. Rm 8,26-27).

Gostaria de concluir com algumas referências ao diálogo final (Ap 22,6-21). Jesus repete várias vezes: «Eis que venho em breve» (Ap 22,7.12). Esta afirmação não indica somente a perspectiva futura no fim dos tempos, mas também a presente: Jesus vem, faz a sua morada em quem crê n’Ele e O acolhe. Então, a assembleia guiada pelo Espírito Santo reitera a Jesus o convite urgente a tornar-se cada vez mais próximo: «Vem» (Ap 22,17). É como a «Esposa» que aspira ardentemente à plenitude da nupcialidade. Pela terceira vez recorre a invocação: «Amém! Vem, Senhor Jesus!» (v. 20b); e o leitor conclui com uma expressão que manifesta o sentido desta presença: «A graça do Senhor Jesus esteja com todos» (v. 21).

Apesar da complexidade dos seus símbolos, o Apocalipse envolve-nos em uma oração muito intensa, pelo que também nós ouvimos, louvamos, damos graças e contemplamos o Senhor, pedindo-lhe perdão. A sua estrutura de grande prece litúrgica comunitária é também uma vigorosa exortação a redescobrir o ímpeto extraordinário e transformador da Eucaristia; em particular, gostaria de repetir o convite a serdes fiéis à Santa Missa dominical, no Dia do Senhor, o Domingo, verdadeiro centro da semana! A riqueza da oração no Apocalipse faz-nos pensar em um diamante, que tem uma série fascinante de lapidações, mas cuja preciosidade reside na pureza do único núcleo central. Assim, as formas sugestivas de oração que encontramos no Apocalipse fazem brilhar a preciosidade singular e indizível de Jesus Cristo.

Adoração do Cordeiro (Retábulo de Ghent)

Fonte: Santa Sé.

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