quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 26

Prosseguindo com suas meditações sobre “Deus, Criador das coisas invisíveis” em suas Catequeses sobre Deus Pai, São João Paulo refletiu nos encontros nn. 44-45 sobre a presença dos anjos na história da salvação.

Confira o índice com os links para todas as Catequeses sobre o Creio do Papa polonês clicando aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

44. Criador das coisas “invisíveis”: Os anjos
João Paulo II - 30 de julho de 1986

1. Na Catequese anterior nos concentramos sobre o artigo do Credo com o qual proclamamos e confessamos Deus criador não só de todo o mundo visível, mas também das “coisas invisíveis”, e nos detivemos no tema da existência dos anjos chamados a declarar-se a favor de Deus ou contra Deus mediante um ato radical e irreversível de adesão ou de recusa da sua vontade de salvação.
Sempre de acordo com a Sagrada Escritura, os anjos, enquanto criaturas puramente espirituais, se apresentam à reflexão da nossa mente como uma especial realização da “imagem de Deus”, Espírito perfeitíssimo, como o próprio Jesus recorda à mulher samaritana com as palavras “Deus é espírito” (Jo 4,24). Os anjos são, deste ponto de vista, as criaturas mais próximas ao modelo divino. O nome que a Sagrada Escritura lhes atribui indica que o que mais importa na Revelação é a verdade sobre as tarefas dos anjos em relação aos homens: anjo (do grego angelos e do latim angelus) quer dizer, com efeito, “mensageiro”. O termo hebraico “malak”, usado no Antigo Testamento, significa mais propriamente “delegado” ou “embaixador”. Os anjos, criaturas espirituais, exercem função de mediação e de ministério nas relações entre Deus e os homens. Sob este aspecto a Carta aos Hebreus dirá que a Cristo foi dado um “nome” - e, portanto, um ministério de mediação - muito superior ao dos anjos (cf. Hb 1,4).

Sinaxe dos Santos Anjos (ao centro, o ícone de Cristo)
(Igreja do Salvador, São Petersburgo - Rússia)

2. O Antigo Testamento destaca sobretudo a especial participação dos anjos na celebração da glória que o Criador recebe como tributo de louvor por parte do mundo criado. De modo especial os salmos se fazem intérpretes de tal voz quando proclamam, por exemplo: “Louvai o Senhor do alto dos céus, louvai-o nas alturas! Louvai-o, todos os seus anjos...” (Sl 148,1-2). De modo semelhante o Salmo 102: “Bendizei ao Senhor todos os seus anjos, poderosos em força, executores de sua palavra, logo que ouvis a voz do seu comando” (v. 20). Este último versículo do Salmo 102 indica que os anjos tomam parte, à sua maneira, no governo de Deus sobre a criação, como “poderosos executores de suas ordens” segundo o plano estabelecido pela Divina Providência. Aos anjos é confiado de modo particular um especial cuidado e solicitude para com os homens, em favor dos quais apresentam a Deus os seus pedidos e orações, como nos recorda, por exemplo, o Livro de Tobias (cf. especialmente Tb 3,17; 12,12), enquanto o Salmo 90 proclama: “A seus anjos Ele mandou, a teu respeito, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te levarão em suas mãos, para que não tropeces com o pé nalguma pedra” (Sl 90,11-12). Seguindo o Livro de Daniel podemos afirmar que as funções dos anjos como embaixadores do Deus vivo se estendem não só a cada um dos homens e àqueles que possuem funções especiais, mas também a nações inteiras (cf. Dn 10,13-21).

3. O Novo Testamento destaca as tarefas dos anjos em relação à missão de Cristo como Messias e, ante de tudo, em relação ao mistério da Encarnação do Filho de Deus, como constatamos no relato da anunciação do nascimento de João Batista (cf. Lc 1,11) e do próprio Cristo (Lc 1,26), nas explicações e disposições dadas a Maria e a José ( Lc 1,30-37; Mt 1,20-21), nas indicações dadas aos pastores na noite do nascimento do Senhor (Lc 2,9-15), na proteção do recém-nascido diante do perigo da perseguição de Herodes (Mt 2,13).
Mais adiante os Evangelhos falam da presença dos anjos durante o jejum de 40 dias de Jesus no deserto (cf. Mt 4,11) e durante a oração no Getsêmani (Lc 22,43). Depois da Ressurreição de Cristo será também um anjo, aparecendo sob a forma de um jovem, quem dirá às mulheres que foram ao sepulcro e se surpreenderam pelo fato de encontrá-lo vazio: “Não vos assusteis! Buscais Jesus, o Nazareno, o Crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!  (...) Ide, porém, dizer a seus discípulos...” (Mc 16,5-7). Também Maria Magdalena, privilegiada por uma aparição pessoal de Jesus, vê dois anjos (Jo 20,12-17). Os anjos “se apresentam” aos Apóstolos depois da Ascensão de Cristo para dizer-lhes: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado ao céu, virá assim, do mesmo modo como o partir para o céu” (At 1,10-11).
São os anjos da vida, da Paixão e da glória de Cristo. Os anjos d’Aquele que, como escreve São Pedro, “tendo subido ao céu, está à direita de Deus, e a Ele estão submetidos os anjos, as potestades e os poderes” (1Pd 3,22).

4. Se passamos à nova vinda de Cristo - isto é, à “parusia” - vemos que todos os Sinóticos fazem notar que “o Filho do Homem... virá na glória do seu Pai com seus santos anjos” (Mc 8,38; cf. também Mt 16,27; 25,31; Lc 9,26; 2Ts 1,7). Podemos dizer, portanto, que os anjos, como espíritos puros, não só participam da maneira que lhes é própria da santidade do próprio Deus, mas que nos momentos-chave rodeiam a Cristo e o acompanham no cumprimento da sua missão salvífica em relação aos homens. Do mesmo modo também toda a Tradição e o Magistério ordinário da Igreja ao longo dos séculos atribuíram aos anjos este particular caráter e esta função de ministério messiânico.

45. A participação dos anjos na história da salvação
João Paulo II - 06 de agosto de 1986

1. Nas catequeses anteriores vimos como a Igreja, iluminada pela luz que provém da Sagrada Escritura, professou ao longo dos séculos a verdade sobre a existência dos anjos como seres puramente espirituais, criados por Deus. Professou-o desde o início com o Símbolo Niceno-Constantinopolitano e confirmou-o no IV Concílio Lateranense (1215), cuja formulação foi retomada pelo Concílio Vaticano I no contexto da doutrina sobre a criação: Deus “criou simultaneamente desde o início do tempo, do nada, ambas as criaturas: a espiritual e a corporal, isto é, a angelical e a mundana; e em seguida a humana, de algum modo comum a ambas, constituída de espírito e corpo” (Denzinger, n. 3002). Ou seja: Deus criou desde o princípio ambas realidades: a espiritual e a corporal, o mundo terreno e o angélico. Tudo isso Ele criou simultaneamente (“simul”) em ordem à criação do homem, constituído de espírito e de matéria e colocado, segundo a narração bíblica, no quadro de um mundo já estabelecido segundo suas leis e já medido pelo tempo (“deinde”).

2. Juntamente com a existência, a fé da Igreja reconhece certas características distintivas da natureza dos anjos. O seu ser puramente espiritual implica antes de tudo sua não-materialidade e sua imortalidade. Os anjos não possuem “corpo” (ainda que em determinadas circunstâncias se manifestem sob formas visíveis por causa da sua missão em favor dos homens) e, portanto, não estão submetidos à lei da corruptibilidade que une todo o mundo material. Jesus mesmo, referindo-se à condição angélica, dirá que na vida futura os ressuscitados “já não podem morrer, pois são iguais aos anjos” (Lc 20,36).

3. Enquanto criaturas de natureza espiritual, os anjos são dotados de inteligência e de livre vontade, como o homem, mas em grau superior a ele, embora sempre finito, pelo limite que é inerente a todas as criaturas. Os anjos são, pois, seres pessoais e, enquanto tais, são também eles “imagem e semelhança” de Deus. A sagrada Escritura se refere aos anjos utilizando apelativos não só pessoais (como os nomes próprios de Rafael, Gabriel, Miguel), mas também “coletivos” (como as qualificações de Serafins, Querubins, Tronos, Potestades, Dominações, Principados), assim como realiza uma distinção entre Anjos e Arcanjos. Embora levando em conta a linguagem analógica e representativa do texto sacro, podemos deduzir que estes seres-pessoas, como que agrupados em sociedade, se subdividem em ordens e graus, correspondentes à medida da sua perfeição e às tarefas que lhes são confiadas. Os autores antigos e a própria Liturgia falam também dos “coros angélicos” (nove, segundo o Pseudo-Dionísio, o Areopagita). A teologia, especialmente aquela patrística e medieval, não refutou estas representações, buscando ao contrário dar-lhes uma explicação doutrinal e mística, embora sem atribuir-lhes um valor absoluto. Santo Tomás preferiu aprofundar as investigações sobre a condição ontológica, sobre a atividade cognoscitiva e volitiva e sobre a elevação espiritual dessas criaturas puramente espirituais, seja por sua dignidade na escala dos seres, seja porque neles pode explorar melhor as capacidades e atividades próprias do espírito no estado puro, haurindo não pouca luz para iluminar os problemas de fundo que desde sempre agitam e estimulam o pensamento humano: o conhecimento, o amor, a liberdade, a docilidade a Deus, a realização do seu reino.

4. O tema ao qual aludimos pode parecer “distante” ou “menos vital” para a mentalidade do homem moderno. No entanto, a Igreja, propondo com franqueza a totalidade da verdade sobre Deus Criador inclusive dos anjos, crê prestar um grande serviço ao homem. O homem nutre a convicção de que em Cristo, Homem-Deus, é ele (e não os anjos) quem se encontra no centro da Divina Revelação. Pois bem, o encontro religioso com o mundo dos seres puramente espirituais se torna preciosa revelação do seu ser não só corpo, mas também espírito, e da sua pertença a um projeto de salvação verdadeiramente grande e eficaz, dentro de uma comunidade de seres pessoais que para o homem e com o homem servem ao desígnio providencial de Deus.

5. Notamos que a Sagrada Escritura e a Tradição chamam propriamente “anjos” àqueles espíritos puros que na prova fundamental de liberdade escolheram Deus, a sua glória e o seu reino. Eles estão unidos a Deus mediante o amor consumado que brota da visão beatífica, face a face, da Santíssima Trindade. O próprio Jesus o diz: “Seus anjos, no céu, contemplam sem cessar a face do meu Pai que está nos céus” (Mt 18,10). Esse “contemplar sem cessar a face do Pai” é a manifestação mais alta da adoração de Deus. Podemos dizer que constitui aquela “Liturgia celeste”, realizada em nome de todo o universo, à qual se associa incessantemente a Liturgia terrena da Igreja, especialmente em seus momentos culminantes. Basta recordar aqui o ato com o qual a Igreja, cada dia e cada hora, no mundo inteiro, antes de dar início à Oração Eucarística no coração da Santa Missa, apela “aos Anjos e aos Arcanjos” para cantar a glória de Deus três vezes Santo, unindo-se assim àqueles primeiros adoradores de Deus, no culto e no amoroso conhecimento do mistério inefável da sua santidade.

6. Sempre segundo a Revelação, os anjos, que participam na vida da Trindade na luz da glória, são também chamados a ter sua parte na história da salvação dos homens, nos momentos estabelecidos pelo desígnio da Divina Providência. “Não são todos eles espíritos servidores, enviados a serviço daqueles que deverão herdar a salvação?”, questiona o autor da Carta aos Hebreus (Hb 1,14). E isto crê e ensina a Igreja, baseando-se na Sagrada Escritura, pela qual aprendemos que a tarefa dos anjos bons é a proteção dos homens e a solicitude por sua salvação. Encontramos estas expressões em diversas passagens da Sagrada Escritura, como por exemplo no Salmo 90, citado já várias vezes: “A seus anjos Ele mandou, a teu respeito, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te levarão em suas mãos, para que não tropeces com o pé nalguma pedra” (Sl 90,11-12). Jesus mesmo, falando das crianças e admoestando a não as escandalizar, apela a “seus anjos” (Mt 18,10). Além disso, atribui aos anjos a função de testemunhas no supremo juízo divino sobre o destino de quem reconheceu ou renegou a Cristo: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, o Filho do Homem se declarará por ele diante dos anjos de Deus; mas quem me renegar diante dos homens, será renegado diante dos anjos de Deus” (Lc 12,8-9; cf. Ap 3,5). Estas palavras são significativas, porque se os anjos tomam parte no juízo de Deus, estão interessados na vida do homem, interesse e participação que parecem receber uma acentuação no discurso escatológico, no qual Jesus faz os anjos intervir na parusia, ou seja, na vinda definitiva de Cristo ao final da história (cf. Mt 24,31; 25,31.41).

7. Entre os livros do Novo Testamento, especialmente os Atos dos Apóstolos nos fazem conhecer alguns episódios que atestam a solicitude dos anjos pelo homem e sua salvação, como quando o anjo de Deus liberta os Apóstolos da prisão (cf. At 5,18-20), e sobretudo Pedro, ameaçado de morte pela mão de Herodes (At 12,5-10); ou quando guia a atividade de Pedro em relação ao centurião Cornélio, o primeiro pagão convertido (At 10,3-8; 11,12-13), e, analogamente, a atividade do diácono Felipe no caminho de Jerusalém a Gaza (At 8,26-29).
Destes poucos episódios citados a título de exemplo, se compreende como na consciência da Igreja pode formar-se a convicção sobre o ministério confiado aos anjos em favor dos homens. Por isso a Igreja professa sua fé nos anjos da guarda, venerando-os na Liturgia com uma festa especial (02 de outubro), e recomendando o recurso à sua proteção com uma oração frequente, como na invocação do “Santo Anjo...”. Esta oração parece “entesourar” as belas palavras de São Basílio: “Cada fiel tem ao seu lado um anjo como protetor e pastor, para conduzi-lo à vida” (Adversus Eunomium, III, 1; cf. também Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae I, q. 11, a.3).

8. Por fim, é oportuno notar que a Igreja honra com culto litúrgico três figuras de anjos, que na Sagrada Escritura são chamados pelo nome. O primeiro é Miguel Arcanjo (cf. Dn 10,13.20; Ap 12,7; Jd 9). O seu nome exprime sinteticamente a atitude essencial dos espíritos bons: “Mica-El” significa, com efeito: “Quem como Deus?”. Neste nome se encontra expressa, pois, a escolha salvífica graças à qual os anjos “contemplar a face do Pai que está nos céus”. O segundo é Gabriel: figura vinculada sobretudo ao mistério da Encarnação do Filho de Deus (cf. Lc 1,19.26). Seu nome significa: “Minha força é Deus” ou “Força de Deus”, como que dizendo: no ápice da criação, a Encarnação é o sinal supremo do Pai onipotente. Finalmente o terceiro arcanjo se chama Rafael. “Rafa-El” significa: “Deus cura”. Ele se deu a conhecer pela história de Tobias no Antigo Testamento (cf. Tb 12,15ss), tão significativa sobre a entrega aos anjos dos pequenos filhos de Deus, sempre necessitados de custódia, de cuidado e de proteção.
Refletindo bem, vemos que cada uma destas três figuras - Mica-El, Gabri-El, Rafa-El - reflete de modo particular a verdade contida na pergunta levantada pelo autor da Carta aos Hebreus: “Não são todos eles espíritos servidores, enviados a serviço daqueles que deverão herdar a salvação?” (Hb 1,14).

Os três Arcanjos nomeados na Escritura: Miguel, Rafael, Gabriel
(Igualmente tendo ao centro o ícone de Cristo)

Para saber mais, confira nossas postagens sobre a história da Festa dos Santos Arcanjos (29 de setembro) e sobre a história da Memória dos Santos Anjos da Guarda (02 de outubro).

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (30 de julho e 06 de agosto de 1986).

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