sábado, 28 de janeiro de 2023

Homilia: IV Domingo do Tempo Comum - Ano A

São Gregório de Nissa
Sermão sobre as Bem-aventuranças
Tenha por modelo o Deus que quis fazer-se pobre

Pela pobreza de espírito entendo a humildade da qual Jesus Cristo nos deu o modelo em sua pessoa. Porque o orgulho perdeu ao homem; Jesus Cristo, para repará-lo, fez da humildade a primeira das virtudes e a fonte de suas bem-aventuranças. Para conhecer bem a vaidade do orgulho, basta considerar o homem em si mesmo, e não o que está ao seu redor. Portanto, o que é o homem? Esse, de todos os livros, onde é comentado com todas as pompas da dignidade do homem, faz remontar a sua origem a um pouco de lama. Pois do berço comum do gênero humano desceis ao nascimento dos indivíduos que o compõem...

Mas tentemos desvendar o véu deste mistério: Não revele, diz a Escritura, a vergonha de teu pai e de tua mãe! Argila animada, em seguida poeira contaminada, você não se envergonha de se entregar ao orgulho? Você esqueceu, pois, as duas extremidades da vida humana, o lugar de onde partiste e aquele aonde vais terminar? Isso que vos ensoberbece, a sua juventude, sua beleza, a agilidade de seus músculos, a riqueza ou a elegância de vossos adornos: tudo isso não é vós.

Contemplai-vos no espelho e aprendei a vos conhecer. Não fostes inteirar-se dos segredos da nossa natureza em um desses lugares destinados às sepulturas? Não fostes contemplar esses montões de ossos confusamente dispersos e acumulados uns sobre os outros? Esses crânios desnudos, essas cabeças mutiladas cujo aspecto imprime pavor e repugnância; essas cavidades profundas que substituem os olhos, esses restos de uma boca sem forma, esses pedaços de membros sem laço que os uma ao mesmo corpo... Aí está vossa imagem!

Onde está a flor de uma brilhante juventude, o frescor das cores, os lábios sorridentes, os olhos intensos de onde jorram arrogância e desdém, a cabeleira solta sobre os ombros, as mãos hábeis que lançam as flechas e o dardo, os pés ágeis e vigorosos? Onde está a exuberante púrpura que vos ornamenta? O que aconteceu com tudo isso? Um sonho vão do qual não restou sequer um rastro...

Mas, diga-me ainda, o que te enche de tanto orgulho? É vossa dignidade no mundo, as magistraturas, os cargos que ali ocupais; o brilhante papel que desempenhais no jogo da vida? Máscara de teatro, que reténs fora do espetáculo ao personagem emprestado do qual és encarregado no momento da representação! Acreditam que possuem o poder do próprio Deus, porque dispõem do direito de vida e de morte sobre aqueles que dependem de sua autoridade. Ah! Como se pode ter direito sobre a vida de outro quando não se é senhor da sua própria?

Se és pobre de espírito, tenhas por modelo o Deus que quis fazer-se bem pobre, indigente por amor a nós, que fixa seu olhar sob a comum condição de todos os homens, e banirá de seu coração todo esse fausto emprestado. Essa pobreza de espírito não exclui o outro tipo de pobreza, que serve para adquirir as riquezas do céu. Ambas levam à bem-aventurança. Qual é então o pobre de espírito? É aquele que troca a opulência terrestre pelos bens espirituais, o que se liberta de todo apego humano para tomar um impulso mais livre para a Divindade.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 125-126. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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